VASCO GONÇALVES NA ACADEMIA MILITAR
(28/11/74)
Eu desejo pedir licença, antes de mais, para afirmar, sem ambiguidade, que o 25 de Abril não teve em mim o seu principal obreiro. Foi produto de uma obra colectiva, na qual colaboraram vários camaradas que aqui estão presentes, do modo mais brilhante que se pode imaginar, para quem preza acima de tudo as virtudes militares, a ética militar, o amor da sua Pátria, que é o amor do seu povo. Eu não posso deixar de dizer que estou profundamente comovido ao vir aqui, a esta escola, onde entrei em 1942, e onde, hoje, posso falar livremente, aqui neste local.
Como éramos nós educados entre 42 e 46? Num regime de opressão fascista. A regra era essa, era o traço dominante, não obstante haver aqui oficiais que assim não procediam. Podem-se contar pelos dedos aqueles que eram para nós exemplo de virtudes militares, porque os militares, como vós sabeis, e em particular os jovens, gostam de ver brilhantes exemplos de virtudes militares à sua frente. Mas nós não tínhamos, infelizmente, esses exemplos, salvo raras excepções; uma delas, a quem me vou referir, e por já ter morrido, era o tenente Costa Gomes, que foi uma vez corrido daqui, da escola, por ter sabido assumir as suas responsabilidades, as responsabilidades de um compromisso que tinha tomado em relação aos cadetes.
Como éramos nós aqui educados? Num espírito elitista. Havia até quem cultivasse a antinomia paisanos-militares, escamoteando a verdadeira situação histórica, porque, afinal, o Exército a que nós pertencemos estava servindo grupos restritos, minorias de paisanos que tinham, entre nós, posições privilegiadas, que lhes permitiam viver e explorar o País de uma maneira quase - pode mesmo dizer-se - desregrada.
Os jovens entravam para aqui cheios de ideais. Eram consciências puras, grande parte deles. Essas consciências eram violadas pela educação que aqui era ministrada. Aqui, nesta parada do corpo de alunos, o exemplo que se nos dava era o do Exército nazi, era o do exército alemão. Dizia-se-nos assim: «os exércitos são os espelhos das nações e o Exército prussiano é o espelho da nação alterna. É esse o espelho que deveis seguir». Era isso com que nos educavam, era isso que nos diziam aqui nesta escola.
Os jovens, portanto, digo eu, que eram praticamente virgens do ponto de vista ideológico, do ponto de vista político, do ponto de vista dos conhecimentos humanos, das Humanidades - pouco mais sabiam do que aquilo que tinham aprendido no liceu e mal -, eram aqui violados nas suas consciência. Dava-se-lhes aqui uma educação grandiloquente. Falava-se-lhes em altos valores da Pátria, da disciplina, mas invertia-se completamente o seu conteúdo. Esses homens, grande parte deles, mais tarde verificaram que tinham sido aqui enganados, na Escola do Exército. Era cultivado aqui o obscurantismo.
As pessoas que se interessavam mais pelos problemas do seu tempo eram quase consideradas subversivas. Ter a "Seara Nova" na Sala de Alunos era quase um acto de coragem. Eu, por exemplo, fui uma vez agredido por um professor que me viu a ler a "República".
Não havia, portanto, aquele verdadeiro exemplo que faz a grandeza de uma escola militar. Mas, felizmente, alguns sobreviveram a esses exemplos que aqui receberam. Havia, de facto, raras excepções de militares, cujo exemplo devíamos seguir. E eu tenho a alegria de ver aqui entre nós alguns desses que eu respeitava profundamente. Permitam-me que não diga os seus nomes, a sua modéstia decerto seria afectada e não quero também melindrar outros camaradas, com um erro ou omissão.
Era, portanto, uma educação desse tipo, obscurantista e fascista, que formava as nossas consciências, e não foram muitos aqueles que sobreviveram, do ponto de vista ideológico, a essa educação que receberam, reflectir em toda a gama de compromissos e subserviências que caracterizam a nossa vida militar até ao dia 25 de Abril. Basta dizer-se que, no meu tempo, um homem para se casar tinha de apresentar um atestado tem como o seu sogro lhe garantia uma pensão de trezentos escudos por mês...
