Coleções - Legislação - Conferência de Imprensa da Comissão Coordenadora do Programa do MFA (31/12/74) Mensagem de Ano Novo de Costa Gomes (1/1/75)

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA DA COMISSÃO COORDENADORA DO PROGRAMA DO M. F. A.

(31/12/74) 

1.º Grupo de questões

DIÁRIO DE LISBOA

- Certos sectores, ainda que surgindo com toda uma aparente sinceridade democrática, advogam e parecem desejar o regresso do M. F. A. aos quartéis. Os meios mais reaccionários é isso que desejam. Pensa a C. C. P. que esse regresso poderá ser feito sem perigo do desmoronamento de todo o processo democrático?
- A institucionalização definitiva do M. F. A. não será o único processo de garantir os objectivos do 25 de Abril?
- Quais os obstáculos que se opõem a essa institucionalização ?

CAPITAL

— Após a formação da Assembleia Legislativa que, em princípio, poderá verificar-se em Outubro do próximo ano, prevê-se o abandono, por parte do M. F. A., de uma actividade política circunscrevendo-se esta aos direitos dos seus membros como cidadãos? Em caso negativo, como se prevê que o M. F. A. possa inserir-se no quadro político nacional?

DIÁRIO DE NOTICIAS

- Caso não se dê a participação na Constituinte, como vê a C. C. P. a possibilidade de continuar a intervir, como largos sectores entendem impor-se, na evolução da situação política portuguesa em ordem à consolidação da democracia?
— Segundo o Programa do M. F. A., a J. S. N. deveria exercer o poder político até à formação de um Governo Provisório Civil. De civil esse Governo passou parcialmente a militar e a J. S. N. deixou de assumir aos olhos do povo a preponderância que tinha logo após o 25 de Abril, lugar que, gradualmente, foi cedendo ao próprio M. F. A.

1 Súmula inserta no número 8 (de 14 de Janeiro de 1976) do «Movimento - Boletim Informativo das Forças Forças Armadas». 
Qual é a opinião da C. C. P. quanto à possibilidade de a nova democracia se tomar frágil, se o M. F. A. se limitar, «após as eleições, conforme já foi anunciado, a uma actividade puramente defensiva da integridade nacional?

DIÁRIO DE LISBOA

— Ao longo destes 8 meses têm surgido diversas crises e a imagem que surge no exterior é de que, de tempos a tempos, aparecem organizações ou grupos que pretendem criar as condições necessárias à diluição do M. F. A. na hierarquia tradicional e numa pretensa legalidade. Esta imagem corresponderá a uma realidade?

RESPOSTAS

As perguntas feitas levam-nos a uma questão da maior actualidade que nos parece ser a síntese de todas as interrogações formuladas.
Qual o futuro do M. F. A.?
Antes de, de uma forma "seca", pretendermos dar imediata resposta a essas interrogações, interessa repensar um pouco sobre a evolução que, sob determinada óptica, o processo sofreu após o 25 de Abril.
Com a acção militar então decorrida surge à face do próprio Movimento a definição dos órgãos de soberania. Essa definição deixava "omissa" a fórmula de participação de todo o M. F. A. Sabe-se que surgiram correntes e que, sem dúvida, determinados sectores, embora minoritários remetiam-no, referimo-nos ao movimento, aos quartéis, já que, segundo esses sectores, a representatividade do M. F. A. ficaria a cargo da J. S. N. e da C. C. P. (membros também do C. E.).
Fala-se em representatividade e bem, já que esses membros teriam que ser fiéis intérpretes do pensamento e vontade revolucionários, que inspirou larga camada de jovens militares. E estes logicamente fariam que, por processo adequado, fazer chegar as suas obrigações de colaboração aos escalões executivos, seus representantes. O dinamismo do processo revolucionário exigia assim uma reestruturação do M. F. A. que, institucionalizado, poderia ser o garante de todo o processo e alargá-lo a todas as FA.
Só após o 28 de Setembro tal realidade foi compreendida e, logo que eleita nova Junta de Salvação Nacional, se iniciaram os trabalhos que breve conduziriam à institucionalização do M. F. A.
Surgem assim dentro do Movimento os órgãos já conhecidos como:

