Coleções - Legislação - Intervenção do Estado - providências cautelares (Dec.-Lei 222 - B/75 de 12 de Maio)

Intervenção do Estado – Providências Cautelares
Decreto-Lei n.º 222-B/75, de 12 de Maio
O Decreto-Lei n.º 660/74, de 25 de Novembro, contém um conjunto de normas sobre assistência do Estado às empresas privadas, individuais ou colectivas, que não funcionem em termos de contribuir normalmente para o desenvolvimento económico do País. Já anteriormente, pelo Decreto-Lei nº 540-A/74, de 12 de Outubro, se determinara a intervenção do Estado na superintendência, coordenação e fiscalização da actividade das instituições de crédito, bem como das instituições auxiliares de crédito e das instituições para-bancárias.
Essas medidas de assistência e de intervenção, inspiradas em razões de interesse nacional, requerem, todavia, que se estabeleçam providências complementares, de natureza cautelar ou adjectiva, permitindo uma defesa eficaz dos interesses em causa, nomeadamente do Estado – como tem demonstrado a experiência colhida no período de escassos meses decorridos desde as primeiras intervenções. Por outro lado, cumpre ao Estado criar condições de maior efectividade para a satisfação futura dos créditos nascidos do apoio a essas empresas.
Tem-se ainda como certo que só a cominação de uma severa sanção criminal demoverá os sócios ou gestores de certas empresas de se colocarem em aberta oposição às medidas legais agora promulgadas ou de, pelo menos, procurarem subtrair-se ao seu cumprimento mediante expedientes condenáveis.
Finalmente, importa realçar que não é intenção desde diploma dar uma solução completa e uniforme a todos os problemas suscitados no âmbito dos Decretos-Lei n.ºs 540-A/74 e 660/74. A resolução de tais problemas deverá ser contemplada de modo exaustivo em diploma de âmbito mais vasto a publicar a curto prazo. Daí o carácter transitório do presente decreto-lei.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3º, nº1, 3º, da Lei Constitucional nº6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º
1.      Não poderá ser proposta, nem correr seus termos, acção executiva contra empresas assistidas pelo Estado, ou em que este tenha intervindo, ao abrigo dos Decretos-Leis n.ºs 660/74, de 25 de Novembro, 540-A/741, de 12 de Outubro, e 374/85, de 8 de Março, que vise o pagamento de dívidas contraídas anteriormente à data do início da assistência ou intervenção estadual, ou emergentes de actos anteriores à mesma data.
2.      As acções referidas no n.º1 que se encontrem pendentes à data de entrada em vigor do presente diploma ficarão automaticamente suspensas na fase em que se encontrem, até ao termo da intervenção do Estado ou da responsabilidade assumida por este, directamente ou através de instituições de crédito, ou até à integral liquidação ao Estado ou àquelas instituições dos respectivos créditos, sem lugar à contagem de custas pelo incidente, salvo despacho conjunto do Ministro das Finanças e do Ministro a que respeite a actividade económica da empresa antecipando o termo da suspensão.
3.      Equivale ao termo da assistência ou intervenção do Estado, para o efeito do disposto no número anterior, a nacionalização da empresa objecto da assistência ou intervenção.
4.      As acções produzirão, pelo simples facto de terem sido proposta, a interrupção da prescrição dos créditos nelas exigidos e a suspensão da contagem de novo prazo de prescrição, enquanto se mantiver o impedimento à prossecução dos seus termos.
5.      As letras e livranças em que são intervenientes as empresas assistidas pelo Estado ou em que este tenha intervindo continuam válidas, para além do prazo do seu vencimento e independentemente da sua substituição, desde que nelas se referencie a situação em que se encontram, nos termos a estabelecer em despacho do Ministro das Finanças.
Artigo 2.º
1.      Não poderão ser requeridos, nem correr seus termos, procedimentos cautelares preparatórios ou como incidente das acções referidas no n.1 do artigo anterior.
2.      Os procedimentos cautelares referidos no nº1, pendentes à data de entrada em vigor deste diploma, ou já decretados, ficarão automaticamente sem efeito, com a consequente libertação dos bens apreendidos ou ineficácia das providências decretadas, sem lugar ao pagamento das custas finais.
Artigo 3.º
1.      Enquanto se não verificar o termo da assistência ou intervenção do Estado, ou da responsabilidade assumida por este, directamente ou através de instituições de crédito, ou a integral liquidação de quaisquer créditos do Estado ou daquelas instituições, não poderá ser requerida nem decretada a falência das empresas objecto da assistência ou intervenção, nem judicialmente requerida ou decretada a sua dissolução e liquidação, a não ser por deliberação dos administradores, delegados do Governo ou comissões administrativas, previamente homologadas por decisão do Conselho de Ministros.
2.      As acções pendentes à data da entrada em vigor deste diploma em que se peça a declaração da falência ou a dissolução e partilha de qualquer empresa, nas condições referidas no n.º1, aplica-se o n.º2 do artigo 2.º, com as necessárias adaptações.
3.      O disposto nos n.ºs 1 e 2 aplica-se, com as necessárias adaptações, às acções em que se peça a declaração da insolvência dos titulares individuais de empresas nas condições ali previstas.
Artigo 4.º
1.      Os créditos do Estado sobre empresas por ele assistidas, ou em que tenha intervindo, em primeiro lugar, e os de terceiros sobre as mesmas empresas garantidos pelo Estado, em segundo lugar, gozam de privilégio sobre todos os móveis existentes no património mobiliário geral sobre todos os móveis existentes no património da empresa devedora, e de privilégio imobiliário sobre todos os bens imóveis existentes no mesmo património, independentemente de registo.
2.      Os privilégios mencionados no nº1 preferem a todos os demais a que a lei geral confira privilégio idêntico sobre todos ou alguns dos bens ali referidos, para o efeito da graduação estabelecida nos artigos 747º e 748º do Código Civil, e abrangem os juros e demais frutos civis, vencidos e vincendos, sem limites de prazo.
Artigo 5.º
1.      Nas acções em que figurar como autora ou como ré uma empresa assistida, ou em que o Estado tenha intervenção, poderá esta invocar o benefício da assistência judiciária, na modalidade de dispensa total ou parcial de preparos e do prévio pagamento de custas, nos termos da LEI n.º7/70, de 9 de Junho, e legislação complementar.
2.      Na hipótese prevista no número anterior, o benefício será concedido desde que a empresa apresente prova documental da intervenção ou assistência.
Artigo 6.º
As entidades designadas para a administração ou gestão das empresas assistidas ou em que o Estado tenha intervenção deverão submeter ao Ministro de quem directamente dependem critérios de prioridade no cumprimento das suas obrigações e encargos para com terceiros, de acordo, quer com os princípios de ordem social que determinaram o Estado a intervir nessas empresas, mesmo em detrimento de outras situações resultantes da lei geral, quer com a necessária defesa das pequenas e médias empresas especialmente afectadas pelas inibições estabelecidas nos artigos 1º e 2º deste diploma.
Artigo 7.º
São irrelevantes para o efeito do disposto no presente diploma, e como tais inoponíveis às empresas assistidas ou objecto de intervenção, quaisquer actos de cessão, gratuita ou onerosa, de créditos sobre estas empresas.
Artigo 8.º
1.      É assegurado ao Estado, por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do Ministro de quem a empresa directamente depende, o direito de ordenar o arrolamento, a apreensão de quaisquer bens penhoráveis, o congelamento de contas bancárias e a proibição de alienação ou oneração de quaisquer bens móveis e imóveis, pertencentes a pessoas que exerçam ou tenham exercido cargos de gerente, administrador, director, membro do conselho fiscal ou quaisquer outras funções directivas em empresas assistidas ou objecto de intervenção, quando haja fundada suspeita da prática de actos gravemente lesivos dos interesses da empresa.
2.      As medidas previstas no nº1 podem ser extensivas:
a)      Aos bens do cônjuge das pessoas ali mencionadas, ainda que divorciado ou separado de pessoas e bens há menos de um ano;
b)      Aos parentes ou afins em linha recta ou até ao 2º grau da linha colateral, desde que quanto a estes haja fundada suspeita de colaboração na prática dos actos referidos no número anterior ou deles terem beneficiado;
c)      A outras pessoas que tenham colaborado na prática dos actos referidos no número anterior, desde que quanto a estas haja conhecimento de factos dos quais se possa inferir que colaboraram dolosamente na prática daqueles actos.
3.      As medidas a que se referem os números antecedentes serão executadas por via administrativa, em paralelismo com as formalidades do arrolamento judicial e da penhora.
4.      Por despacho do Ministro de quem directamente dependa a empresa em causa, as medidas previstas no presente artigo cessarão logo que apurada a irresponsabilidade das pessoas referidas no nº1, ou na medida em que exorbitarem o necessário à garantia da sua presumível responsabilidade, perdurando, com os efeitos da penhora, no caso de procedimento judicial contra os titulares dos bens, susceptível de fazê-los incorrer em responsabilidade civil, o qual deve ser requerido pelo Estado no prazo de seis meses a contar da efectivação da última das mesmas medidas.
Artigo 9.º
1.      Nos casos de assistência ou de intervenção do Estado, bem como nos de efectivação de responsabilidade, exigência de cumprimento ou cumprimento efectivo, de obrigações emergentes da dação de avales, ao abrigo da Lei nº1/73, de 2 de Janeiro, ou da prestação de quaisquer outras garantias, por parte do Estado, a favor ou em benefício de empresas assistidas ou objecto de intervenção, compete ao Ministro, de quem directamente dependam, promover ou adoptar as medidas convenientes à protecção dos interesses do Estado, de entre as previstas no presente ou outros diplomas legais, nomeadamente a proibição da alienação ou oneração de quaisquer bens ou direitos penhoráveis, pertencentes:
a)      A adminstradores, directores, gerentes, membros do conselho fiscal ou outras entidades que tenham exercido funções directivas ou sociedades assistidas ou objecto de intervenção, que tenham sido ou se encontrem na iminência de ser suspensos por suspeita de irregularidades no exercício das respectivas funções;
b)      As empresas que, atentas as suas ligações com algum ou alguns dos administradores, directores ou gerentes referidos na alínea anterior, se considere terem beneficiado da concessão de empréstimos ou de garantias para além de limites razoáveis, determinados em função da capacidade patrimonial ou da natureza da sua actividade, ou que, mercê daquelas ligações, ou de outras de carácter jurídico ou económico, possam considerar-se como parte integrante de um mesmo grupo dominado ou controlado por qualquer daquelas entidades;
c)      Aos sócios de empresas assistidas ou objecto de intervenção que, mercê da sua posição de domínio do capital ou de que controle da gerência ou da administração respectivos, tenham determinado casualmente a prática dos actos referidos na alínea anterior.
2.      Exceptuam-se do disposto no n.º1 as onerações a favor da instituição beneficiária do apoio financeiro ou a favor da instituição que, garantida pelo Estado, o tenha concedido.
3.      Por despacho do Ministro das Finanças, sob proposta fundamentada do Ministro de quem directamente dependam as empresas assistidas ou objecto de intervenção, se não dependerem directamente daquele, poderá ser ordenado o congelamento temporário de quaisquer contas bancárias, de depósitos ou outras, ou a indisponibilidade temporária, pelos respectivos titulares, de depósitos em cofres, pertencentes a qualquer das entidades referidas nas várias alíneas do n.º1, sempre que ocorram as circunstâncias ali previstas ou existam fundadas suspeitas de actos susceptíveis de fazer incorrer as mesmas entidades em responsabilidade civil em face da empresa assistida ou objecto de intervenção de que se trate, ou em face do Estado.
4.      A proibição da alienação ou oneração de bens de empresas prevista no nº1 não abrange os bens a estas pertencentes que constituam elementos patrimoniais do seu comércio usual.
Artigo 10.º
1.      Os órgãos ou corpos sociais de empresas assistidas ou objecto de intervenção poderão ser dissolvidos, separada ou conjuntamente, e os respectivos membros demitidos ou suspensos, por resolução do Conselho de Ministros.
2.      Os órgãos de gestão designados pelo Conselho de Ministros assumem a plenitude dos poderes legais e estatutários dos órgãos ou corpos sociais suspensos.
3.      Na hipótese de o Conselho de Ministros se limitar a nomear um ou mais delegados do Governo, ou um ou mais gestores, sem total substituição dos órgãos normais de gestão, nenhuma deliberação de carácter administrativo poderá ser tomada validamente sem o voto favorável ou a homologação daqueles delegados ou gestores, no âmbito da respectiva competência.
4.      A designação de quais os membros da comissão administrativa que podem obrigar a empresa objecto de intervenção perante terceiros constará de acta, cuja prova será bastante para efeitos notariais.
5.      Para efeitos de celebração de escrituras públicas que formalizem alterações dos estatutos de sociedades assistidas ou objectos de intervenção, nomeadamente actos de transformação, fusão ou incorporação, é documento bastando certidão ou fotocópia autenticada da deliberação do conselho de administração, da comissão administrativa ou da gerência.
6.      Quaisquer privilégios previstos nos estatutos de sociedades assistidas ou objecto de intervenção, atribuídos a acções, obrigações ou partes sociais, ou outros, poderão ser suspensos ou extintos mediante alteração estatutária deliberada e formalizada nos termos do número anterior, desde que julgados injustificados ou contrários aos fins visados pela intervenção ou assistência.
Artigo 11.º
Fica expressamente proibida a distribuição de dividendos ou lucros de empresas assistidas ou objecto de intervenção, até ao termo desta, sem prévia aprovação por despacho do Ministro de quem essas empresas directamente dependam.
Artigo 12.º
1.      Quando a intervenção do Estado não se tenha feito acompanhar da suspensão da assembleia geral da empresa, além das formalidades previstas nos respectivos estatutos, a sua realização só poderá ter lugar desde que a respectiva convocatória tenha sido assinada também pelos delegados do Governo, administradores ou comissões administrativas nomeados pelo Conselho de Ministros.
2.      As assembleias gerais de empresas que tenham sido objecto de intervenção ou de assistência, já convocadas à data de entrada em vigor deste diploma, terão de repetir a convocatória nos termos do n.º1 para poderem reunir e deliberar validamente.
Artigo 13.º
1.      São impugnáveis, nos termos dos artigos 610.º e seguintes do Código Civil, e anuláveis, com fundamento na sua ilegalidade, os actos proibidos pelo presente diploma ou em despachos ministeriais nele previstos.
2.      Presumem-se celebrados de má-fé pelos intervenientes neles os actos referidos no número antecedente.
Artigo 14.º
Consideram-se ratificadas, para todos os efeitos legais, as medidas de conteúdo análogo às previstas neste diploma e que já hajam sido praticadas, por via judicial ou administrativa, à data da publicação do presente diploma.
Artigo 15.º
Os despachos ministeriais previstos no presente diploma serão publicados na 1.ª série do Diário do Governo, e considerar-se-ão notificados para todos os efeitos aos credores interessados, aos membros dos corpos sociais visados e a quaisquer terceiros igualmente interessados.
Artigo 16.º
1.      Serão punidos com pena de prisão maior de dois a oito anos os que, intencionalmente, praticarem actos proibidos por este diploma ou que, por qualquer modo, dificultem ou impeçam de modo decisivo a efectivação prática de quaisquer medidas nele previstas.
2.      Serão punidas com pena de prisão maior de dois a oito anos as entidades mencionadas nas alíneas a) e c) do n.º1 do artigo 9.º que pratiquem qualquer dos actos de alienação ou oneração aí referidos.
3.      Se os bens ou direitos objecto de alienação ou oneração referidos no número precedente pertencerem a uma sociedade, a pena prevista no mesmo número será aplicada aos que, em sua representação, ordenarem ou executarem os respectivos actos.
4.      Será também punido com a pena prevista no n.º1 o que intervier casualmente no processo de constituição de dívidas de empresas assistidas ou objecto de intervenção, total ou parcialmente fictícias, a seu favor ou de terceiros, ou que tiver procedido a quaisquer levantamentos de quantias ou valores, para além do seu ordenado ou vencimento normalmente auferido, desde que, desse facto e neste último caso, tenha resultado para a empresa as dificuldades financeiras determinantes da intervenção do Estado.
5.      Fica salvaguardada, em relação a todos os crimes previstos e punidos pelos números antecedentes, a aplicação de pena mais grave prevista na lei geral.
Artigo 17.º
A competência conferida pelo presente diploma ao Ministro das Finanças poderá ser por este delegada no Secretário de Estado das Finanças.
Artigo 18.º
Este diploma entra imediatamente em vigor.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros – Vasco dos Santos Gonçalves – Álvaro Cunhal – Mário Alberto Nobre Lopes Soares – Joaquim Jorge Magalhães Mota – Francisco José Cruz Pereira de Moura – Mário Luís da Silva Murteira – Francisco Salgado Zenha – José Joaquim Fragoso.
Promulgado em 10 de Maio de 1975.
Publique-se.
O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.