Fernando de Velasco

Entrevista conduzida por Batista-Bastos -  "Público" (1994)

ENTREVISTA COM FERNANDO DE VELASCO

Fernando de Velasco: o diálogo que evitou um banho de sangue
Fui o Único Oficial da GNR Comprometido com Abril
 

São as horas onde tudo vai ser decidido. A História está a virar uma página. As pessoas deixam de ser espectadoras resignadas para se tornar protagonistas activas. Eis o momento móvel em que o medo é expulso, e em que todos os gestos, todos os gritos, se incorporam num poderoso acto criador. A revolução está na rua e a liberdade começa a andar à solta. As vozes, umas governadas, outras instintivas, as vozes transformam-se num clamor unânime. Largo do Carmo. A metamorfose do imaginário. Vai o dia desfraldado num encadear de emoções e de sentimentos. Um jovem militar de meã estatura, rosto fechado, olhar firme, dá ordens secas. Ele próprio está a atravessar os umbrais da História, e a História vai engrandecer-se com o seu nome: Salgueiro Maia. Avisou os sitiados de que fará fogo se eles não se renderem. Olha o relógio. Olha em derredor. Fala no "walkie-talkie". A multidão começa a impacientar-se: os nervos atingem uma tensão quase dolorosa. Recomenda-se calma. Porém, não há sossego no coração dos homens, quando a fé explode. E a fé reside na natureza dos gritos, nos diálogos soltos, nos olhares expectantes de centenas e centenas de pessoas.
Tiros. Ouvem-se tiros. Um carro de combate move-se. É então que a porta do quartel se abre. Sai um oficial da GNR, de óculos escuros, passo desenvolto. Um grande silêncio, agora. O oficial dirige-se a Salgueiro Maia. É o major Fernando Bélico Velasco. Todos parecem perceber que o diálogo entre os dois homens não é permanente nem episódico, mas certamente vai timbrar o dia e lacrar o destino. "Éramos todos muito novos", dirá o agora coronel Velasco. Tem 66 anos. Dirá ainda: "E o Salgueiro Maia, apesar de muito novo, era já um homem invulgar."

PÚBLICO - Onde estava no 25 de Abril?  
FERNANDO VELASCO - No Quartel do Carmo, no Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana.

P. - Sabia o que se ia passar?  
R. - Sabia o que se ia passar, mas não sabia a data.

P. - O facto de ser primo de Otelo Saraiva de Carvalho determinou o seu envolvimento no 25 de Abril, acabando por ser, também, um Capitão de Abril?  
R. - O facto de ser primo do Otelo facilitou-me o contacto, mas o que me levou a participar mais activamente no 25 de Abril foram vários acontecimentos, que ocorreram na primeira quinzena de Março de 74, ou seja: a demissão de dois generais, com grande prestígio no Exército, dos cargos de chefe e vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, os generais Costa Gomes e Spínola. Depois, chocou-me muito aquela manifestação que as chefias militares da altura promoveram, subserviente, de apoio ao presidente do Conselho, Marcello Caetano. Chocou-me o cerco que a GNR fez à Academia Militar, em Março. Isso foi um enxovalho para o Exército, mas penso que esse cerco foi feito a pedido das próprias autoridades militares. Por fim, irritou-me o clima eufórico que se vivia depois do regresso dos militares às Caldas, como se a GNR fosse vitoriosa.

P. - Mas o senhor era da GNR.  
R. - Sim, era major da GNR. Adjunto na repartição do Comando de Operações do Comando Geral. Não participei na origem do Movimento dos Capitães. Só após a ocorrência desses acontecimentos é que decidi prestar a minha colaboração. Um dia, depois do 16 de Março, encontrei-me com o Otelo, em casa de uma tia minha, que era avó dele. Perguntei-lhe se o Movimento tinha acabado, ele disse-me que não, e coloquei-me à sua disposição para lhe oferecer todos os elementos que precisasse, para fazer o chamado "estudo da situação sobre o adversário". Mais tarde, ele foi à minha casa, pediu-me elementos sobre a GNR, e eu forneci-os.