- O Conselho Superior do Movimento (20).
- A Assembleia do M. F. A.
- Os Conselhos dos diferentes ramos, etc., etc.
Estavam agora criadas as condições para em conjunto os militares analisarem o curso dos acontecimentos políticos, o que até então não tinha sido possível concretizar.
Se atentarmos que do próprio programa se extrai que o sistema político vigente terá de processar-se sem convulsões internas que afectem a paz, o progresso e o bem-estar da Nação, e que se comprometia o M. F. A. como plataforma necessária garantir a adopção de medidas, todas elas expressas no programa, lógico seria que em consciência se procurasse fazer como que um balanço. Sem , duúvida que muito de positivo e algo mesmo quase transcendente se operou.
Não obstante, quanto a medidas preparatórias de carácter material, económico, social e cultural que garantam o futuro exercício efectivo da liberdade política dos cidadãos:
Quanto a uma nova política económica, posta ao serviço do (Povo Português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas, tendo como preocupação imediata a luta contra a inflação e a alta excessiva do custo de vida, o que necessariamente implicará uma estratégia antimonopolista.
Quanto a uma nova política social que, em todos os domínios, será posta ao serviço do Povo Português, defesa dos interesses das classes trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade da vida de todos os Portugueses.
Quanto a todas estas medidas dizíamos se apercebeu o M. F. A. de que para além de correcções introduzidas e dos esforços feitos, muito havia .por concretizar, e assim, lhe cabia de momento a responsabilidade de como se disse se repensar e reforçar.
Paralelamente, ao 2.º Governo Provisório surgiam momentos de idênticas interrogações e ajustamentos. Daí o reforço de unidade dentro do Movimento, daí a consciencialização da sua responsabilidade, daí a obrigatoriedade de ter de admitir tal como o M. F. A. proclamou ao País:
- A obrigatoriedade de zelar pelas já referidas plataformas mínimas.
Esta a génese da questão.
Qual o futuro do M. F. A.?
A exposição já feita permite responder, agora com mais objectividade, aos problemas que nós consideramos fundamentais no grupo de questões apresentadas.
1. Institucionalização do M. F. A.

Consideramos que a institucionalização agora, ou mais tarde, do M. F. A., é problema de somenos importância.
A lei é fruto da prática, pois só assim os decretos vertidos no papel possuem a legitimidade real que os permite cumprir.
Portanto a institucionalização formal do M. F. A. é um fenómeno natural, resultante da própria dinâmica em curso.

2. Relações J. S. N. - M. F. A.

A J. S. N. é o órgão supremo institucionalizado pela Revolução.
Para actuar, necessita de estar permanentemente a par da vontade de quem o criou (o M. F. A.).
Esta a razão por que, a partir de 28 de Setembro, há uma ligação profunda e permanente da J. S. N. com o M. F. A.

3. Continuação ou não do M. F. A. além do período pré-democrático que terminará cerca de Outubro próximo.

Nunca se pôs, nem nunca se porá a questão de terminar com o M. F. A. em qualquer momento. Isto para o próprio M. F. A.
O M. F. A. durará enquanto existirem Forças Armadas, porquanto estas estão-se transformando aceleradamente no M. F. A.
O Movimento das Forças Armadas é o mesmo que Forças Armadas em Movimento.
4. Intervenção política do M. F. A. na vida nacional além da Assembleia Legislativa.
A prática da Revolução Portuguesa parece mostrar que a tenra democracia que haverá (este é o ponto de honra do M. F. A.) de surgir institucionalizada cerca de Outubro próximo (com a entrada em funções da Assembleia Legislativa e outros órgãos do Poder), que essa tenra democracia, dizíamos, necessita de ser amparada e garantida, tendo em vista o seu enraizamento profundo na sociedade de todos nós.
O M. F. A. não enjeita as responsabilidades que assumiu perante o Povo Português. O M. F. A. está pronto a contribuir para esse enraizamento, em ligação estreita com, todas as forças progressistas e democráticas.
 
2.º Grupo de questões

DIÁRIO DE LISBOA

— O problema da participação ou não do M. F. A. na Constituinte. Quando haverá uma decisão final?

RÁDIO CLUBE PORTUGUÊS

— O brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho afirmou em entrevista ao R. C. P. que o M. F. A. terá sempre uma, palavra a dizer em tudo o que for decisivo nas Constituintes. A Coordenadora subscreve esta afirmação?

CAPITAL

— Diversos têm sido os oficiais das FA que se têm pronunciado quanto à participação ou não do M. F. A. nas eleições para a Constituinte. Pergunta-se: 

Já está decididamente decisivo que essa participação não se verificará?

DIÁRIO DE NOTICIAS

— Qual a posição da C. C. quanto à participação na Constituinte?