Hoje, a Escola do Exército tem como patrono Norton de Matos. Onde é que isto era possível há meia dúzia de anos? No meu tempo, ou um pouco mais além, em 19é8, Norton de Matos era acusado de agente subversivo dia sociedade portuguesa. Por isso, é natural que os homens do meu tempo tenham dificuldades em compreender os processos que hoje se desenvolvem. Estes processos a uns fazem muita confusão; outros são incapazes de os compreender, porque não evoluíram em contacto com a vida quotidiana. Contudo, as condições foram-se modificando. O processo inexorável dos povos obrigou, até, a modificar os métodos de ensino, aqui, na Escola do Exército. E, mais tarde, as guerras coloniais colocaram os oficiais perante a realidade prática da vida militar. E aí muitos deles viram ruir tudo o que de grandiloquente lhes tinham aqui ensinado; e no contacto quotidiano com essa vida foram esclarecendo os seus espíritos, forjando nas suas almas e nos seus corações - como eram homens que sentiam profundamente a sua Pátria -, podemos dizer, com orgulho, que esta Escola do Exército, a Academia Militar, teve um papel muito importante na gestação do 25 de Abril. Estão aqui vários oficiais que desempenharam um papel fundamental no processo do Movimento dos Capitães. Esse processo é exemplar, pela maneira como as consciências se foram esclarecendo sobre as relações do mundo que nos rodeia. Partindo, essencialmente, do problema militar, os militares, que, de maneira nenhuma, tinham ideias subversivas, foram, a pouco e pouco, verificando que os problemas eram fundamentalmente políticos. Essa famosa educação apolítica que nos davam não passava de uma farsa e de uma mentira ao serviço de interesses inconfessáveis. E quando esses briosos oficiais se compenetraram que os problemas militares estavam indissoluvelmente ligados aos problemas económicos, políticos e sociais, eles verificaram que não tinham outro caminho a seguir senão o de fazer uma revolução que libertasse Portugal do estado em que vivia.
Eu verifiquei, muitos de nós verificámos, aquilo que nos mentiam ali naquelas salas, ali em baixo, quando se faziam palestras sobre as guerras coloniais. Isso era verdadeiramente impressionante. Como se violavam as consciências dos militares! Um ar triunfalista, um ar quase tecnocrata, ao tratar questões profundíssimas, como eram essas questões humanas das relações de Portugal com os povos das colónias portuguesas. Nunca mais me poderei esquecer de certas palestras que por lá ouvi. Os militares sofreram muito para aprender naquela vida quotidiana em África, no mato, a diferença que havia entre as belas palavras que aqui lhes diriam e a realidade prática da vida, entre aquilo que fazíamos e os objectivos daquilo que estávamos a defender. E por isso foram conduzidos a tomar nas suas mãos o destino do Pais e a criar condições para que, não obstante todas as dificuldades presentes, não obstante todos os inimigos, conduzamos processos de descolonização que podem vir a ser o orgulho da nossa pátria. Estamos criando, hoje, em África, novas pátrias de expressão portuguesa, não obstante catorze anos de luta - e de luta da mais dura.
Haveria muitos outros aspectos a considerar no programa de subserviência sistemática que o Governo tinha para se servir dos militares; e havia esta contradição formidável - é que os militares, por um lado, serviam esse Governo e, por outro lado, esse Governo servia-se deles. Não vamos mais longe: vamos até à nossa própria situação económica, quotidiana. Os níveis dos vencimentos que auferiam os militares, que os obrigavam, a maior parte das vezes, a procurar noutras actividades o complemento absolutamente justo para satisfazer as suas necessidades materiais e mesmo as suas necessidades espirituais. Pois bem, esses militares teriam de criar condições para viver quer em Chaves, quer em Bragança, quer em Lisboa. Isso era um meio de pressão. Quer dizer: um militar era um homem que tinha de ter várias profissões ao mesmo tempo, e isso servia aqueles que nos oprimiam, como meio de pressão, porque é claro que um homem, quando se instalava em Chaves, ou em Bragança, ou em Lisboa, ou em Coimbra, e conseguia, graças ao seu trabalho, que lhe saía do seu corpo - por isso a gente olha para eles te estão envelhecidos, mão contando, evidentemente, com o sofrimento que causaram as guerras de África -, esse homem via-se muitas vezes obrigado a engolir «sapos vivos» para não perder situações que poderiam afectar fortemente a sua família. Não havia a base material conveniente que possibilitasse a verdadeira dignidade, a dignidade espiritual. E assim nós fomos conduzidos a um estádio que o general Humberto Delgado classificou, em 1958, dizendo que os militares tinham deixado de andar fardados nas ruas. E eu por mim digo que só voltei a ter orgulho em andar fardado, na rua, depois do 25 de Abril.
