Coleções - Legislação - O discurso de Costa Gomes na Assembleia do MFA (25/7/75)

O DISCURSO DE COSTA GOMES NA ASSEMBLEIA DO MFA

(25/7/75)


Ao abrir esta sessão da Assembleia do M. F. A., desejo colocar perante ela três temas para reflexão, a saber:
- Um ritmo para a nossa revolução;
- Um caminho para a independência nacional;
- Um curso para continuar a descolonização;
Começarei por uma pequena introdução:
Todos nós estamos conscientes da extrema sensibilidade dos problemas que aqui temos debatido.
Também sabemos que a revolução entrou na fase decisiva cuja saída pacífica passa pelo senso, pela tolerância, pelo equilíbrio dos inúmeros factores determinantes.
Suponho muito útil fazer uma análise de duas realidades que se não podem ignorar.
- Que assembleia somos?
- Que sociedade somos, neste dia e hora?
Como assembleia creio que nos poderemos definir como sendo elementos da vanguarda revolucionária das forças armadas, mas não a sua mediana: estamos no primeiro pelotão de um povo que avança, mas não nos situamos na zona central da coluna de marcha. Somos o ponto fulcral do processo revolucionário: mas estamos fortemente influenciados pela macrocefalia política da cidade de Lisboa.
Como nos podemos definir como sociedade?
Temos em Lisboa um microcosmos político, mais apto a absorver os avanços revolucionários, mas que projecta um círculo de agitação e ansiedade na cintura industrializada cujo raio é da ordem dos 30 km.
O resto do país corre o risco de perder a ligação com a frente da coluna, com zonas onde cresce um descontentamento já sensível e outras batidas na passada e atraídas pelo reaccionarismo.
A nossa revolução fez-se pelo povo e terá de ser feita com o povo, enquanto classes mais desfavorecidas.
As revoluções são um momento histórico que se aplica a um povo concreto, que é como é e não como sonhamos que deva ser.
Avançar com um processo revolucionário tem um ritmo máximo muito concreto, muito programático, sob pena de ruptura com forças internas e externas que se tornariam oponentes.
Coloquemos por momentos de parte as ideologias que nos animam e verifiquemos humildemente que a quase totalidade do povo esteve com a nossa revolução e hoje temos que reconhecer que isso não acontece. A marcha da revolução tomou uma aceleração que o povo não tem capacidade de absorver.
Coloco uma pergunta:
Devemos fazer um compasso de espera estendendo a mão aos que ficaram para trás ou devemos acelerar uma vanguarda que deslocará mais da coluna de marcha?
Este é o primeiro ponto de reflexão que proponho.
Vejamos agora um assunto que necessita ser clarificado. Todos nós desejamos construir a independência nacional. Qual o caminho mais viável?
Recordemos alguns dados essenciais do problema:
Temos uma História, uma situação geográfica e posições estratégicas cuja importância não necessito explicar aos camaradas: são vossas conhecidas e são condicionantes alheias à nossa vontade.
Temos em relação ao Ocidente, sobretudo em relação à Europa, extremas vulnerabilidades.
O nosso comércio externo, nos dois sentidos, depende do Ocidente mais de 80 por cento.
Temos fora do País cerca de 3000000 de emigrantes e colonos. Uma manobra ocidental concertada de redução das trocas comerciais e da devolução dos emigrantes é uma ameaça para a qual não temos qualquer resposta válida.
Nos E. U. A. e Canadá temos cerca de um milhão e meio de açorianos e madeirenses.
A situação psicológica da população e a análise geo-estratégica dos Açores e da Madeira mostram-nos como é fácil uma manobra político-militar com base nestas parcelas de Portugal.
Parece-me sinceramente que a independência nacional não pode ser conseguida a curto prazo por qualquer via que envolva a hostilização do Ocidente.
A liberdade, a independência e a felicidade do povo português exigem mais senso do que idealismo, mais inteligência do que orgulho, mais moderação do que coragem verbal.
Creio que temos que reconhecer as actuais dependências do Ocidente e incrementar a fundo as ligações com os países socialistas e com o Terceiro Mundo.
Assim, com inteligência e tempo podemos visionar o momento futuro em que o nosso centro de gravidade político-económico se situe numa área onde se anulem os campos de força dos grandes poderes mundiais.
É nessa área que teremos então o valor máximo da liberdade de acção, a optimização do conceito «independência nacional».
O segundo ponto de reflexão, que proponho a esta assembleia é, pois, o estudo de uma via pragmática para a nossa independência nacional.
Para terminar falemos sobre descolonização.
Sei que ninguém tem dúvidas que descolonizar é um dos objectivos fundamentais da nossa acção antifascista.
Todos aceitamos que descolonizar é libertar povos oprimidos, sem os abandonar a outras formas ou poderes opressores.
Admitindo que esta assembleia está na primeira linha das nossas responsabilidades, em Angola teremos que pensar na nossa capacidade de motivar as forças militares.
Este é o terceiro ponto de reflexão que esta assembleia necessita considerar.
Tenho dito.