P. - Sobre a GNR, de uma maneira geral, ou só em Lisboa?  
R. - Sobretudo em Lisboa. O dispositivo, as patrulhas da GNR, as guardas que a GNR fornecia em determinados pontos sensíveis em Lisboa, como as antenas da RTP, em Monsanto, os Correios, na Praça D. Luís, a Presidência da República, a Casa da Moeda; a GNR guardava todos esses pontos sensíveis de Lisboa.

P. - O senhor é o único oficial da GNR comprometido com os revoltosos de Abril?  
R. - Sim. Aliás, era o único oficial do quadro, no activo, que estava no Comando-Geral, além do comandante-geral e do segundo-comandante. Os outros oficiais eram milicianos ou oficiais do quadro, na reserva.

P. - A partir de que horas?  
R. - A partir das cinco da manhã, mais ou menos. Fui acordado pelo oficial de dia, que telefonou para a minha casa e me disse que a GNR tinha entrado em prevenção rigorosa. Acrescentou: "Ó meu major, isto, hoje, é a sério!"

P. - Mas já sabia que o golpe era nesse dia?  
R. - Não. Antes de ir para o Quartel do Carmo, ainda passei pela Calçada da Ajuda, para ver se havia algum movimento de tropas do Exército. Não vi nada.

P. - O seu primo não o avisou de que o golpe estava desencadeado?  
R. - Não, não me avisou. Aliás, pedi ao Otelo para nunca me dizer a data.

P. - Porquê?  
R. - Porque podia haver um novo fracasso, como foi o golpe das Caldas. E as pessoas podiam desconfiar de mim, que poderia ter feito alguma denúncia.

P. - O Marcello e o Governo foram refugiar-se no Quartel do Carmo porquê?  
R. - Havia dois planos de evacuação do Governo em casos deste género: ou ia para Monsanto, onde estava a Primeira Região da Força Aérea, ou para o Quartel do Carmo. Quando se deu o 16 de Março, foi para Monsanto, onde esteve também o Presidente da República. Era lógico que, a seguir, fossem para o Carmo.

P. - Recorda-se a que horas o Governo chegou?  
R. - Quando cheguei ao Carmo, a primeira pessoa com quem me cruzei num corredor, quando me dirigia ao vestiário dos oficiais, foi o prof. Marcello Caetano. Estava acompanhado por dois ou três elementos da PIDE, seus guarda-costas, e pelo assessor militar.

P. - Trocaram algumas palavras?  
R. - Nada, absolutamente nada.

P. - Como é que o prof. Marcello Caetano estava? Assustado?  
R. - Não, sempre o achei tranquilo, mesmo no período mais difícil, que foi o cerco ao Quartel do Carmo.

P. - Os outros elementos do Governo foram chegando em grupo, ou isoladamente?  
R. - Isoladamente. Aliás, nem estavam lá muitos. Estavam o Moreira Baptista, ministro do Interior, o almirante Henrique Tenreiro, que não era membro do Governo, e, mais tarde, o dr. Rui Patrício.

P. - É verdade que o dr. Rui Patrício, segundo se conta, se urinou e se borrou, cheio de medo?  
R. - Não confirmo isso, porque não vi. Mas que estava muito deprimido, lá isso estava.

P. - Quem mandava no Quartel do Carmo? Era o senhor?  
R. - Não. Eu era adjunto de uma repartição, tenho um chefe, que é um coronel. Estava lá o chefe do Estado-Maior, e estava lá um general, que era o comandante da GNR. Ali não tive qualquer acção, até à hora do almoço.

P. - Quando o Quartel do Carmo está sitiado, o senhor vem cá fora, parlamentar com Salgueiro Maia. Porquê?  
R. - Quando as forças passaram no Rossio, gerou-se um certo pânico, por parte do ministro do Interior. Da fachada leste do quartel, vê-se o Rossio. Vimos a coluna militar a avançar e a apontar para o Carmo, e o Moreira Baptista reparou que, em cima dos carros, estavam elementos que pareciam civis armados, mas que não eram. O Moreira Baptista entrou em pânico, e foi a correr para o gabinete do prof. Marcello Caetano, dizendo: "Aí vem a coluna dos civis armados!" Depois verificou-se que eram militares. A coluna continuou até ao Carmo. O quartel tinha todas as janelas fechadas e a segurança montada. À hora de almoço, oficiais que comandavam os elementos da segurança do quartel vieram ter comigo: "Meu major, a situação é grave! Nós estamos cercados, o comandante da força está farto de fazer avisos, daqui ninguém diz nada, e ele diz que vai abrir fogo! E ninguém toma uma atitude aqui dentro!" Então, pensei que devia tomar uma atitude. Estavam todos a almoçar, e fui passar uma ronda. Os portões estavam fechados, e vi uma porta, cujas chaves estavam penduradas. Cheguei à porta, rodei as chaves, perante o espanto do cabo que me pergunta: "O meu major vai sair?", e eu digo-lhe: "Vou sair!" Abri a porta, e saí. Por minha iniciativa.

P. - O senhor não representa ninguém, nem o lado do Governo, nem o dos revoltosos. É uma iniciativa pessoal?  
R. - É. Não representava ninguém.

(Fernando Hugo Franco Bélico de Velasco. O aguerrido patronímico não corresponde à suavidade com que fala, à sorridente doçura do olhar, à mansuetude dos gestos. Percebe-se que não foi um acto de reivindicação, uma imposição ideológica ou um impulso político que levaram este homem a participar no golpe de Abril. O que o moveu, então? Uma questão de ordem moral. Esse reflexo de honra que se ilumina e esclarece em momentos extremos. Fala das recentes tentativas para se anestesiar a História, e da espécie de enunciação tautológica com que se pretende sancionar Salazar. Diz: "Eles manifestam a tendência de apagar as principais características do ditador, que são extremamente negativas, a fim de melhorar a sua imagem. Mas os portugueses não esquecem, e a História não vai deixar de atribuir a Salazar a responsabilidade dos seus crimes." A voz não se lhe altera. A indignação é suave. Mas adivinha-se-lhe a segurança com que domina as iras e com que atenua as cóleras. Direi eu: um homem que possui a exaltante experiência da liberdade partilhada. "Fiz o que era preciso fazer e o que a minha consciência determinou. Valeu a pena.")

P. - O que disse ao Salgueiro Maia?  
R. - O Salgueiro Maia pensou que eu fosse um enviado da GNR, para negociar. A primeira coisa que me diz, depois de me ter cumprimentado respeitosamente, foi: "Meu major, isto tem de se resolver! Eu vou abrir fogo! Ninguém diz nada, e eu estou farto de fazer avisos!" Eu disse-lhe: "Com as janelas e os portões fechados, os seus avisos não chegam lá dentro." Ele responde-me, julgando que era um emissário: "Mas a GNR tem de se render! A GNR que venha cá para fora, e que deponha as armas." Então, eu disse-lhe: "Eu não sou um emissário. Não venho aqui negociar nada. Saí por minha iniciativa, porque estou ligado ao MFA, por intermédio de uma única pessoa, que é o Otelo Saraiva de Carvalho. Vim aqui para o ajudar a resolver esta situação. Quanto à rendição, não me parece que a GNR faça isso. Era uma humilhação muito grande." Sei que ele ligou por radiotelefone para a Pontinha, mas não sei se falou com o Otelo. Depois, estivemos a trocar impressões: "Meu major, como é que isto se resolve? Eu vou entrar, vou rebentar com isto!" Disse-lhe: "Mas olhe que estão lá dentro senhoras e crianças."

