Coleções - Legislação - Spínola dá posse ao Conselho de Estado (31/5/74)

SPÍNOLA DÁ POSSE AO CONSELHO DE ESTADO

(31/5/74)

Acabam VV. Ex.as de ser empossados nas funções de Conselheiros de Estado, completando-se com este acto a estrutura política que presidirá ao País até à definição da nova lei fundamental.
Compõem o Conselho de Estado os membros da Junta de Salvação Nacional, alguns elementos preponderantes do Movimento das Forças Armadas e sete cidadãos de alta capacidade crítica e reconhecido esclarecimento. Não se me afigura necessário referir aqui as responsabilidades que sobre VV. Ex.as impendem, pois a sua dimensão encontra-se claramente expressa no diploma constitucional que delimita as funções deste órgão. Bastará apenas sublinhar que o âmbito das tarefas a que serão solicitados se situa no mais alto nível entre os mandatários da Nação, tendo-lhes sido atribuída competência que situa o Conselho de Estado na cúpula do presente quadro institucional.
Cumpre-nos, essencialmente, reconstruir uma Nação devolvida a si própria, o que exige uma total mobilização de capacidades e, acima de tudo, a mais constante e absoluta coerência com os princípios e objectivos do regime democrático que nos propusemos instituir.
Temos de reconhecer que uma Nação governada há meio século à margem da participação efectiva do povo constitui presa fácil de oportunismos políticos, sempre atentos a qualquer clivagem por onde possam infiltrar-se. E nunca será de mais denunciar quanto essas manobras são contrárias ao interesse geral, pois apenas visam através do caos obter o mando. Jamais interessou aos oportunistas o bem-estar dos povos; sempre se aliaram a quem pudesse facilitar-lhes o acesso ao poder mediante uma simples mudança de mão, aproveitando em seu benefício exclusivo todo o enfraquecimento da autoridade.
Tal risco agudiza-se entre nós pelas possibilidades da contra-revolução se infiltrar nos mais bem intencionados movimentos, desvirtuando-os e levando-os a exceder os limites do razoável e do possível, a promover a desordem cívica e por essa via operar o regresso ao passado que firmemente desejamos banir.
Não cabem nos sãos princípios democráticos imposições de vontade que não resultem de lei expressa, nem é democrática a intimidação de minorias nem a vida das sociedades à margem das leis. É neste contexto que se revela imperioso o reconhecimento de um poder moderador, que sendo de todos não se enfeude a ninguém e cujo papel é o de assegurar a protecção dos mais fracos contra a violação das suas consciências. É esse o poder que vos compete assumir. Teremos pois de empenhar-nos, por todos os meios, em ajudar os Portugueses a tomar imediata consciência de que a liberdade é, acima de tudo, o primado da lei em cuja feitura todos participam, jamais sendo possível na ausência da lei, e muito menos ainda quando entendida como a faculdade de cada um ditar a sua própria lei.
Para tanto, haverá que institucionalizar os partidos políticos como formas de expressão decorrentes do pensamento e da vontade da Nação. Mas seria bom que os partidos políticos fossem concebidos mais como associações de opinião do que como organizações enquadrantes de cidadãos espartilhados por políticas partidárias demasiado rígidas. E se as concepções totalitárias do Estado assentam sempre em partidos únicos, rigidamente estruturados, não fará sentido que os Portugueses celebrem a sua libertação sem atentar no risco de enfeudamentos menos reflectidos, acabando, nessa eventualidade, por aderir a organizações em tudo similares às que estiveram na origem de um regime cujo regresso nos negamos terminantemente a aceitar.
É tempo de cada português saber distinguir entre programas políticos autênticos e amontoados de bem orquestrados «slogans» demagógicos. Queremos, de facto, um País novo, cujos cidadãos se orgulhem de pertencer a uma sociedade aberta, constituída por seres pensantes, livres, capazes de debater em diálogo os problemas da sua comunidade, desde a família até ao conjunto da Nação.
Mas para que tal debate não redunde em factor de desagregação, impõe-se combater eficazmente todo o desvio da linha dos superiores interesses do País, neste caso traduzida na implantação de um regime democrático. De outra forma, estaríamos traindo as Forças Armadas e o próprio Povo, denegando à partida toda a possibilidade de construir o País que queremos ser.
Não creio, senhores conselheiros, que na presente conjuntura possa ser outro o quadro conceitual em que teremos de nos inserir. E porque do actual esquema político do País se irá passar para o regime que o Povo dentro de um ano referendar, a constituição do Conselho de Estado marca um patamar no processo de entrega de responsabilidades às instituições a quem foi dada a incumbência de preparar a reconversão nacional.
Termina, assim, a fase do pronunciamento militar com o retorno ao clima de legítima institucionalidade que a Moral e o Direito impõem. E bem podem as Forças Armadas, ao completar a tarefa a que se comprometeram, sentir-se orgulhosas de haverem cumprido o seu dever. Dever que lhes impõe aturada vigilância e absoluta isenção, no respeito pelos princípios consagrados da ética militar, à luz dos quais lhes compete defender o País e o bem-estar dos seus cidadãos, sem, todavia, deter em seu nome o Poder senão pelo prazo indispensável à consolidação da ordem civil.
Nunca será de mais afirmar a dívida que gratidão da Pátria para com esses bravos obreiros do Movimento de 25 de Abril. B no momento «m que a sua tarefa se conclui, cumpre-me expressar o apreço da Nação por quantos souberam situar acima de pressões e conformismos os superiores interesses da grei.
Eis, senhores conselheiros, o enquadramento geral da alta missão que sem desfalecimentos nos compete cumprir, proporcionando ao País o desenvolvimento de um processo democrático, pautado no respeito pela vontade soberana do povo português.
Resta-me formular os mais sinceros votos pelo êxito da tarefa a que metemos ombros, e que se completará quando, dentro de um ano, pudermos passar de consciência tranquila o testemunho que o Movimento das Forças Armadas nos transmitiu.