ERA UMA VEZ UM MILÉNIO
Entrevista com Magalhães Mota e Fernando Rosas
“Em tempo de mudança, a História do Século XX”
Por José Silva, Pedra Veiga, Maria dos Anjos Pinheiro e Esmeralda Serrano.
“O senhor Presidente da República resolveu, no seu alto critério e segundo as normas constitucionais, designar-me para a presidência do Conselho de Ministros. Afastado há bastantes anos da vida pública, essa escolha surpreendeu-me. Tenho a consciência do que valho e do que posso e nunca poderia considerar-me à altura das gravíssimas responsabilidades deste momento histórico. Em todo o mundo, em qualquer país, são hoje bem pesadas as soluções do governo...”
Palavras de Marcelo Caetano
Os anos 60 continuam a ser a década do nosso programa. Hoje vamos recordar esses anos em Portugal para falarmos do marcelismo e dos seus limites, transição-rotura. Como sempre temos a colaboração do professor Fernando Rosas e o convidado doutor Magalhães Mota.
Fernando Rosas - Boa tarde dr. Magalhães Mota. Obrigado por estar connosco como testemunho real, vivo de um período em que o marcelismo começava a dar os primeiros passos na vida política portuguesa, Setembro de 68. