I N V E N T Á R I O   D E   E S P Ó L I O

Fernando José da Maia Valle

FERNANDO VALLE (1900 - 2004)*

O vulto de cabeleira branca e boina basca, o presidente honorário do Partido Socialista, o mais antigo maçon do Mundo, o decano dos médicos portugueses, o amigo íntimo de Miguel Torga, o companheiro de Universidade de Vitorino Nemésio, o camarada político de Mário Soares, morreu aos 104 anos em Coimbra.

Fernando Baeta Cardoso do Valle, que nasceu a 30 de Julho de 1900, na Cerdeira (Arganil), foi a enterrar, na sua adorada vila de Coja. Estendeu a vida por três séculos, costumando dividi-los de acordo com a divisa da Revolução Francesa: «O Século XIX foi o da Liberdade; o XX é o da proclamação da Igualdade; o XXI será o da Fraternidade».
«Matusalém sem idade», na expressão de Torga, não atingiu os 110 anos, como gostaria, na qualidade de eterno amante da vida, nem chegou a ir a Paris, como ainda desejava, pois não conhecia a cidade que era, em seu entender, «sinónimo da civilização». Mas, de facto, como disse o seu amigo poeta - que passava Natais na sua solarenga casa de Coja e o transformou na personagem do Dr. Vilela na Criação do Mundo -, no discurso da homenagem de 1989, Fernando Valle «teve tempo para ser no mundo a imagem paradigmática do jovem irreverente, do bom chefe de família, do amigo leal, do médico devotado, do político isento, do governante capaz, do cidadão exemplar».

Mesmo aos 104 anos, o opositor ao fascismo que ensaiou um partido socialista com António Sérgio, em 1947; o sexagenário que partilhou a camaradagem do Aljube com o jovem José Mário Branco, quando foi preso, em 1962, por pertencer às Juntas Patrióticas de Libertação Nacional; o mais velho representante do Interior presente em Bad-Munstereifel na fundação do PS; o governador civil de Coimbra a que se deve, por exemplo, a construção do novo complexo dos Hospitais da Universidade (HUC); o nome que Vasco Lourenço chegou a sugerir, em roda restrita, como potencial candidato a Belém, em 1980; o democrata condecorado pelos Presidentes Eanes (Grande Oficial da Ordem da Liberdade) e Soares (Grã-Cruz da Ordem de Mérito), nunca se reformou dos seus ideais e manteve, até ao fim, a par da alegria de viver (lia sempre livros recentes e nunca rejeitava um bom convite gastronómico), a sua «firmeza nos princípios».
Na última disputa no PS assumiu-se como o primeiro subscritor da moção de Manuel Alegre, o poeta que o tinha definido como «velho capitão do povo», num poema de 1989, e lhe dedicou uma frase lapidar quando aquele autêntico aristocrata da esquerda completou cem anos (visita de Jorge Sampaio, almoço com António Guterres e 1300 convivas, mensagens desde o arcebispo resignatário de Braga, D. Eurico Dias Nogueira, ao vulto histórico do PCP de Coimbra, Alberto Vilaça): «Olhei para ele e vi, simultaneamente vi, o cavaleiro antigo e o astronauta do futuro.»

(*) Nota biográfica publicada por Mário Ribeiro Caiado no Grupo Fascismo Nunca Mais

MONOGRAFIAS

- ALIANÇA REPUBLICANO-SOCIALISTA - Manifesto ao país / Directório [da] Aliança Republicano-Socialista . - Lisboa : Papelaria Progresso, 1931. - 8 p

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