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3ª Hora
2h04m46s até 2h07m57s
E – Ao ouvir alguns dos principais relatos dos protagonistas da revolução de 25 de Abril, tem-se muita vezes a sensação que a capacidade de improvisação teve muitas vezes de se sobrepor à própria força das armas, e da própria organização. Quando saiu de Santarém, a comandar essa coluna militar, tinha um plano absolutamente rígido que tinha de ser cumprido ou contava com a sua capacidade de improvisação?
M – Bom, o português é caracterizado em todo o mundo pela sua capacidade de "desenrasca", como se diz na tropa. Naturalmente a condicionante de desenrascanço era relevante, mas quando se verifica que, em termos sociais, históricos..., estamos num impasse, e que é preciso suplantar o regime, quando se tem a noção, através da história, do que foram revoluções equivalentes, a situação complica-se.
A minha visão pessoal é de que tinha condições ímpares para dar a volta, de que a história é um rio que está a um passo da minha porta, e eu se dou um passo em frente caio no rio; portanto, tinha a noção de que o acto que iria realizar era o que ia evitar um novo Alcácer-Quibir ou que podia acabar com a guerra e possibilitar alguma capacidade de diálogo com os movimentos de libertação, e que podia instaurar a liberdade e democracia neste país.
O passo para ser considerado traidor à pátria e para aparecer numa praia qualquer com um tiro na cabeça era muito curto, por isso a dificuldade esteve em dar esse passo em frente, porque depois de estar dado não havia que recuar. A partir daí talvez tenha importância a minha maneira de ser, em que me sinto muito mais à vontade no meio de situações críticas e dá-me prazer a bagunça e a excitação. Naquele contexto eu estava-me realizando pelo prazer do risco, sem perder a noção das responsabilidades e da realidade. E a realidade era esta: não tinha tropa; não tinha armamento; e tinha a esperança que algumas outras unidades saíssem ao mesmo tempo. A realidade é que ia enfrentar o Governo, e se as coisas corressem mal, quem era o inimigo era eu, pois ia à frente.
Entrevistas a Salgueiro Maia - 2