Eu desejaria, aqui, chamar a atenção, mais uma vez, para o papel que um grupo de jovens da Academia Militar teve no desenrolar dos acontecimentos que conduziram ao 25 de Abril. Esses homens poderiam também, hoje, ser os patronos dos vossos cursos. De maneira nenhuma está aqui uma crítica a Norton de Matos - foi um grande português e um militar perseguido, e até o acusaram de querer matar o Salazar. E a propósito de Salazar, deixem-me contar um episódio para mostrar o que era o obscurantismo da época em que eu cá vivi. Uma vez, foi uma missão a Tânger, que levou daqui oficiais do corpo de alunos e cadetes. Eu não fui nessa missão, mas, na volta, perguntaram a um desses oficiais como tinha decorrido a viagem. Que tinha sido uma missão boa, que se tinha passado tudo bem. Uma vez perguntaram-nos «como é que vocês resolvem por lá esses problemas da política?; vocês falam lá muito em política, nos vossos quartéis?» Esse oficial, muito satisfeito, com ar alegre (ele é vivo ainda, esteve há pouco tempo preso e hoje está libertado), esse oficial voltou-se para os cadetes que o rodeavam e disse assim: «Eu respondi-lhes facilmente: nós lá em casa, temos um homem que pensa por nós - é o Oliveira Salazar.» Era esta a mentalidade que procuravam instalar nos alunos da Academia Militar. Pois bem, esses homens, que quebraram todas as hierarquias, antes do 25 de Abril, esses homens pertenciam à Academia Militar, esses homens eram profundamente disciplinados. As relações entre eles são um modelo de disciplina. A disciplina hierárquica formal foi quebrada, como todos nós sabemos, para o fim, perto do 25 de Abril, nós não ligávamos a essa disciplina hierárquica, formalista, mas tínhamos outra disciplina que nos levava a respeitar-nos, mutuamente, nessas reuniões em que nos encontrávamos, e não deixávamos de nos pôr em pé quando chegava o mais antigo. Essa a verdadeira disciplina, que pode ser apontada aos novos cadetes. E esses homens têm todas as condições para dar exemplos aos nossos cadetes. Eu desejaria dizer uma coisa - é que um homem não é uma coisa, aqui, dentro da Academia, e outra coisa, lá fora. Um homem é o mesmo em toda a parte. O carácter é o mesmo, aqui e lá fora. Não se pode dar exemplos na Academia, quando não se derem lá fora, na vida particular. Para tudo isso, os alunos devem estar bem atentos, porque as pessoas, embora não sejam formadas de uma só peça, têm, pelo menos, ou devem ter, um só carácter.
Qual é o futuro que nos oferece a situação do 25 de Abril? Nos falamos hoje muito em democratização das Forças Armadas e há gente que se assusta com isso.
Mas vamos lá a ver uma coisa. Há duas maneiras de gerir uma empresa, quer militar quer civil. Isso vem nos livros de gestão de empresas, que estão hoje tão em moda entre nós e que são bem necessários, dado o nosso atraso em todos esses campos. Nós podemos gerir uma sociedade de uma maneira autocrática ou de uma maneira democrática. E muitos dos militares que estão entre nós desabituaram-se, na própria vida militar, a gerir as suas unidades de maneira democrática. O que é preciso é ligar as coisas.
A gente gere uma sociedade de uma maneira autocrática quando não ouve os colaboradores, quando está convencido de que tem em si toda a ciência, quando quase não ouve os colaboradores, ou os ouve muito pouco. Então, toma decisões e procura impô-las, servindo-se do seu posto hierárquico. Grande parte dessas decisões são erradas, porque toda a gente sabe que uma cabeça pensa menos do que meia dúzia.
Há outra maneira, a democrática, de gerir as sociedades civis e as militares. Consiste em ouvir os colaboradores, os Estados-Maiores e aqueles que estão mais directamente interessados nos assuntos e que consiste na participação que vem escrita no Programa do Movimento das Forças Armadas. Esses homens, ao ouvirem os colaboradores, os interessados e os participantes, e ao tomarem uma decisão, não estão a ser uns libertinos. Estão, antes, a resolver cientificamente os problemas, e estão a resolvê-los democraticamente. Isso é que significa democracia. Mas a democracia significa mais. Nós temos o dever de nos instruirmos uns aos outros. E na crítica que a lucidez se aperfeiçoa. Essa crítica não significa indisciplina. Indisciplina é as críticas serem feitas para dentro e não termos ou a coragem ou a possibilidade de as fazer para fora. Isso é que é a indisciplina. Agora, criticar dentro das regras, da tranquilidade, da serenidade e do respeito é trabalhar para o futuro e para o progresso. E os militares têm um grande papel a desempenhar nisso, porque têm obrigação de se consciencializarem uns aos outros, para que não sejam, nunca mais joguete na mão de minorias privilegiadas, que utilizam o Exército para se encherem, para dominar o País, para conduzirem a economia dentro dos seus interesses e não dentro dos interesses globais do País. As políticas monopolistas precisam sempre de exércitos a apoiá-las, de exércitos pouco esclarecidos. E nós precisamos de exércitos esclarecidos.
O homem antes de ser militar é um cidadão. Todo o cidadão é político. Essa coisa de se dizer que os militares são apolíticos é falsa. Já se sabe, desde Aristóteles, e muito antes, que o homem é um animal político. Simplesmente, no Exército não cabem as lutas partidárias. Isso faz parte da nossa servidão militar, que é uma das nossas honras, necessário que tenhamos consciência disso. Nós servimos o nosso povo e para que o nosso povo possa escolher livremente os seus destinos é necessário que não nos embrenhemos em lutas partidárias. Que tomemos consciência dos problemas, sob todos os seus aspectos: políticos, económicos, ideológicos, científicos, sociais, etc. Sobre toda a gama de problemas do País. Isso é absolutamente necessário e deve fazer parte da cultura dos militares. Por isso, felicito o sr. comandante da Academia, ao criar aqui um Centro de Estudos Sociais. Isso era uma coisa perigosíssima há 20 anos atrás, ou há 30, ou mesmo, talvez há sete meses ou oito...
Devemos consciencializar-nos dos nossos problemas, chamar a atenção para eles. Nós temos, também, o direito de voto. Nós saberemos, amanhã, em quem votar, por quem optar. Mas nós não devemos trazer as lutas partidárias para dentro dos quartéis, nem, lá fora, enquanto no serviço activo, podemos tomar posição destacada desse ponto de vista. Porque nós somos os homens que temos as armas, utilizamos as armas, e essas armas só podem ser utilizadas ao serviço do nosso povo. Nós não podemos beneficiar de uma situação particular em que nos encontramos, que é aquela de dispormos das armas, de as utilizar. Só as devemos utilizar em circunstâncias excepcionais, como o fizemos há bem pouco tempo, para impor outra linha de rumo ao nosso País, porque o nosso povo assim necessitava.
Portanto, nós devemos ter, dentro dos quartéis, uma educação política, mas essa educação política não significa partidarismo politico, significa precisamente apartidarismo. Deveremos ser capazes de confrontar as nossas ideias, de as discutir, e não levar os militares a tomar posições partidárias. Isso faz parte da nossa servidão militar. Nós temos limitações ao exercício da nossa liberdade. Para que o nosso povo possa exercer a sua liberdade em toda a sua plenitude, é necessário que os militares sacrifiquem uma parte dela. Mas nós sacrificamo-nos, orgulhosamente, se estivermos ao serviço do nosso país, da nossa Pátria, o que quer dizer, do nosso povo, do nosso povo de carne e osso, com o qual nos cruzamos todos os dias na rua, que tem problemas que temos obrigação de ajudar a resolver. Essa é que é a nossa Pátria. A nossa Pátria é o nosso povo de carne e osso.
Evidentemente que nós temos características históricas. A nossa vida histórica com certeza que informou a nossa formação, o nosso psíquico, a nossa maneira de reagir. Tudo isso é certo, mais a Pátria traduz-se, quotidianamente, em todos nós.
Eu julgo que, hoje, estão abertas as condições para que se estabeleçam melhores relações entre os instrutores, os professores e os alunos, relações que devem ser caracterizadas por aquelas virtudes que tantos de nós ambicionávamos, quando não as víamos aqui, à frente, como traço dominante. Eu não afirmo que não houvesse aqui oficiais que fossem excepções.
Sempre as houve e a gente do meu tempo até as podia apontar aqui, olhando para vários camaradas que aqui estão, mais velhos do que nós. Mas não era esse o traço dominante. O que caracterizava a formação militar não era isso, mas é isso que pode caracterizar a formação militar depois do 25 de Abril - a lucidez, a consciência dos problemas, a crítica, os olhos bem abertos, o porte altivo e esta coisa formidável que é pôr as acções de acordo com a consciência, isso que custou tanto a tantos militares que nós aqui estamos a ver, desses que fizeram o 25 de Abril, os problemas de consciência que tiveram. Pôr as acções de acordo com a consciência: está o caminho aberto para isso.
A verdadeira disciplina é a disciplina consentida, é aquela que resulta de relações de fraterna camaradagem entre os instrutores e os instrutores, mas essa camaradagem só pode ser baseada na verdade, que era uma coisa que andou longe desta escola, como traço dominante, durante largos anos. A verdade andou longe desta escola. Pois, hoje, há todas as condições para que só a verdade exista nesta escola. É a isso que eu exorto, exorto os alunos, exorto os professores, exorto todos nós, para que só a verdade e temos condições para isso -, só a verdade conduza as nossas acções. A verdade, a dignidade militar, o brio, a ética. Esses homens que, antes eram os mais revoltados contra a disciplina formal, eram aqueles que dentro do seu coração mais sentiam deveres da ética e do brio militares. A disciplina exterior deve ser consequência da disciplina interior. Doutro modo, não é disciplina. No meu tempo, cultivava-se muito a disciplina exterior. É necessário que os oficiais andem bem uniformizados, bem engraxados, com os botões limpos. Mas é muito mais necessário que andem com as consciências tranquilas e senhores dos seus deveres com a sua Pátria. Uma coisa não é incompatível com a outra. Mas não se deve dar relevo às botas em relação à consciência - e no meu tempo havia gente que dava relevo às botas «na relação à consciência.
Queria, ainda, chamar a atenção dos camaradas para a compreensão necessária em relação ao processo de descolonização. Não basta dizer: acabou a guerra, e pensar que os assuntos estão arrumados. Temos responsabilidades históricas. Temos feridas a sarar. Temos pátrias de expressão lusíada a criar. Isso necessita de muita dedicação, de muita consciência, de muita formação militar. A nossa missão não terminou, apenas porque foi feito o cessar-fogo ou porque certos territórios estão a caminho da independência - a Guiné já alcançou a sua. A unidade das Forças Armadas, a consciência do processo que vivemos, é uma condição absolutamente necessária para garantir que o processo de descolonização continue. E esse processo de descolonização fica caro, muito caro à nossa Pátria. Não podemos, de um dia para o outro, reduzir as despesas nessa matéria, porque temos de defender os interesses dos portugueses que lá estão - os legítimos interesses dos portugueses que lá estão e não daqueles que vendiam o vinho às colheres, como vocês sabem. Temos de contribuir para o acesso à independência desses povos no seio dos quais vivemos quinhentos anos, por isso, também faço um apelo à compreensão desses processo de descolonização, que tanta dedicação e entusiasmo e espírito de sacrifício necessitam da parte dos militares.
Finalmente, desejo fazer uma exortação a todos os nossos camaradas. Somos, hoje, de facto, o motor do desenvolvimento da nossa Pátria. Temos de ter a consciência disso. Os militares estão espalhados não só pela actividade militar propriamente dita, como pela actividade civil, nos mais amplos sectores. Eles são pedidos, são requisitados. O povo pede-nos. «Venham cá os homens das Forças Armadas, do Movimento das Forças Armadas.» É um grande orgulho para nós, quando no meu tempo, éramos considerados os algozes do nosso próprio povo.
Mais nada quero dizer, a não ser que tenham uma grande confiança, não obstante todas as dificuldades que temos, de todos os Inimigos que temos. Tenham uma grande confiança no futuro da nossa Pátria, porque está a ser forjada por todos nós, e isso era necessário que fosse feito - que a Pátria pudesse ser forjada por todos os portugueses. Era preciso que todos os portugueses se sentissem em sua própria casa, quando estão aqui, na sua própria Pátria. E essas condições nós as criamos. Nós, estes camaradas que por aqui se encontram, na Academia Militar, por exemplo, e por outros lados. Peço-lhes que me acompanhem num viva às Forças Armadas Portuguesas e à nossa Pátria e ao nosso povo.
Viva a Pátria Portuguesa!