RESPOSTAS

Perante o Povo Português, a responsabilidade que o M. F. A. assumiu em 25 de Abril, mantém e não pretende alienar, implica necessariamente uma vigilância atenta e uma participação activa em tudo quanto disser respeito à Democracia que tem de defender e ajudar a construir. É neste contexto que o problema da Constituinte deve ser encarado; falta apenas definir a forma pela qual essa vigilância deverá ser exercida uma vez que a vontade política do Movimento é inabalável quanto à defesa dos interesses democráticos. Entretanto, aguardamos latada ainda que a decisão suba das bases do M. F. A. até à C. C. P. como aliás tem vindo sempre a ser feito desde que a ideia da Revolução nasceu entre nós.
 
3.° Grupo de questões

DIÁRIO DE LISBOA

— Da última reunião de delegados das FA poderá concluir-se que vão surgir em curto prazo as leis necessárias para o progresso da revolução de 25 de Abril?

RADIO CLUBE PORTUGUÊS

- É evidente a necessidade de saneamento no âmbito do Ministério da Justiça. Considerando o futuro julgamento de fascistas (caso dos Pides entre outros) e a recente libertação dos detidos por acusação de sabotagem económica, que pensa a C. C. P. do legalismo que tem sido aplicado em substituição da legitimidade revolucionária que o M. F. A. impôs em 25 de Abril?
— A recente Assembleia de Delegados do M. F. A. aprovou a decisão de se promulgarem leis revolucionárias. Dada a sua urgência:

a) Para quando essa promulgação?
b) Quem as porá em prática?
c) Sobre que matéria incidirão?
d) Estarão relacionadas com a extinção definitiva das muitas erupções fascistas existentes a par do domínio ainda efectivo dos monopolistas e latifundiários?

DIÁRIO POPULAR

- Tem vindo a público, nos últimos dias, expressa ao nível do M. F. A. a ideia da necessidade de promulgação de uma legislação adequada à revolução. É possível neste momento adiantar algo mais quanto ao conteúdo dessa ideia?
— É possível saber-se quando e por que instâncias serão julgados os ex-pides mais responsáveis bem assim como destacadas figuras do regime fascista, entre as quais por exemplo o almirante Henrique Tenreiro?

DIÁRIO DE LISBOA

- As FA tencionam continuar a adoptar medidas drásticas anti-corrupção?
 
RESPOSTAS

Problema da legalidade Revolucionária e da actuação Revolucionária.
Torna-se evidente a necessidade de em todo o processo iniciado em 25 de Abril se manter uma coerência revolucionária, para que o Movimento não seja a expressão dum simples levantamento militar, que seria incapaz de resolver as contradições da sociedade portuguesa, mas se converta numa autêntica revolução que concretize as aspirações do Povo.
Neste contexto se se torna necessária a implantação duma legalidade revolucionária, o que é evidente, essa legalidade não poderá ser o resultado de leis mais ou menos abstractas, havendo, como muitas vezes se nota ainda, a tendência para decalcar modelos da legalidade fascista, mas sim o resultado de actos concretos que em cada momento sejam uma resposta aos problemas objectivos que há que vencer, resposta essa que será função da capacidade revolucionária existente em cada momento.
Cometem portanto um erro, todos quantos pensam que será um texto escrito - lei, programa, plano, seja o que for - que irá resolver, sozinho, situações concretas.
As situações resolvem-se pela prática adequada que concretize uma análise objectiva de cada situação, análise essa que terá de ter em conta, necessariamente, as relações das forças em presença. Isto implica a adequação de cada resposta a cada problema.
Só assim tem sido possível ao M. F. A. superar as crises que têm surgido e ir consolidando, o que é um facto, a sua consciência revolucionária, em íntima comunhão com o Povo, com cujos objectivos se identifica cada vez mais.
Que assim é, o Povo o tem dito. Se assim continuarmos, e a tal dedicamos todas as nossas energias, estamos seguros que em cada momento surgirão as respostas ou leis adequadas à resolução dos problemas concretos que se nos põem e assim a consolidação da Revolução será um facto, Revolução que terá de ser o (processo que resolva as contradições objectivas da nossa sociedade e o julgamento revolucionário de todos os responsáveis e sustentáculos do estado fascista que nos submergiu durante meio século e de todos os que pela sua prática, após o 25 de Abril, se oponham à Revolução.
Assim, dessa prática revolucionária, imposta pelas situações concretas, está nascendo a necessária legislação que institucionalizará, de forma positiva, aquela prática, permitindo uma actuação coerente e imparcial dos órgãos que administrarão a justiça.
 
4.º Grupo de questões

DIÁRIO DE LISBOA

— O M. F. A. estará atento ao aproveitamento da ignorância e atraso de muitas populações dos meios rurais pelos sectores políticos vinculados ao regime anterior mas que surjam agora no acto eleitoral com uma capa democrática?

RÁDIO CLUBE PORTUGUÊS

— Os relatórios elaborados sobre as primeiras campanhas de dinamização do M. F. A. demonstram um elevado grau de despolitização das populações, manipuladas e intimidadas pelas forças reaccionárias locais, a maior parte não saneadas. Pensa que este facto poderá ter algum peso na decisão de o M. F. A. participar ou não nas Constituintes?

RESPOSTAS

Os 48 anos de regime fascista, em que falar de política era crime, para os outros, pois políticos só podiam ser os do partido no governo, ou sejam os fascistas, fizeram com que o povo português, nomeadamente o rural, estivesse quase totalmente despolitizado.
Para isso contribuiu todo o sistema daquele regime e não interessa estar agora a escalpelizar esses factos. O que custa é verificar que as populações que mais teriam de ganhar com a Instauração de um regime de feição socialista continuam a ser as que têm mais medo do papão comunista e outros. De qualquer  modo esses aspectos eram já do nosso conhecimento ao elaborar o Programa e preconizar uma data como limite do período até às eleições. Poderemos concordar que se "perderam" cerca de e oito meses, na efectivação de um programa largo de esclarecimento e politização às populações. Certo, no entanto, tal como foi prometido, tudo fazemos para realizar eleições no prazo previsto. Não poderemos no entanto deixar de estar atentos a todas as possíveis manobras, feitas a coberto de disfarces, mas de qualquer modo isso é de facto mais um pormenor que nos leva ao exercício da vigilância e participação efectiva no processo democrático, em curso, como já aqui foi dito.
 
5.º Grupo de questões 

DIÁRIO DE LISBOA

- Alguns jornais publicaram certas afirmações do sr. brig. Otelo
5. de Carvalho que posteriormente o sr. general Spínola pretendeu desmentir. O sr. general Spínola, segundo os jornais, afirmou também que já "procedera militarmente".
Qual o comentário da C. C. P. a este confrontamento de opiniões e que reflexos poderá ter dentro do M. F. A.?

RESPOSTA

Sobre este assunto parece-nos de facto que muito sensacionalismo se está a fazer à volta do mesmo. Não nos restam dúvidas quanto à veracidade das declarações do brig. Otelo S. de Carvalho, pois do assunto já a C. C. P. era conhecedora desde que tal aconteceu. Aliás não foi a única vez que o sr. general Spínola fez certas afirmações que poderiam ser aproveitadas, contra ele mesmo, tal como as que estão em causa. No entanto nunca a C. C. P. lhes deu importância, pois as considerou desde sempre inseridas na personalidade do próprio general Spínola. Esta figura de militar muito controverso, cheio de grandes virtudes e grandes defeitos, não deixou de cumprir a missão histórica que lhe estava reservada.
Essa missão foi cumprida, e ainda que mais curta e com mais deficiências do que o M. F. A. esperava no início, parece à C. C. P. que há que encerrar o assunto.
Sobre o chamado "procedimento militar" parece-nos que está tudo respondido com o que acabámos de dizer.
Quanto aos reflexos que tal assunto poderá ter dentro do M. F. A., não nos parece que eles possam ser perniciosos de modo algum, pois desde que a verdade seja dita, isso nunca poderá afectar a união dentro do M. F. A., até porque a clarificação das situações só poderá servir para reforçar a unidade.

6.º Grupo de questões DIÁRIO DE LISBOA

- Ainda sobre sabotagem económica, confirma-se que o C. O. P. C. O. N. estará na disposição de fazer prevalecer e demonstrar a legalidade das prisões efectuadas e que o juiz Dr. Sá Pereira contestou à luz dos textos fascistas?
 
RÁDIO CLUBE PORTUGUÊS

— Considera a C. C. P. que as recentes prisões de capitalistas podem ser consideradas no âmbito da estratégia antimonopolista prevista no Programa do M. F. A.?

RESPOSTAS

De maneira nenhuma estas prisões podem ser consideradas no âmbito da estratégia antimonopolista. Estão sim dentro de uma luta anticorrupção.
Quanto à estratégia antimonopolista isso é um assunto que terá que ser encarado no âmbito do Programa económico.
Em relação à actuação do C. O. P. C. O. N., ele actuou a pedido do Governo e de acordo com a legislação que o criou a ele C. O. P. C. O. N. De qualquer modo esse assunto parece-nos que já estará respondido no que respeita à entrada em vigor de legislação revolucionária.

7.° Grupo de questões

DIÁRIO DE LISBOA

- Quando será publicado o relatório sobre o 28 de Setembro?

RÁDIO CLUBE PORTUGUÊS

- Quando vêm a público os resultados do inquérito sobre a intentona setembrista?

DIÁRIO POPULAR

- Várias vezes se anunciou que o comunicado sobre o 28 de Setembro iria publicar-se dentro de dias. Que há sobre essa publicação?

RESPOSTAS

Embora várias especulações tenham sido feitas sobre o assunto, a verdade é que a resposta para a demora, no relatório sobre a intentona setembrista é simplesmente falta de tempo. Os componentes dos diversos órgãos da cúpula que, directa ou indirectamente, estiveram mais ligados ao 28 de Setembro, produziram já os relatos necessários para a análise que se efectuou no "conselho dos 20", e que serão agora devidamente compilados e juntos num relatório final que, depois de aprovado no mesmo conselho, será brevemente difundido.

8.º Grupo de questões

RÁDIO CLUBE PORTUGUÊS

- O saneamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros processa-se de um modo ineficaz, o que tem implicações no abandono dos trabalhadores portugueses emigrados e graves reflexos no processo eleitoral. Que pensa a C. C. P. deste estado de coisas?

RESPOSTAS

O problema do saneamento é bastante mais vasto e profundo que aquele focado especificamente na pergunta.
O saneamento no seu contexto mais amplo terá que se traduzir, por um lado, no afastamento de determinada estrutura dos indivíduos comprometidos com o regime fascista, nos diversos aspectos de que esse comprometimento se possa revestir, por outro lado terá que ser o afastar de todos os indivíduos que, por não acompanharem o processo revolucionário, o obstruam.
Desde logo, para que o saneamento seja efectivo é necessário que os componentes dos órgãos que o fazem tenham compreendido a sua missão. É precisamente na composição dos órgãos encarregados do saneamento e nos vícios da legislação que o regula que estão os males ou ineficácia do processo.
Claro que um e outro aspecto nasceram num momento em que o estádio revolucionário era inferior ao actual.
Assim, e para superar o desfasamento entre as condições políticas do presente e a legislação que regula o saneamento, legislação essa vinda do anterior, está o assunto a ser revisto, de modo que o necessário saneamento das instituições seja conseguido em moldes mais correctos.

9.º Grupo de questões

DIÁRIO DE NOTICIAS

- No Programa do M. F. A. está consignada "a liberdade de expressão e pensamento, sob qualquer forma". Não se pretendendo discutir se os atentados já verificados contra essa liberdade foram ou não justificados, que medidas preconiza a C. C. P. para evitar situações em que atentados semelhantes sejam lesivos da democratização do País?

RESPOSTA

Sobre este assunto está em discussão no G. P. a chamada "Lei de Imprensa" que ao mesmo compete fazer. Está claro que a C. C. P. não poderá de modo algum concordar com as censuras internas, contrárias ao que for estabelecido nessa mesma lei, e não conducentes à sua defesa.

10.° Grupo de questões

RADIO CLUBE PORTUGUÊS

- Que divergências existem no seio do M. F. A. e do Governo?
- Alguma imprensa estrangeira refere a oposição da Força Aérea ao Governo. A Coordenadora tem alguma coisa a dizer a este respeito?

RESPOSTAS

Dentro do M. F. A. não existem divergências, no sentido que normalmente se dá à palavra.
Desde sempre foi dito que o M. F. A. era formado por um conjunto de militares (de início só oficiais do Q. P.) que vivia em franca democracia.
Esse grupo não era, nem é, homogéneo e dentro dele existiam, e existem, opiniões pessoais sobre os vários problemas a enfrentar, perspectivas políticas. Houve no entanto, desde sempre no M. F. A. duas razões de ser da sua existência: os seus membros são militares e como tal querem servir o povo a que pertencem. Foi isso que os uniu, os levou a derrubar o regime ilegítimo e os levará a pôr em execução o que o povo quiser.
O M. F. A. não pretendeu nunca, nem pretende impor nada ao Povo Português. É neste âmbito que se desenrola toda a actividade do M. F. A. e nunca poderá dizer-se que no seu seio existem divergências. Há sim opiniões diferentes, mas essas em vez de dividirem, contribuem antes para melhor cimentar a união dentro do próprio M. F. A. Ê É apenas necessário que os militares continuem a actuar como militares, discutindo os seus problemas de olhos nos olhos, com a lealdade que é uma das suas maiores virtudes.
Em relação ao G. P. as divergências existentes, estamos convencidos que serão as naturais num Governo de coligação e serão também, antes de mais, diferença de opiniões. Não temos conhecimento de fortes divergências no seu seio.
Quanto ao que determinada imprensa estrangeira vem especulando e deformando a imagem do que se passa no Portugal após o 25 de Abril, isso é assunto já muito debatido e que não é novidade para ninguém. Está claro que nem é necessário fazer comentários sobre a alegada "oposição da F. A. ao G. P.".
Todos nós sabemos que o que está a acontecer em Portugal, desde o 25 de Abril a esta parte, não agrada de modo algum a certos sectores estrangeiros, alguns mesmo ditos democráticos. A estas orientações, evidentemente que interessa tentar todos os meios para evitar a sua prossecução. E como sabemos, a imprensa é um dos mais poderosos meios que podem ser utilizados neste campo!...

