Intervenção na Mesa Redonda levada a efeito pelo Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra/Fórum dos Estudantes da CPLP
Coimbra, 30 de Abril de 2005
J. Villalobos Filipe, Cor.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Correia, Pezarat: Descolonização de Angola – A Jóia da Coroa do Império Colonial Português
Editorial Inquérito
Mem Martins, 1991
Correia, Pezarat: MÁTHESIS
Universidade Católica Portuguesa – Fac. De Letras
Viseu, 2000
M’BOKOLO, Elikia: África Negra – História e Civilizações
Tomo I até ao séc. XVIII
Editora Vulgata
Lisboa, 2003
Reader, John: África – Biografia de Um Continente
Publicações Europa-América
Mem Martins, 2002
Centro Doc. 25 Abril: MELO ANTUNES, O Sonhador Pragmático – Entrevista de Maria Manuela Cruzeiro
Editorial Notícias
Cruz Quebrada, 2004
ANGOLA
Antecedentes:
Janeiro 61: acontecimentos na baixa do Caçange reprimidos com recurso a forças militares
04 Fevereiro 61: Acções em Luanda do MPLA contra a casa de reclusão militar e a cadeia civil de São Paulo, estação de rádio e esquadra da PSP.
11 Fevereiro 61: Nova acção do MPLA contra o posto administrativo de São Paulo em Luanda.
15 Março 61: Levantamento geral da UPA nos distritos do Uíge e Quanza Norte.
Abril de 62: Fusão da UPA com o PDA dando origem à FNLA que cria o GRAE (Governo da República de Angola no Exílio), reconhecido pela ONU.
Julho 64 Jonas Savimbi que era ministro dos negócios estrangeiros do GRAE abandona a FNLA, vindo a formar posteriormente a UNITA (1966).
A guerra que se desencadeia em Angola é caracterizada por ser desenvolvida inicialmente por dois movimentos de libertação e a partir de 1966 por três movimentos, embora a UNITA só venha a ser reconhecida como movimento pela OUA em Mombaça, nas vésperas do acordo do Alvor.
Estes movimentos nunca se entenderam entre si e nunca constituíram uma frente única contra as forças militares portuguesas, mas lutando com implantação em zonas distintas, davam origem a três frentes o que obrigava os portugueses a uma grande dispersão de meios e desgaste.
A FNLA, apoiada pelos E.U. e posteriormente pela China e Zaire operava a norte, a partir do Zaire
O MPLA apoiado pela União Soviética, actuava numa bolsa a leste de Catete, entre os rios Dange e Zenza, na chamada 1.ª região Militar. Era abastecido a partir do Congo Brazaville (ex-Congo Francês) mas as dificuldades nos abastecimentos determinaram o abandono dessa zona e a sua deslocação para a Zâmbia, a partir da qual tentam a penetração para oeste através do saliente do Cazombo.
A UNITA, apoiada pela China e África do Sul e com a tolerância da Zâmbia actuava no leste de Angola a partir de 1966. Em 1971 o comando português da Zona Militar Leste com sede no Luso (actual Luena) estabelece um pacto de não agressão às forças da Unita (Operação Madeira), ficando esta confinada a uma zona bem delimitada. Em troca forneceria informações sobre a movimentações do MPLA e da FNLA se estes tentassem um movimento de flanco. Este entendimento foi desfeito a partir de 1973, data em que o comando militar da ZML (Zona Militar do Leste) foi substituído, e o novo comandante português muda de estratégia e desencadeia uma forte ofensiva (Operação Castor) contra a Unita que, de novo, pega em armas contra os portugueses. Entretanto, longos treze anos já decorriam em situação de guerra, em três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique), obrigando a um esforço enorme em meios humanos e financeiros, com o seu cortejo de mortos e de deficientes [1] .
Os oficiais do quadro permanente eram mobilizados sucessivamente para o cumprimento de comissões com a duração mínima de dois anos (eu cumpri oito anos, tendo estado em Angola, Moçambique e seis meses na Guiné, de onde fui evacuado por ter sido ferido durante uma operação na zona de Morés, em Janeiro de 1964).
A convicção de que a solução para a guerra colonial tinha de ser a via política e não a das armas era cada vez mais clara no espírito dos oficiais portugueses, enquanto na sociedade civil era cada vez maior o fluxo da emigração, não apenas na busca de melhores condições de vida no exterior do país mas, a nível da juventude, para evitar a mobilização para a guerra colonial. Em 1974, não existiam em Portugal ou seriam muito poucas, as famílias que não estivessem atingidas, directa ou indirectamente, pela mobilização de um familiar. Aqui é justo realçar o sofrimento angustiado de mães, esposas, noivas que viam partir os seus entes queridos sem a certeza do seu regresso e que de forma indirecta também intervinham na guerra.
A substituição de Salazar como primeiro ministro (presidente do conselho na designação na altura) por Marcelo Caetano, abre uma réstia de esperança numa solução negociada para a guerra colonial (primavera marcelista), mas essa expectativa é gorada e tudo continua na mesma, com a nação cada vez mais exaurida. Marcelo Caetano defendia uma via federal para as colónias e, embora já tivesse havido uma proposta dos E.U. (plano Nixon, 1972) para que Portugal concentrasse as suas forças em Angola e no sul de Moçambique, numa vietnamização desta colónia, deixando cair a Guiné que assim se tornaria independente. Essa via não foi seguida porque Marcelo Caetano, sabia que após o reconhecimento da independência da Guiné, seria impossível encontrar outra solução para Angola e Moçambique que não fosse a das respectivas independências.
Entretanto, no plano internacional, Portugal é um país cada vez mais isolado:
1963 – Portugal é expulso da Conferência Mundial do Turismo e da Comissão Económica da ONU para África;
1963 – Todos os países da OUA cortaram relações diplomáticas;
1965 – Portugal é impedido de participar em conferências especializadas da UNESCO;
1966 – Idem, na Comissão Regional de África da Assembleia Mundial da Saúde;
1970 – O Papa recebe em audiência os Presidentes do MPLA, PAIGC e Frelimo, o que tem enormes repercussões nos meios político/religiosos portugueses;
1972 – Portugal é obrigado a abandonar a UNESCO;
1973 – Os países árabes embargam as vendas de petróleo ao Estado português;
A renovação do material de guerra, nomeadamente a nível de meios aéreos era praticamente impossível ou comprava-se sucata da 2.º Guerra Mundial, “em contrabando”, é ocaso dos aviões B-26 que praticamente não chegaram a operar Angola nos últimos anos da guerra.
É o 25 de Abril que vem por termo a esta situação.
O Programa do MFA sintetizava os objectivos a atingir com o derrube do regime marcelista nos chamados três D’s: Democratizar; Desenvolver e Descolonizar. Este último objectivo era aquele que decorria naturalmente do fim das hostilidades, aquele que teria o tempo mais limitado para ser cumprido e aquele que maiores repercussões iria ter sobre a sociedade civil. O MFA, no seu documento aprovado em 5 de Março de 1974 intitulado “O Movimento, As Forças Armadas e a Nação”, já reconhecia que «...a solução política do problema ultramarino deveria ter em conta ... a realidade incontroversa e irreversível da funda aspiração dos países africanos a se governarem a si próprios» e proclamava no seu Programa o «claro reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação», alínea que o General Spínola propõe, em nome da Junta de Salvação Nacional, seja retirado. Ele próprio era defensor de uma autodeterminação a prazo que defendera no seu livro “Portugal e o Futuro” o qual constituiu uma obra de extraordinário impacte na sociedade civil e militar portuguesa, dado o grande prestígio que acumulara enquanto Comandante Chefe da Guiné e reflectir o pensamento de quem conhecia profundamente a realidade da luta na Guiné, território onde seria proclamada unilateralmente a independência da região de Madina do Boé, que tinha o reconhecimento internacional de diversos países e que Portugal não conseguia contrariar nos fóruns internacionais.
Portanto, logo à partida a questão da Descolonização revela-se particularmente delicada não apenas pela problemática territorial que envolve, mas devido às diversas sensibilidades dos militares portugueses em relação ao que se pretendia com a descolonização, encontrando-se em presença três correntes: As teses integracionistas, as federalistas e as que defendiam o direito à autodeterminação e independência das colónias portuguesas (chamados de territórios ultramarinos numa tentativa de travestir-se a realidade).
Estabelece-se um braço de ferro entre o MFA e o Gen. Spínola que provoca a primeira cisão no interior do MFA a qual não termina quando é publicada a Lei 7/74 (26 Julho 74) que Spínola promulga no mesmo dia sem objecção e que vem clarificar a posição de Portugal em relação à descolonização, ao contemplar expressamente o «direito dos povos à autodeterminação e a independência dos territórios de além mar». A palavra “colónia” constituía ainda um tabú e não era a única (imperialismo, fascismo, guerra colonial...). No dia seguinte Spínola faz um discurso no qual afirmou: «...estamos prontos para iniciar o processo de transferência do poder para as populações dos territórios reconhecidamente aptos para o efeito, nomeadamente a Guiné, Angola e Moçambique» [2] .
Com a promulgação desta Lei parecia que o conflito Spínola/MFA estaria sanado, mas estala uma outra vertente do mesmo quando o General Spínola não levanta problemas relativamente a Moçambique e à Guiné, mas afirma que quem irá conduzir o assunto Angola será ele exclusivamente. De novo o MFA se opõe e esta sucessão de desacordos não contribui para a estabilização interna de um processo repleto de incidentes que resultavam da descompressão natural de 48 anos de ditadura e das profundas injustiças que se tinham gerado e, como tal, é não linear. Também o 1.º Governo Provisório já se demitira, tendo assumido as funções de Primeiro Ministro o Gen. Vasco Gonçalves defensor da autodeterminação.
Entretanto, em Angola, perante as atitudes de indefinição da parte portuguesa face à descolonização, os Movimentos intensificam as acções de luta armada, o que provoca o aumento do número de baixas, de parte a parte, enquanto as forças militares portuguesas presentes no território desmobilizam psicologicamente porque não entendem a razão de continuar a combater e sofrer baixas, quando o objectivo do MFA era o de obter a cessação das hostilidades, e reivindicam o regresso a Portugal.
Um slogan lançado por um movimento de extrema esquerda em Portugal - «nem mais um soldado para as colónias» - tem um efeito devastador no espírito dos militares presentes em Angola, a somar à desmotivação de quem antevia um regresso antecipado a casa, tendo esta situação constituído um dos mais sérios problemas que o MFA em Angola enfrentou, porquanto ainda se vivia em situação de combate e não se podiam encetar conversações que se adivinhavam difíceis, sem uma retaguarda firme e coesa. A componente militar de origem angolana também recusava permanecer nas fileiras o que vem complicar, ainda mais, a situação.
Mas não era apenas a nível militar que a situação era complexa. Também a nível da sociedade civil se colocavam muitos problemas:
Conflitos laborais (Greves no C.F.Lobito, no Porto de Luanda, em fábricas, nos serviços públicos etc.);
Ausência de Governador em substituição do anterior que regressara a Lisboa a seguir ao 25 de Abril e que tardou as ser nomeado;
Paralisação da Administração civil; (Maj. Soares Carneiro, Secretário Geral);
Desarticulação da economia com os receios por parte de administrações de empresas e da banca que receavam pelos seus investimentos;
As notícias que iam chegando de Portugal sobre a complexidade do processo que se desenrolava na metrópole;
Primeiras manifestações da comunidade branca de Luanda traduzindo receios (p. ex., multiplicavam-se as anedotas de índole racista);
Em resumo, o 25 de Abril tardava a chegar a Angola o que se esperava acontecesse com a chegada do futuro Governador Geral.
Mas, mais uma vez a solução encontrada desagradou ao MFA de Angola que não percebeu como foi possível enviar para Angola para o exercício das funções máximas de governação um antigo Governador Geral, do tempo do salazarismo, pessoa conhecida pelas suas posições integracionistas de manutenção da ligação daquele território a Portugal (Gen Silvino S. Marques que chega a Luanda a 11 de Junho 74). Esta decisão adicionada a outra atitude do Gen. Spínola que se traduziu no encontro Lages (Açores/Junho 74), onde se reuniu com o Presidente dos E.U. (Nixon) sem que nada transpirasse das conversações que mantiveram com uma única testemunha, a do Gen. Americano Vernon Walters que desempenhava as funções de Sub-Director da CIA e serviu de intérprete porque falava português, não permitia encarar com optimismo o processo de descolonização de Angola que ainda se não iniciara.
Não decorreu muito tempo sem que se verificasse o choque entre o novo Governador de Angola e o MFA que constituía uma estrutura militar que ele não aceitava de bom grado. Por outro lado, o MFA tinha a confiança do General Comandante Chefe que assumira funções após o 25 A. (Gen. Franco Pinheiro) e mantinha com ele as melhores relações de colaboração. Pouco tempo depois do novo Governador chegar o Comandante Chefe apresenta o seu pedido de demissão e regressa a Portugal por incompatibilidade com o Governador.
Perante o clima que se criou o MFA de Angola faz uma reunião alargada aos representantes do MFA das unidades, onde é aprovado um documento dirigido à JSN (Junta de Salvação Nacional) exigindo no prazo de setenta e duas horas a substituição do Governador por alguém que merecesse a confiança do MFA.
Contactado directamente o Gen. Costa Gomes decide que se deve aguardar sem precipitações. É o momento de contar as armas e elaborar a Ordem de Operações, tal como se fizera em Portugal para o 25 de Abril. O contacto seguinte com o Gen. Costa Gomes é para o informar de que iria receber de volta o Governador, caso Portugal não tomasse uma decisão. Isto é evitado com a chegada de uma Delegação enviada pela J.S.N. que manda regressar a Lisboa o Governador Com a partida do Gen. Silvino S. Marques, o poder é assumido por uma Junta Governativa presidida pelo Almirante Rosa Coutinho, membro da JSN.
Parece que estão reunidas as condições para se iniciar um processo linear de contactos com os movimentos de libertação, mas isso não acontece devido à posição da JSN que em Agosto «...definia unilateralmente um programa para a descolonização de Angola, definição em que não participavam representantes angolanos [3] », ao mesmo tempo que o Alm. Rosa Coutinho era chamado a Lisboa em princípios de Setembro pelo Gen. Spínola e era-lhe comunicada a decisão de que iria tomar em mãos a descolonização de Angola. Logo de seguida o Gen. Spínola tem uma reunião no Sal com Mobutu, da qual também nada transpirou, desconhecendo-se o que trataram (15Set.). A sua intervenção cessa oficialmente aqui, pois a 28 de Setembro demite-se do cargo de Presidente da República dando lugar à primeira grande cisão no seio do MFA, não sem convocar para Lisboa uma reunião de personalidades representativas de Angola, das quais não constava nenhum elemento dos Movimentos de Libertação.
CHEGAR À PAZ
Este era o grande objectivo, mas perante as atribulações que tiveram lugar relativamente à condução do processo de Angola, os Movimentos de Libertação mantinham-se na dúvida em relação às reais intenções de Portugal. Segundo Pezarat Correia, «As primeiras tomadas de posição públicas denunciavam um antagonismo inultrapassável. Portugal pretendia um cessar fogo para aceitar negociar. Os movimentos de libertação queriam negociar para aceitarem o cessar fogo. Foi nesta teia de equívocos que, no que a Angola respeita, tiveram lugar os primeiros contactos exploratórios» [4] .
A 14 Julho de 74 era assumido o compromisso entre a UNITA e a parte portuguesa de suspensão das hostilidades. Este facto permitiu à UNITA iniciar a sua actividade política, o que lhe trouxe vantagens no campo da angariação de simpatias, nomeadamente por parte dos cidadãos portugueses radicados em Angola. Os outros Movimentos criticaram severamente a UNITA por ter negociado com a parte portuguesa sem que estivesse reconhecido, de facto, o direito à independência.
O acordo com a FNLA só acontece em 15 de Outubro, após duas deslocações a Kinshasa para reuniões com Holden Roberto, precedidas sempre por contactos com Mobutu. Também houve contactos em Kinshasa com Daniel Chipenda que, «...proclamando-se representante do MPLA, estava de facto em processo de dissidência e de aproximação à FNLA [5] .
Em relação ao MPLA, desde finais de Julho que não se registava nenhum confronto militar. Contudo, existia a necessidade de clarificação interna sobre quem seria o interlocutor de Portugal, uma vez que rivalizavam as componentes lideradas pelo Dr. Agostinho Neto, a «revolta activa» (Pinto de Andrade) e a «revolta do leste» de Daniel Chipenda, clarificação que só é alcançada em Brazaville, em 3 de Setembro 74.
Em 21 de Outubro 74, na chana do Lunhamege (Moxico) realiza-se o acordo formal entre as delegações portuguesa e do MPLA (dr. Agostinho Neto).
Para se formalizarem os termos da independência e da transferência do poder para a parte Angolana, faltava ainda uma coisa muito importante que era o entendimento entre os três Movimentos, no mínimo uma posição consensual, pois não se podia continuar a negociar com três entidades distintas. «Em face da rotura e mesmo hostilidade entre os movimentos, várias tentativas de conciliação tinham sido já efectuadas» [6] . Já tinha havido encontros entre o MPLA e a FNLA em Kinshasa (8 Junho), novamente entre estes dois movimentos em Bukavu (28 Junho) e posteriormente em Lusaka com a presença da Unita, mas sem qualquer resultado.
Após a entrada para o segundo governo provisório do Major Melo Antunes (MFA) que centralizou a condução dos processos de descolonização iniciaram-se diversos contactos unilaterais para tentar desbloquear o impasse e obter o cessar fogo. Finalmente, a 28 Outubro de 1974 uma delegação presidida pelo Alm. Rosa Coutinho encontra-se em Cangumbe com Jonas Savimbi, o ministro Mário Soares encontra-se em Tunes com um representante da Unita e posteriormente em Kinshasa com Jonas Savimbi (Novembro), e a 20 Novembro, Melo Antunes encontra-se em Argel com o dr. Agostinho Neto.
Passa-se então a uma fase seguinte em que os movimentos acertam acordos bilaterais (FNLA/UNITA em Kinsahasa), (MPLA/UNITA no Luso) e (FNLA/MPLA em Mombaça) que possibilitam a cimeira de Mombaça (3-5 Janeiro 75) em que os três movimentos aprovaram uma plataforma comum para negociar com Portugal. É aqui que a UNITA é reconhecida pela OUA como Movimento de Libertação
«Mas todas estas diligências estavam longe de corresponder a um ambiente geral de apaziguamento ou de cooperação entre os movimentos. Decorriam confrontos enquanto estes abriam as suas sedes em Luanda e intensificavam a sua actividade política, subindo de tom as confrontações que, frequentemente, envolviam acções violentas, com especial relevo para a FNLA e o MPLA, que chegaram a travar sérios combates em plena cidade de Luanda» [7] .
Não admira pois que nesta situação complicada através da qual o processo de Descolonização avançava se tenha verificado uma tentativa por parte de uma minoria branca ainda presente em Angola de um golpe à rodesiana, abortada pelo MFA de Angola ainda antes de ser tentada. Esta manobra golpista era conduzida pelo eng. Pompílio da Cruz, líder da FRA (Frente de Resistência Angolana), que «tinha planeado uma série de acções mas o amadorismo da organização permitiu a sua fácil neutralização pelo MFA» [8] , em 23 Outubro de 1974.
Chega-se finalmente à Cimeira do Alvor que decorreu no Algarve entre os dias 10 e 15 de Janeiro de 1975, sendo o documento base das negociações constituído pela plataforma acordada pelos três Movimentos, em Mombaça. As negociações foram complexas e delicadas devido, «...mais às desconfianças entre a parte angolana do que devido a dificuldades da parte portuguesa» [9] .
O texto do Acordo começa por afirmar a FNLA, o MPLA e a Unita como os únicos e legítimos representantes do povo angolano e proclama o direito deste à independência, e que Angola constitui uma entidade una e indivisível nos seus limites geográficos e políticos actuais e que, neste contexto, Cabinda é parte integrante e inalienável do território angolano [10] . A data da independência ficou marcada para o dia 11 de Novembro de 1975, definindo como órgãos de poder para o período de transição um Alto-Comissário e um Governo de Transição presidido por um Colégio Presidencial. Também previa uma Comissão Nacional de Defesa para decisões no tocante à segurança militar.
Após o Acordo do Alvor
Em finais de Janeiro de 1975 toma posse perante o Alto Comissário Gen. Silva Cardoso o governo de Transição com pastas distribuídas pelos três movimentos e por Portugal, não fazendo Portugal parte do Colégio Presidencial (Lopo do Nascimento/Johny Eduardo Pinóqui/N’Dele). As reuniões do Governo de Transição tornam-se palco de permanentes agressões verbais, quando não de tentativas de agressão física. [11]
A situação interna não cessa de se deteriorar, chegando-se a uma situação de guerra aberta entre o MPLA e a FNLA que entra no limiar da guerra civil no interior da cidade de Luanda.
As forças militares mistas como embrião do exército nacional angolano previstas no Acordo do Alvor, não avançam dada a situação de confronto permanente entre os Movimentos apesar dos esforços da parte portuguesa.
A atitude de “neutralidade passiva” do Alto Comissário, pelo menos no que às atitudes inconvenientes da FNLA que violavam o Acordo de Alvor, o que provocava um confronto permanente entre o MFA de Angola e o Alto Comissário.
Proibição de entrada de forças militares em Luanda não respeitada pela FNLA e MPLA que continuam a introduzir na capital homens e armamento que serve para o confronto urbano.
Em finais de Abril o MFA de Angola elabora um estudo de situação que envia para o Conselho de Revolução que se tinha institucionalizado em Portugal depois do golpe do 11 de Março, no qual apresenta os principais problemas com que a descolonização de Angola se debate:
Governo de Transição paralisado;
Forças militares mistas não avançam [12] . Presume-se mesmo a presença de militares zairenses entre os elementos da FNLA, falando apenas o francês;
Constantes violações do Acordo do Alvor por parte dos movimentos;
Incapacidade anímica do Alto Comissário português para dominar a situação;
O MFA de Angola já então designado por CCPA [13] , propõe:
A “neutralidade activa” [14] por contraponto à “neutralidade passiva” do Alto Comissário;
A aliança MPLA/UNITA para se poder recuperar o essencial do Alvor, face à auto-marginalização da FNLA. Esta proposta não foi em frente porque o MPLA a recusou à partida;
A substituição do A. C. que se distanciava cada vez mais da CCPA;
O reforço do papel do MFA só possível com a sua institucionalização como acontecera em Portugal com o C. R.;
Estava bem delineada a confrontação para a conquista do poder. Os confrontos MPLA/FNLA agravavam-se em Luanda e alastraram a outros distritos.
De novo o MFA de Angola vem a Portugal em finais de Maio expor a gravidade da situação, sugerindo a necessidade de uma nova cimeira, para a qual o MPLA e a UNITA não se opunham totalmente. Este Movimento ocupava uma posição fortalecida em Nova Lisboa, endurecendo o seu discurso contra Portugal.
Os três movimentos encontram-se em Nakuru entre 16/21 de Junho, sem a presença de representante português, em princípio o Alto Comissário, em clara violação dos Acordos do Alvor. O comunicado final, «...omite, ostensivamente qualquer referência a Portugal, mas tinha aspectos positivos nomeadamente uma análise da situação que podia ser encarada, sem esforço, como uma séria autocrítica e que nos seus pontos fundamentais coincidia com os estudos que a CCPA vinha fazendo [15] .
Embora este Acordo de Nakuru declarasse que os três presidentes «...afirmam solenemente renunciar ao uso da força como meio de solucionar os problemas e honrar os compromissos resultantes do Acordo...» [16] , os resultados práticos foram nulos e caminhava-se para a guerra civil generalizada.
O MPLA lança a batalha de Luanda para expulsar a FNLA da capital, o que consegue. A FNLA, de acordo com Pezarat Correia, «tinha concentrado no Norte um forte exército, já com unidades do tipo convencional incluindo algumas forças do exército regular zairense, e inicia uma manobra para sul cujo objectivo é a ocupação de Luanda» [17] , ocupando nos finais de Julho os distritos do Zaire e do Uíge. A UNITA domina o planalto central expulsando as forças do MPLA e da FNLA dos distritos do Huambo e do Bié.
É a escalda da guerra civil com os movimentos a ocuparem partes do território, o que podia conduzir à balcanização de Angola. As forças militares portuguesas ainda espalhadas pelo território foram concentradas nas principais cidades para evitar serem envolvidas nos conflitos entre movimentos e em relação a Luanda é dada ordem de impedir qualquer tentativa de entrada da FNLA na capital. Ao pedido da parte portuguesa a Lisboa de reforço de meios, apenas é disponibilizada uma companhia de pára-quedistas (cerca de 120 homens).
Portugal vivia um processo complicado e era difícil, sobretudo os partidos políticos colocarem nas suas listas de prioridade o problema de Angola. Não dava votos. É o Presidente da República que assume o controlo mais directo do processo, para o que sentiu a necessidade de criar junto a si um Gabinete de Angola a fim de ter uma ligação mais directa com Luanda e ter disponível informação em tempo oportuno. Eu vim integrar esse Gabinete como elemento ligado ao processo desde o princípio e conhecedor da situação que se vivia em Angola (finais de Junho de 1975) onde, juntamente com o Cor. Passos Ramos que como elemento da Comissão Nacional de Descolonização estivera no Alvor, passámos a assessorar o P.R. no que à descolonização de Angola dizia respeito.
Em 30 de Julho o Alto Comissário, General Silva Cardoso, demite-se sendo substituído pelo Almirante Leonel Cardoso. Perante o não funcionamento dos órgãos previstos no Acordo do Alvor e a permanente violação do acordado, Portugal decide suspender parcialmente o Acordo de Alvor, o que levantou delicados problemas em termos de direito internacional, tendo sido incumbidos de estudar uma solução jurídica para o assunto a Professora Magalhães Colaço da Faculdade de Direito de Lisboa e o Dr. Miguel Galvão Teles. Entretanto no território, verifica-se a internacionalização do conflito: Zaire, África do Sul e Cuba intervêm em apoio aos diferentes movimentos
Em vésperas da independência estava iminente o ataque a Luanda em duas frentes. Mas o MPLA/Cubanos resistiram e a capital permaneceu em poder do MPLA graças à destruição da ponte sobre o rio Queve que deteve a coluna que se aproximava de sudeste e da coluna do FNLA, integrando mercenários portugueses, ter sido derrotada na batalha do Kifandongo. [18]
Em reunião da Comissão Nacional de Descolonização de dia 09 de Novembro é decidido o envio de uma Delegação a Luanda em representação de Portugal no momento da declaração de independência de Angola, chefiada pelo Almirante Victor Crespo e na qual eu me integrava. Por decisão do Governo foi travada a ida dessa delegação a Luanda, pelo que a independência da República Popular de Angola foi proclamada sem a presença de qualquer representante da antiga potência colonizadora, Portugal.
A 10 de Novembro, pelas dezoito horas, o Alto Comissário leu uma proclamação em nome da República Portuguesa, reconhecendo a independência do Estado Angolano e a entrega da soberania ao povo angolano a quem compete decidir das formas do exercício da soberania, após o que a última bandeira portuguesa símbolo da soberania portuguesa em África foi arriada e o Alto Comissário e comitiva embarcaram numa fragata da Marinha de Guerra Portuguesa [19] . Às zero horas de dia 11 de Novembro de 1975 estava fora das águas territoriais angolanas, navegando rumo a Portugal, enquanto o Dr. Agostinho Neto proclamava solenemente a República Popular de Angola, enquanto a FNLA e A UNITA proclamavam no Uíge e no Huambo a República Democrática de Angola, sem sucesso.
Foi a única ex-colónia onde se proclamou a independência sem a presença de representantes oficiais de Portugal. Lamento o que considero um grave erro histórico que teve consequências no relacionamento entre os dois países, vindo Portugal a ser o 83.º país a reconhecer, tardiamente, o país independente que nascera da sua antiga colónia.
[1] Total de mortos: 8.290, sendo 3.258 em Angola.
Total de deficientes: cerca de 30.000
[2] Correia, Pezarat: “Descolonização de Angola – A jóia da coroa do império português”, 1991, p.66
[3] idem, p.86
[4] Idem, p.96
[5] Idem, p.101
[6] Idem, p.104
[7] idem, p.105
[8] idem, p.107
[9] idem, p.125
[10] De acordo com a decisão da OUA, Bandung, 1965 (Nota do autor)
[11] Neste tocante, seria interessante tentar obter o depoimento do Dr. Vasco Vieira de Almeida, ministro da economia do Governo de Transição, uma das pastas ocupadas por um representante português (nota do autor).
[12] Melo Antunes considera na sua entrevista Maria Manuela Cruzeiro, «...que nunca deveríamos ter aceitado a marcação de uma data para a independência sem que estivesse preenchida a condição fundamental da formação de um exército único, esse foi para mim o maior erro e que, obviamente, depois arrastou muitos outros.» p.168
[13] Comissão de Coordenação do Programa (MFA) em Angola
[14] Neste ponto discordo da afirmação de Melo Antunes na sua entrevista a Maria Manuela Cruzeiro, p.174, pois a posição do MFA de Angola era a de considerar necessário atitudes firmes perante os Movimentos para manutenção do controlo do processo de descolonização, enquanto era tempo. A passividade e tibieza de atitudes que começaram no dia da tomada de posse do Governo de Transição perante o rapto do representante dos Catangueses em Luanda pela FNLA, apenas contribuiu para a escalada que se verificou por parte, sobretudo, da FNLA e do MPLA (nota do autor).
[15] Correia, P., p.141
[16] idem, p.142
[17] idem, p.143
[18] idem, p.167
[19] O Almirante Leonel Cardoso tentou entregar a última bandeira portuguesa a flutuar em Angola a uma entidade que a recebesse e preservasse como símbolo derradeiro de um ciclo histórico que terminara. Percorreu vários departamentos do Estado sem que nenhum aceitasse esse legado. A última vez que falei com ele sobre o assunto, informou-me que guardava a bandeira em sua casa pois ninguém a quisera receber. O Senhor Almirante faleceu há alguns anos. Desconheço o paradeiro daquele símbolo (nota do autor).