Guerra Colonial - Armamento dos Portugueses

Aspectos Militares

Armamento dos Portugueses

Dos Portugueses

  O armamento e equipamento do Exército português no início da década de 60 decorria de três períodos distintos: 
- material adquirido no final da década de 30, perante a situação criada pela Guerra Civil espanhola e pelo início da Segunda Guerra Mundial e essencialmente de origem alemã (espingardas Mauser, metralhadoras ligeiras Dreyse e Borsig, obuses de 10,5 cm) e italiana (metralhadoras Breda, obuses de 7,5 cm). Os calibres eram os dos países de Eixo, nomeadamente o 7,92 mm (ou 7,9) das armas ligeiras; 
- material recebido durante a II Guerra Mundial, sobretudo de contrapartidas da utilização dos Açores. Era principalmente pesado (obuses de 8,8 cm e 14 cm, peças de 11,4 cm, peças AA de 4 e 9,4 cm). Os calibres eram essencialmente ingleses; 
- material recebido após a entrada na NATO e destinado essencialmente à 3ªDivisão (canhões sem recuo de 57 mm, 75 mm e 106 mm, metralhadoras de 12,7 mm, morteiros de 60 mm, 81 mm e 107 mm, viaturas blindadas e carros de combate). 

  Os calibres eram os americanos, depois adoptados pela NATO, mas este material tinha restrições de emprego, pois não poderia ser utilizado fora da área da Organização (até ao trópico de Câncer). 
  A tendência para a uniformização dos calibres (7,62 mm para as armas ligeiras, 10,5 cm e 15,5 cm para os obuses), bem como a necessidade de dotar as tropas com uma espingarda automática ou semi-automática que substituísse a “venerada” Mauser de repetição, tinha levado a estudar a hipótese da adopção (inclusive o fabrico nacional) de nova arma, tendo sido considerada, entre outras, a AR-10 Armalite (que viria a ser adoptada pelas tropas pára-quedistas). No entanto, em 1960 ainda não tinha sido tomada qualquer decisão sobre o assunto.

Entretanto, razões de estandardização e de interoperacionalidade, aliadas à existência de algum material obsoleto, levaram ao envio para as colónias das armas mais antiquadas. Foram exemplo as espingardas e metralhadoras de calibre de 7,7 mm e os obuses de 7,5 e de 8,8 cm, para os quais havia dificuldade na obtenção de munições. Pode considerar-se como operação tipo cascading, em que o material mais antigo e de complicado emprego foi remetido paras as áreas onde a ameaça então considerada parecia ao alcance desses meios, obsoletos para o teatro europeu.

 Espingardas: O desencadear das hostilidades revelou, logo de início, em qualquer dos três teatros, a falta de uma arma automática de base: em Angola, os ataques em massa não podiam ser eficazmente contrariados com espingardas de repetição; na Guiné e em Moçambique, os guerrilheiros dispuseram, desde o princípio, de armas automáticas que lhes davam nítida vantagem sobre algumas das tropas portuguesas (caso das unidades de guarnição normal).

  Assim, a prioridade, em 1961, foi a obtenção imediata de armas automáticas, mas tendo em atenção a necessidade de garantir o fluxo de abastecimento de munições e sobressalentes, o que só poderia ser plenamente conseguido através do fabrico nacional. Duas armas pareciam corresponder aos desideratos operacionais então formulados: a FN, de origem belga, e a G-3, de origem alemã. Quanto às munições, não havia problema, porquanto o cartucho de 7,62 mm era já fabricado em Portugal e exportado em larga escala, sobretudo para a RFA. 

Foram assim adquiridas (com dificuldades, como veremos), dois lotes destas duas armas: 
- FN: 3835 sem bipé (s/b) e 970 com bipé (c/b); 
- G-3: 2400 sem bipé (s/b) e 425 com bipé (c/b). 
  Estas armas foram testadas em operações, “a quente”, tendo-se concluído, de modo genérico, que as FN eram de mais fácil transporte, mas o sistema de regulação de gases levantava problemas com pessoal pouco instruído; quanto às G-3, tinham mais precisão, mas o sistema de travamento de roletes revelava tendência para quebrar. No entanto, ambas foram consideradas como satisfazendo os requisitos operacionais.

 Na época, qualquer fornecimento de material militar a Portugal era extremamente melindroso, não sendo de admirar as dificuldades encontradas. 

  No tocante ao fabrico, a decisão tenderia naturalmente para a opção alemã, mais que não fosse pelo grande volume de transacções já existente entre a RFA e Portugal (dezenas de milhões de cartuchos 7,62 e centenas de milhares de granadas de artilharia eram fabricadas nas FBP e FNMAL e vendidas à Alemanha). O fabrico nacional ficou decidido ainda em 1961, saindo as primeiras armas 15 meses depois (fins de 1962), para o que foi determinante a transferência de tecnologia e a assistência à produção, que permitiram, a partir de 1962, o fabrico de canos e carregadores. 

  Para acorrer às necessidades imediatas, a RFA prontificou-se a ceder, dos seus stocks, 15 000 espingardas FN usadas, sem restrições de emprego, que deveriam ser devolvidas depois de beneficiadas e à medida que fossem fabricadas as G-3. De facto, foram recebidas 14 867 FN por esta via, mas quanto à devolução, parece não ter havido pressa, porquanto, em 1965, havia já cerca de 140 000 G-3 de fabrico nacional e estas FN continuavam em Portugal. 
  Ainda quanto às espingardas FN, foram também adquiridas directamente à fábrica, ou através de outros utilizadores (África do Sul). Mais concretamente, dado o carácter de urgência, houve um lote de armas cedido por este país dos seus próprios stocks, posteriormente repostos pela fábrica belga. No total seriam fornecidas cerca de 12 500 destas armas.

  Antes da adopção da G-3, a distribuição prevista de armas automáticas era a de FN para Moçambique e de G-3 para Angola, mas problemas políticos levaram a que, em certo período, a G-3 fosse mantida “fora de vistas” nesta última. O total de armas adquiridas, antes do fabrico nacional, foi de 8000 G-3, 12 500 FN belgas e de 14 500 FN alemãs, repartidas pela metrópole, Guiné, Angola, Moçambique e Timor. 
  A produção julgada necessária em Junho de 1961 era de 105 000 armas, sendo 75 000 para a metrópole e 30 000 para o ultramar. O conceito inicial era de manter na metrópole o número de armas destinadas à instrução e ter em depósito as necessárias para equipar as unidades mobilizadas, mas o futuro se encarregaria de inverter esta distribuição. É curioso notar que só por despacho de 18/9/65 do CEMGFA a  G-3 foi considerada “arma regulamentar”.

  Metralhadoras: As metralhadoras existentes, em 1960, eram a Dreyse, nas secções de atiradores, as Borsig e Madsen (com tripé), nos pelotões de apoio das companhias, a Breda (com tripé), nos pelotões de metralhadoras dos batalhões, todas de 7,9 mm e a Browning de 12,7 mm, como arma antiaérea e antimaterial. Mesmo as mais ligeiras destas armas tinham o inconveniente do peso (mais de 11 kg para a Dreyse) e a adop-ção do calibre 7,62 mm complicou a logística, dada a necessidade de duas munições diferentes nas unidades elementares.
  A primeira solução encontrada foi a utilização das versões com bipé das espingardas automáticas (e na FN com cano reforçado) como metralhadoras ligeiras. Assim, as primeiras aquisições de FN e de G-3 incluíam modelos com bipé em proporções que variavam entre 1:6 e 1:4, mas estas armas não garantiam nem o volume nem a conti-nuidade do fogo, pois não tinham alimentação por fita nem canos de reserva.

 

 

 

  Os lança-granadas-foguete (vulgo bazuca), de que existiam modelos de 6 cm e de 8,9 cm, foram extensivamente empregues, mau-grado só disporem de munições anticarros (Heat), consequentemente de pouca eficácia antipessoal, o que era compensado pelo forte efeito neutralizante da sua potente granada. Aliás, dado o grande número de lança-granadas RPG-2 e RPG-7 dos adversários, impunha-se uma resposta equivalente. 
  A falta do lança-granadas-foguete antipessoal foi colmatada também com algum engenho, desta vez através do sistema de lançamento ao ombro de um foguete originalmente concebido para tiro ar-solo: o rocket de 37 mm. Desenvolvida em Angola, esta arma foi muito utilizada também na Guiné e, mais leve que a bazuca, de munições mais baratas e fáceis de obter, teve largo emprego. 
  Canhões sem recuo: Os canhões sem recuo (CSR) não foram praticamente utilizados pelas tropas portuguesas, ao contrário dos movimentos de libertação, que usaram extensivamente os CSR de 82 mm, sobretudo nos ataques a aquartelamentos. No entanto, chegaram a ser constituídos pelotões de CSR 57 mm para a Guiné, armas adquiridas antes da entrada de Portugal para a NATO, não tendo, portanto, restrições de emprego.
  Morteiros: O emprego eficaz dos morteiros (como da artilharia) pressupõe bom suporte cartográfico e a observação do tiro. Durante todo o tempo da guerra, nenhum destes desideratos foi plenamente atingido, pelo que o apoio próximo das tropas não foi eficientemente conseguido. Assim, os morteiros de maiores calibres (81 mm e, mais tarde, 120 mm) foram essencialmente empregues em flagelações e reacções aos ataques a aquartelamentos. 
  Pelo contrário, os morteiros de 60 mm seriam largamente utilizados, sobretudo no apoio imediato das tropas, colmatando assim a falta já assinalada de um lança-granadas eficaz. Os morteiros eram transportados pelos grupos de combate, sem tripé nem prato-base, baseando-se a pontaria na experiência do apontador. 