11.º Grupo de questões

RÁDIO CLUBE PORTUGUÊS

- O que há sobre os presos dos incidentes de 4 de Novembro - CDS
Caso de Etelvino de Jesus.

RESPOSTA

É um assunto que está entregue aos órgãos competentes.
Em relação ao caso do soldado Etelvino de Jesus, sobre o qual alguns sectores mais ou menos marginais têm especulado, não lhe poderemos dar mais importância que a qualquer militar que tenha desrespeitado as leis e regulamentos militares.

12.° Grupo de questões 

DIÁRIO DE NOTICIAS

- Que garantias pode a C. C. P. dar quanto ao respeito que a todos deve merecer a autoridade democrática, que nalguns sectores nem sempre tem sido observada?
 

RESPOSTA

Põe o «Diário de Notícias» o problema das garantias a dar pela C. C. P. do respeito pela autoridade democrática, autoridade que, segundo o mesmo periódico, nem sempre tem sido observada.
Embora esta questão mais pareça uma questão posta por certos sectores estrangeiros ditos democráticos que, agora que se constrói uma verdadeira democracia em Portugal, estão muito mais preocupados com essa democracia do que quando a repressão fascista subjugava o Povo Português, podemos dizer que o M. F. A. só pode responder pela afirmativa categórica do respeito pela autoridade democrática.
Só que à sombra do ideal democrático não se podem abrigar os que de antemão sabemos que tudo fizeram, tudo fazem e tudo farão, se isso lhes permitirmos, para destruir a democracia.
Vivemos um período revolucionário que o Povo Português em múltiplas ocasiões tem mostrado que apoia com todo o seu vigor e contraímos uma responsabilidade histórica para com esse Povo que não enjeitaremos nem deixaremos seja sabotada pela acção de forças reaccionárias, ainda que disfarçadas com o manto da democracia.

13.º Grupo de questões

DIÁRIO DE LISBOA

- Em certas zonas do País estão a surgir elementos que residiam no Ultramar e que de lá fugiram apressadamente os quais desencadeiam campanhas contra o M. F. A. e o G. P. Receia-se que no futuro aumentem estas campanhas. A C. C. P. tem já conhecimento destes factos?.

RESPOSTA

Como é do conhecimento geral, a reacção situa-se a todos os níveis, principalmente naqueles cujos quadros mentais ainda se não aperceberam da justiça social da nova ordem democrática. Tudo faremos para tentar esclarecer não esquecendo, porém, que o esclarecimento tem os limites da vontade de se ser esclarecido e, para além deles, o tratamento será dado conforme as características dessa reacção
 

14.° Grupo de questões

REVOLUÇÃO (órgão do P. R. P.)

A crise económica pela sua própria natureza, gerada pelo capitalismo, determina que se faça uma escolha: ou via capitalista ou opção socialista, sob ponto de vista de determinada forma de produção económica. Neste princípio do ano, de que lado se situa a Comissão Coordenadora?

RESPOSTA

Sobre este assunto, a C. C. P. não poderá situar-se de qualquer dos lados, dado que a C. C. P., como já foi afirmado variadíssimas vezes, mais não representa que a vontade do próprio M. F. A., pois neste vive-se efectivamente em democracia, desde o seu aparecimento. E a C. C. P. não poderá ainda pronunciar-se em virtude de o assunto estar em discussão no seio do M. F. A. e não haver ainda qualquer resolução.
No entanto a C. C. P. não quer deixar de referir que a via é socializante, como transparece do próprio Programa, e que, ou o capital colabora nessa mesma via ou ela terá forçosamente que se transformar em socialista, e ao fazê-lo recorda as passagens desse Programa do M. F. A. em que se determina uma estratégia antimonopolista.

MENSAGEM DE ANO NOVO DE COSTA GOMES

(1/1/75)

Portugueses:

Hoje é o Dia Mundial da Paz. Aparentemente, o conceito de Paz é de uma evidência tão natural que, desde logo, seria um tema exausto.
Para o analisar comecemos por referenciá-lo em quatro planos fundamentais:

- A Paz interior do Homem consigo mesmo;
- A Paz na relação entre indivíduos;
- A Paz entre os vários grupos sociais;
- A Paz entre os Povos do Mundo.
Teremos o primeiro ângulo da complexidade do tema.
Consideremos que do mistério da Vida sempre se insere uma marca dialéctica nos conceitos humanos.
O fenómeno existencial tende a oscilar no quadrante cujos extremos limites são a Paz digna e a. luta injusta. Aqui reside um segundo ângulo da complexidade da Paz.
Finalmente verifiquemos que Paz pode parecer um bem absoluto; mas que diríamos da Paz interior dos homens marginais? Que diremos da Paz das relações explorador/explorado e da Paz social dos Povos oprimidos por extremismos totalitários
Nestas dúvidas assenta o fulcro maior da complexidade real do conceito de Paz.
Como corolário haveremos de concluir:
- A Paz é aspiração, é vocação imanente no Homem, quer no plano individual da consciência, quer no plano sociológico das relações intergrupais, quer ainda no plano global das relações entre os Povos.
- A Paz, no entanto, não é um dom natural como o ar que respiramos; a Paz defende-se e constrói-se com trabalho, compreensão, paciência, amor, tolerância, coragem, sacrifício e uma atitude crítica de vigilância permanente para o nosso mundo interior e para o mundo exterior onde devemos ser causa e consequência de uma Paz autêntica.
- A Paz exige o esforço anónimo e permanente de cada um de nós e terá que se subordinar aos conceitos superiores do Bem e da Justiça ao serviço do Homem e dos Povos.
Se as minhas palavras, a vossa atenção e os nossos propósitos contribuírem um átomo para a manutenção e sublimação da Paz em Portugal teremos celebrado bem este Dia Mundial da Paz.
O dia de (hoje é também a primeira página que se volta sobre o ano de 1974, onde a Revolução de 25 de Abril foi acontecimento grande nas Histórias de Portugal e do mundo.
O balanço imediato de 1974 é um risco ingrato, mas teremos que o fazer para traçar o rumo de 1975.
Os jovens oficiais a quem devemos o 25 de Abril ofereceram ao País um programa suficientemente genérico para dar ao Povo ampla liberdade de escolha quanto ao esquema político a preparar.
Esta redacção genérica era indispensável, constituiu uma solução inteligente e sensata. Como tudo na vida, teve os seus inconvenientes. Foi um testamento interpretado consoante os credos dos vários herdeiros da Liberdade que oferecia.
Tem sido a própria dinâmica da Revolução, o jogo das forças políticas, a formação acelerada de uma opinião pública politizada, a pressão de classes e grupos à procura da sua dimensão válida, que vem clarificando a situação política transitória.
A medida que o testamento do M. F. A. se foi e vai clarificando surgem os herdeiros descontentes, porque lhes não agrada a liberdade e a esperança da maioria dos seus irmãos.
Encerrou-se em 1974 uma primeira fase de aprendizagem político-social em que o Povo Português demonstrou alto civismo e revela capacidade para reconstruir uma sociedade, pela via democrática autêntica e livre.
Terminou o ano com alguns homens e correntes de pensamento, oportunistas da liberdade, vendendo mitos e explorando as turbulências e desvios que provocam.
Como saldo entendo afirmar categoricamente que em oito meses se fizeram experiências políticas e sociais muito válidas conduzidas por homens saídos do Povo e ao serviço do Povo.
O fenómeno descolonizador em que nos empenhámos progrediu em bom ritmo; nem sempre se aproximou da rota idealista que sonharíamos, mas a inspiração e o talento político realista têm sabido imprimir-lhe um curso original, mais fecundo, mais humano e mais eficaz do que muitas experiências anteriores conduzidas com meios muito mais amplos.
Angola constitui neste momento o problema mais complexo, o que nos exige mais carinhosa preocupação; tem dificuldades compreensíveis pela circunstância da sua vastidão ter originado várias correntes emancipalistas.
Com a paciência, inspiração e boa vontade de todos os responsáveis poderemos rapidamente atingir uma situação de equilibrado entendimento, uma plataforma firme para que o Mundo possa ver instituir-se um grande país sem graves sacrifícios do Povo que o vivifica,
Na democratização de Portugal a quantidade e a essência da legislação saída é considerada pequena e tímida por uns, excessiva e arriscada por outros; quererá isto dizer que se tenha conseguido um compromisso aceitável entre rapidez e ponderação, entre necessidades de fundo e limitações de um Governo Provisório? Cremos que sim.
Criaram-se novos conceitos na vivência do mundo do trabalho, embora trabalhadores e empregadores, sindicatos e associações patronais, tenham muito que cooperar e melhorar na definição de relações mútuas mais dignas e mais fraternas, mais justas e mais iguais.
A Informação pública subitamente livre é um festival capitoso, uma fonte poderosa de força popular. Muito de autenticamente bom e livre irrompe da ganga do conformismo e do oportunismo.
«Homens das letras, dos sons e das imagens, leitores, ouvintes e espectadores, todos temos ainda muito a aprender e progredir no sentido da autenticidade, da liberdade e do respeito mútuos necessários a uma informação ainda mais digna.
A democratização do ensino, timidamente aflorada no regime anterior, necessita de tantos meios materiais e humanos que irão levar anos a reunir, se não nos unirmos todos em esforço conjunto de recuperação.
As medidas legislativas tomadas actuarão no campo da gestão, dos programas e da avaliação de conhecimentos mas serão apenas uma primeira experiência-piloto no aspecto qualitativo de toda uma obra gigantesca a alargar a todos os jovens de 'Portugal do futuro, sem distinção das classes ou recursos económicos das respectivas origens.
Ministério, organismos, professores, empregados e alunos, quanto tereis a realizar para obter e aplicar os meios, a organização, a metodologia e programação adequados ao verdadeiro Portugal? Quanta generosidade e paciência, diálogo e esclarecimento, para banir relações e comportamentos radicalizados pelo ambiente estéril do passado.
Não poderei esquecer outro sector fundamental, o económico-financeiro.
A alteração súbita das relações capital/trabalho, «em busca do equilíbrio justo ainda não alcançado, minaram a confiança dos investidores menos corajosos.
A tendência altista das matérias-primas, nos novos níveis salariais, a falta de organização e de técnica, a impreparação dos gestores, os negócios de rentabilidade marginal ou radicados na distorção do mercado, tudo se conjugará para liquidar algumas centenas de empresas inviáveis num Portugal actualizado, e levará seu tempo a criar alguns milhares de outras, mais úteis e necessárias.
A recessão do turismo, a diminuição das remessas dos emigrantes menos esclarecidos, a correria aos bancos a levantar o dinheiro que se entesoura inutilmente, tudo contribui para diminuir os meios de investimento e a criação de novos postos de trabalho.
Esperam-nos meses difíceis. O plano económico a publicar dentro de dias, algumas medidas de emergência, a coragem dos empresários e sobretudo a vontade dos trabalhadores para trabalhar mais e produzir melhor, são indispensáveis para suprir uma crise que se agudizou desde Novembro de 1973.
Com o aumento dos níveis salariais mais baixos que permitirá a entrada de mais pessoas nos circuitos económicos, e com a redução contínua das despesas militares que permitirá investimentos estatais mais reprodutivos, não é preciso ser profeta para prever que se vão criar condições para, dentro de dois anos, termos uma evolução económico-financeira nitidamente favorável, desde que saibamos criar um clima de confiança nas relações dos factores de produção.
Tenho fé e esperança. Faremos um Portugal mais próspero com uma riqueza mais justamente distribuída.
A fechar o "balanço-1974", referirei o sector da política externa onde o saldo positivo da Revolução é francamente alto, talvez espectacular. De um Povo envergonhado, folheando pergaminhos heróicos do passado, renasceu um Povo orgulhoso do seu presente, que a sociedade internacional olha com simpática expectativa. Éramos um País mal tolerado mesmo no Ocidente que dizíamos defender, somos agora um País ao qual, sucessivamente, se vão abrindo as portas de todos os quadrantes do mundo.
Saberemos ser dignos de nós próprios, exigiremos os nossos legítimos direitos na sociedade internacional em relação à qual cumpriremos os deveres a que livremente nos vincularmos.
Vou terminar com um sentido apelo a todas as mulheres e homens do Povo a que pertenço.
Vamos entrar num período económico difícil; sejamos sensatos e comedidos nos nossos anseios e exigências; sejamos eficientes e desmedidos nos trabalhos e esforços que nos couberem.
Vamos entrar num trimestre eleitoral com o ansioso nervosismo de participar nas primeiras eleições autênticas; sejamos serenos nas atitudes emocionais; procuremos desintoxicar-nos da propaganda autocrática do antigo regime, mias evitemos deslumbrar-nos com correntes de pensamento demagógicas do presente; votemos esclarecidamente em partidos autênticos que nos provem a sua vocação de contribuir para uma democracia pluralista e livre.
Vamos todos às urnas com sinceridade e recta intenção, determinados a exigir sinceridade e recta intenção àqueles em quem votarmos.
Para o nosso País vão os meus desejos de toda a felicidade e prosperidade possíveis em 1975.