Coleções - Legislação - Estrutura constitucional transitória (Lei 3/74 de 14 de Maio)

ESTRUTURA CONSTITUCIONAL TRANSITÓRIA

LEI N.° 3/74, DE 14 DE MAIO 1

Considerando que o Movimento das Forças Armadas, em 25 de Abril de 1974, restabeleceu as condições necessárias ao exercício da democracia e à realização da paz social na justiça e na liberdade;
Considerando que, de acordo com o Programa do Movimento das Forças Armadas, importa definir a estrutura constitucional transitória que regerá a organização política do País até à entrada em vigor da nova Constituição Política da República Portuguesa;
A Junta de Salvação Nacional decreta, para valer como lei constitucional, o seguinte:

ARTIGO 1.°

(Normas constitucionais)

1. A Constituição Política de 1933 mantém-se transitoriamente em vigor naquilo que não contrariar os princípios expressos no Programa do Movimento das Forças Armadas, cujo texto autêntico se acha transcrito em anexo a esta lei e dela faz parte integrante.
2. Entender-se-á de igual modo revogada a Constituição Política de 1933 em tudo aquilo que for contrariado por disposição da Lei Constitucional n.° 1/74, de 25 de Abril, da Lei Constitucional n.° 2/74, de 14 de Maio, da presente lei ou de futura lei constitucional promulgada no exercício dos poderes assumidos em consequência daquele Movimento e ao abrigo do preceituado neste diploma.
3. As disposições da Constituição Política de 1933 serão interpretadas, na parte em que subsistirem, e as lacunas da mesma serão integradas de acordo com os referidos princípios expressos no Programa do Movimento das Forças Armadas.

ARTIGO 2.°

(Órgãos de soberania)

Até que iniciem o exercício das suas funções os órgãos que vierem a ser instituídos pela nova Constituição Política, a aprovar nos termos

1 Esta Lei foi tornada extensiva ao ultramar pela Portaria n.° 339/74, de 24 de Maio. da presente lei, exercerão o poder, além da Assembleia Constituinte, o Presidente da República, a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado, o Governo Provisório e os tribunais.

ARTIGO 3.º

(Assembleia Constituinte)

1. À Assembleia Constituinte caberá elaborar e aprovar a nova Constituição Política.
2. A Assembleia Constituinte deverá aprovar a Constituição no prazo de noventa dias, contados a partir da data da verificação dos poderes dos seus membros, podendo esse prazo ser prorrogado por igual período pelo Presidente da República, ouvido o Conselho de Estado.
3. A Assembleia Constituinte dissolve-se automaticamente uma vez aprovada a Constituição ou decorrido que seja o prazo referido no número anterior, devendo, neste segundo caso, ser eleita nova Assembleia Constituinte no prazo de sessenta dias.

ARTIGO 4.º

(Lei eleitoral)

1. A Assembleia Constituinte será eleita por sufrágio universal, directo e secreto. O número de membros da Assembleia, os requisitos de elegibilidade dos Deputados, a organização dos círculos eleitorais e o processo de eleição serão determinados pela lei eleitoral.
2. O Governo Provisório nomeará, no prazo de quinze dias, a contar da sua instalação, uma comissão para elaborar o projecto de lei eleitoral.
3. O Governo Provisório elaborará, com base no projecto da comissão referida no número anterior, uma proposta de lei eleitoral a submeter à aprovação do Conselho de Estado, de modo a estar publicada até 15 de Novembro de 1974.
4. As eleições para Deputados à Assembleia Constituinte realizar-se-ão até 31 de Março de 1975, em data a fixar pelo Presidente da República.
5. A Assembleia Constituinte será convocada dentro de quinze dias após a sua eleição.
ARTIGO 5.º

(Presidente da República)

O Presidente da República é escolhido pela Junta de Salvação Nacional de entre os seus membros, e responde perante a Nação.

ARTIGO 6.°

(Posse do Presidente da República)

O Presidente da República assume as suas funções no dia em que for designado e toma posse perante a Junta de Salvação Nacional, usando a seguinte declaração de compromisso:

Juro, por minha honra, garantir o exercício de todos os direitos e liberdades dos cidadãos, observar e fazer cumprir as leis, promover o bem geral da Nação e defender a independência da Pátria Portuguesa.

ARTIGO 7.º

(Competência do Presidente da República)

Compete ao Presidente da República:

1.° - Vigiar pelo cumprimento das normas constitucionais e das restantes leis;
2.°- Presidir à Junta de Salvação Nacional e ao Conselho de Estado;
3.° - Nomear os membros do Governo Provisório de entre cidadãos portugueses que sejam representativos de grupos e correntes políticas ou sejam independentes, mas se identifiquem com o Programa do Movimento das Forças Armadas, e exonerá-los;
4.° - Convocar o Conselho de Estado;
5.º - Convocar e presidir ao Conselho de Ministros, quando o julgar conveniente;
6.º - Marcar, de harmonia com a lei eleitoral, a data das eleições dos Deputados à Assembleia Constituinte;
7.° - Convocar a Assembleia Constituinte e abrir a sua sessão;
8.° - Prorrogar, se necessário, a sessão da Assembleia Constituinte, nos termos do n.° 2 do artigo 3.°;
9.° - Representar a Nação e dirigir a política externa do Estado, concluir acordos e ajustar tratados internacionais, directamente ou
por intermédio de representantes, e ratificar os tratados depois de devidamente aprovados;
10.° - Exercer a chefia suprema das forças armadas, nos termos da lei;
11.° - Indultar e comutar penas;
12.° - Declarar, ouvido o Conselho de Estado, o estado de sítio, com suspensão, total ou parcial, das garantias constitucionais, em um ou mais pontos do território nacional, no caso de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras ou no de a segurança e a ordem pública serem perturbadas ou ameaçadas;
13.° - Promulgar e fazer publicar as leis constitucionais e as resoluções emanadas do Conselho de Estado, bem como os decretos-leis e os decretos regulamentares, e assinar os restantes decretos. Os diplomas mencionados neste número que não sejam promulgados, assinados e publicados segundo nele se determina são juridicamente inexistentes.

ARTIGO 8.º 

(Regime de referenda)

1. Os actos do Presidente da República devem ser referendados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro ou Ministros competentes, sem o que serão juridicamente inexistentes.
2. Não carecem de referenda:

a) A nomeação e exoneração dos membros do Governo Provisório;
b) A mensagem de renúncia ao cargo;
c) A promulgação das leis constitucionais e das resoluções do Conselho de Estado.

3. Salvo o disposto no número anterior, devem ser referendados por todos os Ministros os decretos-leis e os decretos que hajam de ser promulgados ou assinados pelo Presidente da República, se uns e outros não tiverem sido aprovados em Conselho de Ministros.

ARTIGO 9.° 

(Constituição da Junta de Salvação Nacional)

1. A Junta de Salvação Nacional é composta por sete militares, que para o efeito receberam mandato do Movimento das Forças Armadas.
2. O exercício das funções de membro da Junta prefere ao de qualquer outro cargo.
3. No caso de cessação, por parte de qualquer membro da Junta, das respectivas funções, o Conselho de Estado designará o novo membro no prazo de quinze dias após a verificação do respectivo evento.

ARTIGO 10.º

(Competência da Junta de Salvação Nacional)

Compete à Junta de Salvação Nacional:

1.° - Vigiar pelo cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas e das leis constitucionais;
2.°- Escolher de entre os seus membros o Presidente da República, o Chefe e Vice-Chefes do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Chefe do Estado-Maior da Armada, o Chefe do Estado-Maior do Exército e o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea;
3.° - Designar, em caso de impedimento do Presidente da República, qual dos membros desempenhará interinamente as suas funções.

ARTIGO 11.°

(Funcionamento da Junta de Salvação Nacional)

1. Até à sua dissolução, a Junta de Salvação Nacional considerar-se-á em reunião permanente.
2. As deliberações da Junta serão tomadas por maioria absoluta do número legal dos membros que a compõem.

ARTIGO 12.º 

(Composição do Conselho de Estado)

1. Constituem o Conselho de Estado:

a) Os membros da Junta de Salvação Nacional;
b) Sete representantes das forças armadas;
c) Sete cidadãos de reconhecido mérito, a designar pelo Presidente da República.
2. Os membros do Conselho de Estado referidos na alínea b) do número anterior serão investidos pelo Presidente da República, de acordo com as designações feitas pelo Movimento das Forças Armadas, não podendo estes ser colocados, sem prévio consentimento do Conselho de Estado, em situações que impeçam o exercício efectivo das suas funções.
3. O exercício das funções de Conselheiro de Estado, por parte dos membros referidos na alínea b) do n.° 1, prefere ao de quaisquer outras.
4. No caso de morte, renúncia ou impossibilidade física permanente de qualquer dos membros do Conselho de Estado referidos nas alíneas b) e c) do n.° 1 deste artigo, o Presidente da República designará o novo membro no prazo de quinze dias após a verificação do respectivo evento.

ARTIGO 13.º

(Competência do Conselho de Estado)

1. Compete ao Conselho de Estado:

1.° - Exercer os poderes constituintes assumidos em consequência do Movimento das Forças Armadas até à eleição da Assembleia Constituinte;
2.° - Sancionar os diplomas do Governo Provisório que respeitem:

a) A eleição da Assembleia Constituinte;
b) A definição das linhas gerais da política económica, social e financeira;
c) Ao exercício da liberdade de expressão de pensamento, de ensino, de reunião, de associação e de crenças e práticas religiosas;
d) A organização da defesa nacional e à definição dos deveres desta decorrentes;
e) A definição do regime geral do Governo das províncias ultramarinas;

3.° - Vigiar pelo cumprimento das normas constitucionais e das leis ordinárias e apreciar os actos do Governo ou da Administração, podendo declarar com força obrigatória geral, mas ressalvadas sempre as situações criadas pelos casos julgados, a inconstitucionalidade de quaisquer normas;
4.° - Autorizar o Presidente da República a fazer a guerra, se não couber o recurso à arbitragem, ou esta se malograr, salvo o caso de agressão efectiva ou iminente de forças estrangeiras, e a fazer a paz;
5.° - Pronunciar-se sobre a impossibilidade física do Presidente;
6.° - Pronunciar-se em todas as emergências graves para a vida da Nação e sobre outros assuntos de interesse nacional sempre que o Presidente da República o julgue conveniente.
2. Os diplomas que devem ser sancionados pelo Conselho de Estado não poderão ser promulgados pelo Presidente da República sem que a sanção tenha sido concedida.