  Posteriormente foi desenvolvido o morteirete de 60 mm, constituído apenas pelo tubo normal com bandoleira, na qual estavam fixadas chapas com números correspondendo aos alcances; bastava ao apontador fixar com o pé a distância pretendida e esticar a bandoleira para obter, com aproximação razoável, o tiro sobre o objectivo. 
  Artilharia: A artilharia existente em África era, de início, composta pelos materiais mais antiquados e de menor calibre, de difícil integração em forças da NATO, sendo já problemática a obtenção de munições. A solução foi o aproveitamento desses materiais até ao esgotamento dessas munições e depois a sua substituição. Assim, os primeiros obuses 10,5 cm m/941/62 seriam testados operacionalmente em Angola, em 1968. Na Guiné, a situação em 1966 era a utilização dos obuses 8,8 cm por pequenas unidades (nove pelotões a duas bocas de fogo cada), mas a partir de 1968 passaram a existir meios mais modernos e mais potentes: 
- 19 obuses de 10,5 cm, correspondendo a três baterias; 
- Seis obuses de 14 cm, correspondendo a uma bateria; 
- Seis peças de 11,4 cm, correspondendo a uma bateria. 
  Estes últimos materiais, dado o seu alcance, já permitiam o apoio a vários aquartelamentos a partir de uma posição central, mas a falta de meios de aquisição de objectivos impedia uma contrabateria eficaz. As dificuldades apontadas para os morteiros eram semelhantes às da artilharia, se bem que na Guiné, dada a sua menor extensão e a quadrícula mais apertada das unidades, os problemas fossem menores.

  Não houve, na artilharia, especificidades nacionais no tocante ao material (exceptuando a transformação dos obuses de 10,5 cm alemães para as munições da NATO, mas que data dos anos 50). Já quanto ao emprego, a falta de meios levou à utilização pouco convencional desta arma, tendo as baterias, normalmente de seis bocas de fogo, sido divididas em pelotões de duas dispersos por vários aquartelamentos, o que não permitia que as baterias actuassem como tal. Apenas em grandes operações foi a artilharia empregue dessa forma. 
  Embora não chegasse a ter sido usada em operações, deve ainda ser referida a artilharia antiaérea, de que foram mobilizadas algumas unidades, essencialmente pelotões AA dotados de peças de 4 cm, destinadas a proteger pontos críticos, como aeroportos, onde se julgava credível a ameaça aérea. De salientar a aquisição, já nos anos 70, de uma bateria AA de mísseis Crotale, franceses, originalmente prevista para a defesa do aeroporto de Bissau, dada a presença de aviões MIG-17 na vizinha Guiné-Conacri, mas o 25 de Abril tornou desnecessário o seu envio.

 

  Cavalaria: Nunca foi encarada a utilização de carros de combate (vulgo tanques) no teatro africano, já por inadequação, já porque, sendo material NATO, tinha restrições de emprego. Pelo contrário, as unidades de reconhecimento foram consideradas adequadas às condições locais, mesmo antes do eclodir das guerras. A unidade-tipo era o esquadrão de reconhecimento (ERec), de escalão companhia. 
  Eram utilizadas auto-metralhadoras (blindados ligeiros de rodas) que podiam ser consideradas obsoletas, à excepção das Panhard, mas mesmo estas, sendo dos modelos EBR e ETT, revelam-se mais apropriadas ao cenário convencional e foram retiradas do teatro, regressando à metrópole. O interessante é que estas viaturas, já consideradas antiquadas no início da guerra, fizeram, no mínimo, toda a década de 60, em condições especialmente desgastantes! 
  A necessidade de material moderno que respondesse Às missões operacionais previstas (essencialmente abertura de itinerários  e escolta a colunas) levou à procura de auto-metralhadoras adequadas, com os problemas já referidos para a obtenção de material de guerra. A escolha recaiu na Panhard AML, armada com morteiro de 60 mm, de origem francesa e produzida sob licença na África do Sul, que foi a escolha acertada dentro dos condicionamentos da época.