P. - Que senhoras e crianças eram?  
R. - Viviam lá oficiais e sargentos com as famílias. O Salgueiro Maia não sabia. Disse-lhe que estavam lá dentro o presidente do Conselho, o ministro dos Negócios Estrangeiros, o ministro do Interior. "E o Presidente da República não está?" "Não, não está." Ele ficou um bocado admirado: "Bem, então como é que se resolve isto? Eu vou abrir fogo, tenho de destruir isto, se não me derem uma resposta de rendição. Dou-lhes dez minutos." Repeti-lhe: "Olhe que os seus avisos não são ouvidos lá dentro." "Então, o meu major entre, e diga-lhes que lhes dou mais dez minutos." " Saí por minha iniciativa, é normal que possa ser detido. Vou tentar entrar e transmitir o seu recado." Comecei a entrar, e não vi dificuldades, porque passei por uns guardas da GNR que me disseram: "Meu major, veja lá se resolve isto o mais depressa possível."

P. - Foi falar com quem, nessa altura?  
R. - Falei com o general-comandante Augusto Pires, que estava acompanhado pelo ministro Moreira Baptista. A primeira pergunta que o general me fez, foi: "Quem é que o autorizou a sair?" Respondi-lhe: "Ninguém, meu general. Mas isso, para já, não interessa. O que interessa é que está uma força lá fora, o quartel está cercado, o comandante da força está farto de fazer avisos para a GNR tomar uma atitude e ninguém diz nada. Saí, e ele pediu-me para avisar que nos dava mais dez minutos. Depois, abre fogo sobre o quartel."

P. - Vocês tinham armas suficientes para enfrentar o Salgueiro Maia?  
R. - Não, tínhamos armas ligeiras, granadas de mão. O Moreira Baptista ouviu esta conversa e disse-me: "Diga-lhe para aguentar mais um bocado." Respondi-lhe: "Sr. ministro, ele está farto de aguentar." "É que chegou uma pessoa com uma mensagem do general Spínola, talvez o problema se resolva." Acho que tinha chegado o Feytor Pinto, depois de mim, mas eu não o tinha visto entrar. Disse-lhe: "Então vou sair e confirmar isso." Saí, e falei com o Salgueiro Maia, que me disse: "Chegou uma pessoa, que deixei entrar, o dr. Feytor Pinto, e que foi falar com o presidente do Conselho."

P. - E a partir daí?  
R. - O Feytor Pinto saiu, e pediu ao Salgueiro Maia uma viatura, para ir falar com o Spínola. O Salgueiro Maia pediu-me para ir anular as forças da GNR que estavam no Rossio e no Largo da Trindade, e eu fui. As forças da GNR do Largo da Trindade também não sabiam o que deviam fazer. Ficaram um bocado aliviados quando viram um oficial da GNR chegar. Disse-lhes: "Ponham as armas em bandoleira, e aguardem. Não façam nada." O Salgueiro Maia deu-me uma viatura, fui ao Rossio, e estava lá uma companhia da GNR, que também não tinha ordens. Disse ao tenente a mesma coisa que tinha dito à GNR da Trindade, e regressei ao Carmo.

P. - Aliciou alguém para participar no golpe?  
R. - Na GNR, não. Era difícil. Nem noutros sítios.

P. - A partir de certa altura, são disparados tiros. As negociações tinham chegado a um beco-sem-saída? Como é que as pessoas, dentro do quartel, ficaram depois dos disparos?  
R. - Quando os tiros são disparados, eu estava cá fora. Depois é que soube que as pessoas se assustaram. Entretanto, o Salgueiro Maia queria entrar, queria arrombar um portão com uma autometralhadora Panhard. A seguir ao portão havia uma rampa, e essa rampa ia dar a um pátio. Aconselhei-o a não entrar, porque ia ficar completamente dominado, dentro desse pátio. Mas ele ainda encostou a autometralhadora ao portão, e ainda o forçou um pouco.

P. - Foi discriminado, por ser um homem de Abril?  
R. - Não. Nunca fui discriminado, mas afastei-me um pouco de todo aquele processo que se seguiu ao 28 de Setembro. Regressei ao Exército, fui mobilizado, e afastei-me um bocado do PREC, porque não me agradou.

P. - Continuou a dar-se com o seu primo Otelo?  
R. - Houve uma ruptura, porque fui nomeado comandante do Regimento de Setúbal, mais tarde. Fui mobilizado para Santa Margarida, para comandar um batalhão, que foi mandado marchar para Setúbal antes das eleições, em 1975. O batalhão estava em reserva ou para Moçambique ou para Angola. Se não embarcasse até ao dia 4 de Maio, era desmobilizado, e eu também, como comandante do batalhão. Apresentei-me ao chefe do Estado-Maior do Exército, na altura o general Carlos Fabião, que me enviou para Setúbal, onde estive até uns tempos depois do 25 de Novembro.

(Nasceu em Goa. Casado há trinta e seis anos, com uma professora de Matemática que lhe incutiu o gosto da música. Duas filhas e dois netos. Reformado há oito anos. Pratica golfe e ténis. Gosta de viajar. A propósito da ruptura com Otelo, diz: "Tenho pena. Não estamos zangados, mas seguimos caminhos diferentes. Apesar de tudo, tenho um grande respeito pelo Otelo; não pelo facto de ser meu primo, mas sim porque é um homem generoso, corajoso e digno. Simplesmente, discordo do caminho político que seguiu, mais tarde." Ergue-se da cadeira. Encolhe os ombros: "As coisas são como são." Não está muito à vontade em expor-se à curiosidade do público. Divirjo na conversa, para estabelecer uma espécie de atenuante, ou de trégua. Volta a sentar-se. Olha-me, a um tempo compassivo e sardónico. O homem que, por momentos, teve, talvez, o poder de dialogar com o futuro, nunca perseguia a construção da sua própria personagem. É assim: modesto, discreto, com uma singeleza inseparável da sabedoria, e a sabedoria como atributo da experiência.)

P. - Que significou, para si, o 25 de Novembro?  
R. - A consolidação da democracia.

P. - Valeu a pena fazer Abril?  
R. - Sim, valeu a pena, não tenho dúvidas nenhumas.

P. - Que mais o desgosta em todo este processo?  
R. - A forma como correu a descolonização.

P. - Acha que podia ser feita de outra forma?  
R. - A partir de certa altura, não. A situação em Portugal era de tal forma anárquica, em todos os aspectos, até nas Forças Armadas, que não se podia fazer de outra maneira. Se o MFA não pretendesse conduzir aquelas transformações profundas na sociedade portuguesa, da forma como o fez, e a caminho de um certo modelo, talvez se pudesse fazer a descolonização de outra maneira. Acho que a descolonização foi muito má.

P. - E as injustiças que se têm cometido aos militares de Abril?  
R. - Penso que há algumas. E deviam ser corrigidas. Parece-me, no entanto, que não são tantas como os órgãos de comunicação social nos apresentaram, mas há, de facto, injustiças.

P. - Dê-me um só exemplo de injustiça.  
R. - O brigadeiro Pezarat Correia não é general, por motivos políticos.

P. - E qual é a sua opinião sobre Salgueiro Maia?  
R. - É das melhores, achei-o um homem extraordinário. Não tive relações de amizade com ele, mas tenho uma grande consideração e respeito por ele, pela sua coragem, determinação e dignidade.

P. - Qual é o político com quem, neste momento, se identifica?  
R. - Com nenhum. Mas tinha grande admiração pelo dr. Sá Carneiro. Achava-o um grande estadista.

(Observo, de novo, a fotografia destes dois militares que dialogam no Largo do Carmo, onde o destino português ficou assente. Nenhum deles sabe que está a delimitar uma época. Nenhum deles procura a fama. Nenhum deles aspira ao pedestal. Foi no dia em que a História não teve falta de comparência moral. Foi no dia em que o sinal verde esteve permanentemente aberto, para cumprir as direcções de todas as nossas esperanças e indicar o caminho de todos os nossos sonhos. Parte substancial do que escrevo, porventura a parte mais nova ou mais remoçada, é tributária desse dia. Perdoem esta nota pessoal: foi no dia em que deixei de escrever baixinho. Observo a fotografia destes dois militares, e revejo o momento em que a extensão da palavra liberdade estava à altura dos homens e readquiria a grandeza de um nome: Portugal. Num dia de visão, de júbilo e de espanto.)