ARTIGO 14.º

(Constituição e formação do Governo Provisório)

1. O Governo Provisório é constituído pelo Primeiro-Ministro, que poderá gerir os negócios de um ou mais Ministérios, e pelos Ministros, Secretários e Subsecretários de Estado.
2. O Primeiro-Ministro e os Ministros são nomeados e exonerados pelo Presidente da República.
3. Os Secretários e Subsecretários de Estado são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro.
4. As funções dos Secretários e Subsecretários de Estado cessam com a exoneração do respectivo Ministro.
5. Poderá haver Ministros sem pasta que desempenhem missões de natureza específica e exerçam funções de coordenação entre Ministérios ou quaisquer outras que lhes sejam delegadas pelo Primeiro-Ministro.

ARTIGO 15.º 

(Responsabilidade política do Governo Provisório)

O Governo Provisório é responsável politicamente perante o Presidente da República.

ARTIGO 16.º

(Competência do Governo Provisório)

1. Compete ao Governo Provisório:

1.° - Conduzir a política geral da Nação;
2.° - Referendar os actos do Presidente da República;
3.° - Fazer decretos-leis e aprovar os tratados ou acordos internacionais;
4.° - Elaborar os decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis;
5.° - Superintender no conjunto da administração pública;
6.° - Elaborar a lei eleitoral.
2. Os actos do Governo Provisório que envolvam aumento de despesas ou diminuição de receitas são sempre referendados pelo Ministro da Coordenação Económica.

ARTIGO 17.°

(Colegialidade do Gabinete)

1. Os Ministros do Governo Provisório definirão em Conselho as linhas de orientação governamental, em execução do Programa do Movimento das Forças Armadas.
2. A execução da orientação política definida em Conselho para cada Ministério será assegurada pelo respectivo Ministro.
3. Ao Primeiro-Ministro caberá convocar e presidir ao Conselho de Ministros e coordenar e fiscalizar a execução da política definida pelo Conselho.

ARTIGO 18.º

(Exercício da função jurisdicional)

1. As funções jurisdicionais serão exercidas exclusivamente por tribunais integrados no Poder Judicial.
2. Não é permitida a existência de tribunais com competência específica para o julgamento de crimes contra a segurança do Estado.
3. Exceptuam-se do disposto no n.° l os tribunais militares.

ARTIGO 19.º

(Forças Armadas)

1. A estrutura das forças armadas é totalmente independente da estrutura do Governo Provisório.
2. A ligação entre as forças armadas e o Governo Provisório é feita através do Ministro da Defesa Nacional.
ARTIGO 20.º

(Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas)

O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas tem categoria idêntica à do Primeiro-Ministro, sucedendo-lhe imediatamente na hierarquia da função pública.

ARTIGO 21.º

(Chefes dos estados-maiores dos três ramos das forças armadas)

Os chefes dos estados-maiores dos três ramos das forças armadas desempenharão todas as funções que correspondiam, até 25 de Abril de 1974, às dos Ministros das pastas militares, com excepção das de natureza exclusivamente civil, que transitarão para o Governo Provisório.

ARTIGO 22.º

(Conselho Superior de Defesa Nacional)

1. Haverá um Conselho Superior de Defesa Nacional, com a atribuição de concertar a política e a acção de defesa nacional.
2. O Conselho Superior de Defesa Nacional é presidido pelo Presidente dá República e dele fazem parte o Primeiro-Ministro, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, os Ministros da Defesa Nacional, Negócios Estrangeiros, Coordenação Económica e Coordenação Interterritorial e os chefes dos estados-maiores dos três ramos das forças armadas.
3. Quando o entender, o Presidente da República pode convocar outros Ministros Governadores-gerais ou Governadores de províncias ultramarinas e outras entidades que, pelas suas funções, tenham directa interferência nos assuntos relativos à defesa nacional.

ARTIGO 23.º

(Governadores-Gerais e Governadores de províncias ultramarinas)

Os Governadores-Gerais e os Governadores de províncias ultramarinas têm, na hierarquia da função pública, categorias idênticas, respectivamente, às de Ministros e de Secretários de Estado.
ARTIGO 24.º

(Vigência)

1. A presente lei entra imediatamente em vigor.
2. As leis constitucionais a que se refere o artigo 1.° deste diploma caducarão logo que a nova Constituição seja aprovada e promulgada e tomem posse os titulares dos órgãos que sejam previstos nela.

Visto e aprovado pela Junta de Salvação Nacional em 14 de Maio de 1974.

Publique-se.

O Presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola.