Coleções - Legislação - Saneamento de civis das FA (Dec.-Lei 497/75 de 12 de Setembro)

SANEAMENTO DE CIVIS DAS FA

DECRETO-LEI N.° 497/75, DE 12 DE SETEMBRO


Pelo Decreto-Lei n.° 775/74, de 31 de Dezembro, as forças armadas tomaram medidas em tudo semelhantes às do Decreto-Lei n.° 277/74, de 25 de Junho, para saneamento do pessoal civil que nelas presta serviço, com vista a um mais maleável e eficiente funcionamento do aparelho de Estado e ao cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas no que respeita ao saneamento da actual política interna e das suas instituições;
Porém, o Decreto-Lei n.° 277/74 mostrou-se relativamente inoperante, conduzindo a situações de impasse, pelo que foi revogado pelo Decreto-Lei n.° 123/75, de 11 de Março, com vista a dinamizar o processo de saneamento;
Porque a administração pública tem de ser, em todas as zonas de actuação dos órgãos de Estado, dinamizadora do processo de democratização, e não seu entrave, e as forças armadas são garantes desse processo de democratização, considera-se que tal dinamização deve ser extensiva ao pessoal civil que nelas presta serviço.
Torna-se, pois, necessário promulgar para as forças armadas disposições semelhantes às do Decreto-Lei n.° 123/75, substituindo as do Decreto-Lei n.° 775/74, que aliás já caducara.
Nestes termos:
Usando dos poderes conferidos pelo artigo 6.° da Lei n.° 5/75, de 14 de Março, o Conselho dia Revolução, pelos Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas, decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

RTIGO 1.º

1. Os servidores civis do Estado que como tal prestem serviço nas forças armadas podem ser suspensos, transferidos, mandados aposentar ou demitidos, nos termos estabelecidos por este diploma.
2. O estudo e a apresentação de propostas para a aplicação das medidas previstas neste diploma compete, em cada ramo das forças armadas, a uma comissão de reclassificação (CR).
3. Cada CR será constituída por despacho do Chefe do Estado-Maior respectivo.
4. O processo de saneamento previsto no presente diploma não prejudica o apuramento de quaisquer responsabilidades civis, disciplinares ou criminais imputáveis aos servidores visados, devendo os factos eventualmente apurados ser comunicados às autoridades para o efeito competentes.
5. O presente diploma aplica-se a todos os servidores referidos no n.° l, independentemente da forma do respectivo provimento ou situação perante a Administração, na efectividade ou que a esta possam vir a regressar, bem como aos que tenham passado, por qualquer motivo, à situação de aposentado até à publicação do presente diploma.

ARTIGO 2.º

1. Os servidores que, pelo seu comportamento, mostrem não oferecer actualmente garantias de idoneidade para o exercício das suas funções ou que revelem desrespeito pelos princípios consignados no Programa do Movimento das Forças Armadas serão, conforme o grau e a gravidade do seu comprometimento com o regime deposto:

a) Transferidos, com ou sem diminuição de categoria ou vencimento, dentro do respectivo ramo das forças armadas, ou mesmo para outro ramo;
b) Suspensos, sem vencimento, pelo período de seis meses a três anos
c) Aposentados compulsivamente;
d) Demitidos.

2. As propostas de aplicação de quaisquer medidas previstas no número anterior deverão ser fundamentadas tendo em conta os seguintes aspectos:

a) Comportamento contrário ao espírito da ordem democrática vigente;

b) Factos anteriores e posteriores a 25 de Abril de 1974 que comprovadamente revelem inadaptação do servidor ao novo regime democrático;
c) Incompetência, desinteresse pelo serviço, falta de idoneidade, corrupção e obstrução ao regular e eficiente funcionamento doa serviços.;

ARTIGO 3.º

As medidas previstas no artigo 2.° serão aplicadas por deliberação do Chefe do Estado-Maior respectivo, sob proposta da CR, ou, quando se trate de transferência para outro ramo das forças armadas, mediante despacho conjunto dos respectivos Chefes dos Estados-Maiores.

ARTIGO 4.º

1. Os servidores transferidos nos termos do artigo 2.°, quando pertençam a quadros permanentes, não poderão ocupar lugares vagos nos quadros dos serviços em que forem colocados, se se tratar de quadros diferentes daquele a que pertençam, salvo se forem lugares de ingresso, lugares que não possam ser providos por servidores dos quadros existentes, ou de quadros criados após a publicação deste diploma.
2. Os servidores transferidos, ressalvadas as excepções previstas no número anterior, consideram-se na situação transitória de supranumerários, com direito à antiguidade e à totalidade dos abonos correspondentes ao lugar atribuído, até definitiva resolução.
3. Os servidores transferidos, seja qual for a sua forma de provimento ou situação perante a Administração, consideram-se desvinculados do quadro ou serviço de origem a partir da data da sua apresentação no serviço de destino, salvo no respeitante ao abono de remuneração, quando não for imediatamente exequível o disposto nas alíneas b) e c) do número seguinte.
4. Os mesmos servidores serão abonados da seguinte forma:

a) Tratando-se de servidores que preencham vagas existentes em quadros, serão abonados pelas verbas afectas a estes;
b) Os servidores transferidos não compreendidos na alínea a) serão abonados por dotações globais de pessoal de nomeação vitalícia além dos quadros, pessoal contratado não pertencente aos quadros ou pessoal assalariado eventual, conforme os casos, inscritos ou a inscrever nos orçamentos dos serviços de destino;

c) O pessoal sem vínculo, abonado em regime eventual, de prestação de serviços, permanecerá, em igual regime no serviço a que for afecto, onde será pago em conta de verba de natureza idêntica à do serviço de origem.

5. As decisões das entidades competentes que determinem a transferência de servidores dos quadros permanentes ou contratados além dos quadros serão objecto de simples anotação pelo Tribunal de Contas e publicadas na n Série do Diário do Governo.
6. As novas situações serão comunicadas ao serviço de origem no prazo de dez dias a contar da data a que se refere o n.° 3.
7. A recusa de prestação de serviços pelos servidores corresponde a abandono de lugar.

ARTIGO 5.º

1. A CR poderá propor ao Chefe do Estado-Maior respectivo determinar que, atentas as circunstâncias, sejam atenuados ou, até, que deixem de verificar-se os efeitos que, nos termos da lei geral, a aposentação compulsiva importa.
2. A pensão correspondente à aposentação compulsiva prevista no presente diploma poderá também, em casos excepcionais, ser fixada em quantitativo inferior ao normal, mas não inferior ao montante da pensão mínima do regime geral da Previdência.

ARTIGO 6.º

1. Consideram-se demitidos da função pública, a contar da data da publicação deste diploma, se ainda o não tiverem sido a contar da data anterior, os servidores civis contra os quais se prove terem sido:

a) Informadores da extinta Direcção-Geral de Segurança ou policias suas predecessoras e, bem assim, os que voluntariamente contribuíram para facilitar a acção repressora daquelas organizações, quando tal não seja resultante do exercício necessário de outras funções;
b) Os servidores responsáveis por quaisquer serviços informativos de índole repressiva, bem como de forças especiais, de choque ou de assalto da extinta Legião Portuguesa, e ainda os informadores deste organismo.

2. Para os efeitos do número anterior, consideram-se informadores todos aqueles servidores referidos no n.° l do artigo 1.° deste diploma que aos organismos acima referidos prestaram informações sobre a vida privada e política dos cidadãos, mediante determinada remuneração e, bem assim, aqueles que, com fins persecutivos, gratuitamente lhes forneceram informações de idêntico teor.

ARTIGO 7.º

1. Sempre que tal seja considerado indispensável ao apuramento da verdade ou ao bom funcionamento dos serviços, por despacho do Chefe do Estado-Maior competente e mediante proposta fundamentada da respectiva CR, podem os servidores referidos no artigo 1.° ser suspensos preventivamente do exercício das suas funções por período não superior a três meses, mantendo, porém, durante o período de suspensão, o direito à antiguidade e ao correspondente vencimento de categoria.
2. No caso de não vir a ser aplicada qualquer outra medida aos servidores referidos no número anterior, têm os mesmos direito a perceber a diferença entre o vencimento recebido durante o período da suspensão e a remuneração certa correspondente aos referidos cargos, como se tivessem prestado serviço efectivo.
3. No despacho de suspensão não cabe reclamação ou recurso.

ARTIGO 8.º

1. Consideram-se terminadas todas as comissões de serviço iniciadas antes de 25 de Abril de 1974, continuando, porém, os servidores nessa situação a desempenhar as respectivas funções enquanto não for feita a nova nomeação, salvo decisão em contrário do Chefe do Estado-Maior respectivo.
2. A recondução de servidores cuja comissão de serviço cessar por força do disposto no número anterior far-se-á por simples despacho do Chefe do Estado-Maior respectivo, a publicar no Diário do Governo, sem mais formalidades, inclusive com dispensa de visto do Tribunal de Contas.

ARTIGO 9.º

As suspensões determinadas pela Junta de Salvação Nacional ao abrigo do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 193/74, de 9 de Maio, ainda vigentes, devem, para efeitos de abertura do respectivo processo, ser comunicadas à CR respectiva e podem ser mantidas até noventa dias, a contar da data das respectivas comunicações, nas condições previstas no artigo 5.° do presente diploma.

ARTIGO 10.°

As medidas de transferência com diminuição de categoria ou vencimento, de suspensão de funções sem vencimento por um período de seis meses a três anos, de aposentação compulsiva e de demissão, aplicadas nos termos deste diploma, devem ser comunicadas aos serviços de identificação, a fim de constarem dos certificados do registo criminal requeridos para o exercício de funções públicas ou equiparadas.

ARTIGO 11.º

As CR que se encontrem em funcionamento mantêm-se no exercício das suas funções até decisão em contrário por despacho conjunto dos Chefes dos Estados-Maiores.

ARTIGO 12.°

1. Os processos instaurados por aplicação deste diploma são rigorosamente confidenciais em relação a terceiros, sem prejuízo das garantias de defesa dos visados.
2. Depois de findos ou terminados os prazos de funcionamento das CR, todos os processos serão remetidos por estas à entidade a que foi confiada a conservação da documentação relativa às extintas organizações antidemocráticas.

ARTIGO 13.°

Das deliberações da CR, homologadas nos termos do artigo 3.° deste diploma, cabe recurso, sem efeitos suspensivos, para o Conselho da Revolução, a interpor no prazo de trinta dias, a contar da data da respectiva notificação.

ARTIGO 14.°

1. Este diploma entra imediatamente em vigor e cessará a sua vigência na data em que entrarem em funcionamento os órgãos de soberania institucionalizados pela Assembleia Constituinte.
2. O prazo de entrega de queixas perante as CR termina noventa dias após a entrada em vigor deste diploma.

ARTIGO 15.º

Os casos duvidosos suscitados na aplicação do presente diploma serão resolvidos por despacho do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

Visto e aprovado em Conselho da Revolução.

Promulgado em 3 de Setembro de 1975.

Publique-se.

O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.