Guerra Colonial - Testemunhos

Guerra Colonial

Testemunhos

In G.A., van Uden, pág.567

Primero Testemunho
        “Quando a minha vida tomou rumo ao continente africano ...“.

  Tudo começou quando eu trabalhava na construção civil ..., nessa altura morava eu numa das cidades, para mim, mais lindas do norte, Vila Real. Esta era abraçada pela, também não menos bonita, Serra do Marão.  
  Tinha eu 19, quase a fazer 20 anos, quando recebo em casa um postal das forças armadas que dizia "... terá de dirigir ao (x) posto de recrutamento da região do norte para ficar sujeito às provas de selecção". Essas provas como hoje, visavam seleccionar os elementos para desempenhar o seu papel como cidadão, provas essas que incluíam uma consulta médica, e alguns exames psicotécnicos - onde a destreza e capacidade individual de responder ás questões era alvo de avaliação. Também a permanência e a representação de cada Força Armada Portuguesa: Marinha, Força Aérea, e Exército, no local visavam “conhecer e persuadir ” cada indivíduo que ali nas provas de selecção se encontrava, pois sempre houvera uma certa competição saudável entre estas três principais forças militares portuguesas. 
  Após o resultado dos exames de avaliação ou selecção se assim se pode dizer, fui, assim como muito dos presentes,  aprovado para ir cumprir o serviço militar que mais tarde começaria um dia a ser divulgado pelas altas patentes dos serviços responsáveis, por tal modo de selecção. 
  Agora com 20 anos fui então cumprir o serviço militar, que iria durar 4 anos. 
  Ingressei então nas Forças Armadas Portuguesas, na Marinha, como fuzileiro especial . 
  Durante dois dos quatro anos de intenso trabalho e aprendizagem passámos uns bocados menos bons, estou a recordar uma situação onde as palavras “... safem-se como puderem “fazia parte do quotidiano assim como da nossa preparação, quer física, quer psicológica ... . Encontrava-me a fazer um percurso de cerca 20 a 25 kms quase diários com uns companheiros meus, quando a ordem surgiu, de um dos dois sargentos que nos acompanhava, "soldados, vocês vão ter uma saída à noite e terão de percorrer de qualquer forma este percurso" entre a Serra de Monsanto, de onde partiríamos à noite e o quartel (chegada).  
  Se bem me lembro estava muito frio e nós estávamos vestidos de t-shirt e calções, pode imaginar o quanto devemos ter sofrido; também sem qualquer bússola para ajudar-nos na orientação até ao quartel, o que só dificultava as coisas. No entanto, como só possuíamos um mapa lá fomos pondo em prática o lema "safem-se como puder". O regresso foi cansativo, molhado e frio mas serviu para nos habituar a situações futuras da mesma ordem. 
  O regresso a casa era quase sempre à sexta ou ao sábado, mas o pouco tempo que tínhamos para ir a casa não deixava fazer muita coisa: ou acabava por dormir mais umas horas e punha o sono em dia, ou vingava a minha fome nos enchidos que os meus pais faziam para a minha família, sim porque eu tinha mais duas irmãs. 
  Quando recebi a informação de que tinha de combater em África, encontrava-me ainda a cumprir o serviço militar em Portugal no corpo de Fuzileiros. Foi no quartel que os nomes dos soldados foram afixados num placar que estava na messe onde eu e os outros meus colegas almoçámos durante quase dois anos, quero fazer uma observação - na marinha nunca passei fome ao contrário dos meus outros colegas da região de Vila Real que pertenciam às outras F.A ., de igual modo não havia distinção, se assim posso dizer, na qualidade e quantidade, assim como na confecção, da comida para nós soldados e alguns oficiais.  
  Então o meu nome estava entre muitos outros daquele regimento , não me lembro do que senti naquela altura onde o placar tinha um n.º de listas de nomes consideráveis. Tinha pois sido colocado numa zona em África - Moçambique - num aquartelamento no lago Niassa por um período de tempo que, à priori, seria de 36 meses,  e numa zona considerada de risco máximo/alto risco, onde a minha vida se iria alterar significativamente e onde eu me iria transformar inconscientemente numa pessoa com alguns problemas de foro emocional e nervoso, o chamado hoje de “stress de guerra“. 
  A partida para Moçambique foi em 14-12-1973, quando embarquei num avião das Forças Armadas Portuguesas, o 707,  no aeroporto de Lisboa  o aeroporto da Portela). Tinha saído de casa sem dizer nada aos meus pais, como de costume (estes julgavam que ia para o quartel e só souberam que eu estava em Moçambique quando lhes escrevi passado alguns dias).Foram 12 horas de viagem até África, tendo o avião feito escala em Luanda num local chamado Beira (onde saí). Pernoitamos aqui no aquartelamento dos Pára-Quedistas, e no dia seguinte fomos da região onde nos encontramos (Beira) para Nacala na fragata “João Belo”.  
  Chegado a Nacala fui para norte de Moçambique de comboio até Vila Cabral; daqui fui de “Berlier” para o futuro quartel onde iria passar o meu tempo de fuzileiro, e onde estaria por um tempo ainda indeterminado, pois podia ir de 14, 24 ou 36 meses no mato. 
  Quando fiz a minha primeira patrulha embarquei numa lancha rápida armada com uma arma antiaérea, e vinham mais alguns companheiros de armas. A patrulha era constituída por uma equipa mista pois existia no mesmo pelotão indivíduos da marinha, força aérea, e exército.