Outro assalto

L. A. & Cª no meio da revolução

Cap 7 OUTRO ASSALTO 
 
 - Ora esta! - dizia a Ana muito espantada. 
 - Talvez tenha ido às compras! - dizia o Nuno. 
 - Às oito horas da noite? As lojas estão fechadas desde as sete! 
 - Talvez tenha ido a casa de um vizinho ... 
 - A minha tia não conhece aqui ninguém, o que ia ela fazer para casa de um vizinho? 
 - Ou então foi-se embora ... Tanto se chateou connosco que decidiu voltar para casa! 
 - Não me parece que a vossa tia fizesse uma coisa dessas sem avisar - disse a D. Isabel. - O mais natural é que tenha havido qualquer imprevisto que a fez sair de casa. 
 Mas, de repente, o Luís colou o ouvido à fechadura. Parecera-lhe ouvir uma espécie de gemido. 
  - Está alguém dentro de casa. E a gemer! 
 Fez-se um grande silêncio no patamar e puderam com efeito ouvir um barulho. Pareciam gritos muito abafados. Olharam uns para os outros. 
 - Vou já chamar a polícia e os bombeiros! - disse a mãe dos gémeos, muito aflita, procurando as chaves de casa dentro da carteira. 
 Mas o Nuno, sorrateiramente, sem a mãe se dar conta disso, tirou o jornal que ela trazia na mão e entrou em casa, logo atrás dela. Passaram dois minutos e ouviu-se, dentro da casa do Luís e da Ana, a sua vozinha aflautada: 
 - Já cá estou dentro! Abro-vos já a porta! 
 Os outros entreolharam-se, mudos de espanto. 
 - Avancei a varanda! Eu sabia que a porta da cozinha tem sempre a chave por dentro. Meti o jornal por baixo da porta, empurrei a chave com esta caneta - e mostrava uma esferográfica com a ponta toda roída. - Foi facílimo! A chave caiu em cima do jornal. Puxei-o para fora, abri a porta e ... aqui estou!  
 A mãe, entretanto, ouvira barulho e voltara para trás. Naquele momento parecia indecisa entre pregar-lhe um tabefe ou dar-lhe um grande e orgulhoso beijo. 
 Entraram todos. Os gemidos vinham da zona da cozinha. Ninguém! O Luís tentou abrir a dispensa. Era de lá que vinham os gemidos! A porta estava fechada à chave. Mas a chave não estava na porta! No meio da atrapalhação, acabaram por encontrá-la, caída, debaixo da mesa da cozinha!  
 Foram dar com a pobre tia Emília, sentada no chão a um canto da dispensa, amarrada de pés e mãos, e com a boca tapada por um adesivo. Estava roxa de tanto gemer e tinha marcas nos braços e nas pernas do esforço que fizera para se libertar das cordas que a atavam. Foi-lhe muito difícil pôr-se em pé depois de tantas horas de posição forçada. 
 "Aposto que os ladrões a amordaçaram porque não a aturaram", pensou o Filipe. "Imagino-a a barafustar: - Estão a desarrumar tudo! Não há direito de assaltar casas de gente honesta! Quando vier o Dr. Barroso, vai-lhes dizer!" e um sorriso irónico desenhou-se-lhe nos lábios. 
 Mas os sobrinhos, esquecidos das confusões da véspera, estavam cheios de pena dela. Ajudaram-na a deitar-se no sofá da sala e a Ana foi buscar uma pomadinha e esfregou-a, com muito cuidado, nos pulsos e nos tornozelos da Tia. O Luís, tinha ido buscar um cobertor para a aconchegar. A Tia Emília acabou por sorrir. 
 - E agora? - disse de repente muito aflita. - Não pude fazer o jantar! Não há  nada para vocês comerem! 
 Os miúdos olharam uns para os outros, espantados. Parecia impossível como é que uma pessoa que acabava de sair de um pesadelo daqueles, a primeira coisa de que se lembrava, depois de tudo ter passado, era que não tinha conseguido fazer o jantar! 
 - Não tem importância, Senhora Dona Emília - disse a mãe dos gémeos. - Eu vou arranjar qualquer coisa para comer e de certeza ... 
 - Meu Deus! Vão depressa ao escritório do vosso pai! - gritou de repente a tia, interrompendo a D. Isabel. - Acho que eram os papéis dele que eles queriam! Devem ter posto tudo em pantanas ... Pelo barulho que faziam! - e começou a soluçar, nervosíssima. 
 Correram todos para o escritório. A confusão era indescritível. Havia papéis espalhados por todo o lado. As gavetas, no chão, viradas do avesso até ao forro. Tinham despejado tudo o que poderia conter o mínimo papel. Um cofrezinho de embutidos que o Dr. Barroso tinha em cima da secretária, ao pé das fotografias dos filhos, tinha sido estroncado. Até as fotografias tinham sido separadas dos caixilhos.

 - Acham que eles encontraram o que queriam? - perguntou a Ana, quase a medo. 
 - Se não sabemos o que eles queriam! 
 - Agora só o Dr. Barroso pode saber ... - murmurava a D. Isabel, abanando a cabeça. 
Depois de passados os primeiros momentos, começavam a sentir-se muito desalentados. Quando acabaria tudo aquilo? Via-se pelo caos em que o quarto ficara que tinha sido uma busca muito precipitada e desordenada. 
 - Com toda a certeza que estiveram lá fora à espera que nós saíssemos - disse a mãe dos gémeos. - E a seguir subiram ... grandes patifes! 
 A tia Emília, a coxear, tinha-se levantado do sofá e, do limiar da porta, assistia à cena, fungando, com um enorme lenço amarfanhado encostado ao nariz. 
 - Foi isso mesmo! Mal vocês saíram, tocaram à porta dois homens. Eu vi-os pelo óculo e pareceram-me os dois polícias que cá vieram ontem ... 
 - Saiu-lhes a sorte grande ao serem confundidos com os polícias! 
 - Sim, deviam vir preparados para forçar a fechadura! 
 - Abri a porta  - continuou a tia Emília - e nem tive tempo para dizer nada. Agarraram-me e taparam-me a boca com um pano húmido. Devia ter qualquer coisa que me fez  desmaiar ... Quando recuperei os sentidos, estava amarrada de pés e mãos, dentro da arrecadação. Não tinha a noção das horas, claro, porque não sabia o tempo que tinha ficado inconsciente ... Mas ainda cá estavam quando acordei, disso tenho eu a certeza. Ouvia-os a falar, mas não percebia nada do que diziam ... 
 - Mas o que é que eles querem mais? Não roubaram já tudo o que queriam? 
 - Pelos vistos parece que não ... 
 - Isso só o teu pai pode dizer! Ele é que sabe o que tinha dentro da pasta! 
 - Grandes patifes! 
 - O melhor é ligar já para a polícia! 
 - Claro, claro! 
 Mas a tia Emília não se calava: 
 - Depois, sempre que ouvia passos nas escadas, eu berrava o mais que podia, mas era muito difícil ouvirem-me com a boca assim tapada ... Até que, graças a Deus, vocês chegaram e eu fiz um esforço desesperado para me fazer ouvir ... escutava as vossas vozes, mas vocês não ouviam os meus gritos ... 
 - Deixe lá tia Emília, já passou ... 
 - Agora vamos mas é ligar para a polícia! Não pense mais nisso! 
 - Não me perdoo por lhes ter aberto assim a porta ... Devia ter olhado com mais cuidado ... - Continuava a pobre senhora, muito chorosa. 
 - Já passou, senhora dona Emília, já passou ... - repetia a D. Isabel, enquanto, ao telefone, aguardava o contacto com a esquadra da zona. 
 - E os polícias que cá estiveram? Eles deixaram aí o telefone deles para o caso de nos lembrarmos de mais alguma coisa! - lembrou-se de repente o Luís. 
 - É verdade, vamos telefonar-lhes também - respondeu a Ana, olhando de soslaio para a tia Emília. 
 - Isso, isso, telefonem já - disse a senhora, para espanto de todos, menos da mãe dos gémeos, que não estava nada a par das confusões da véspera.

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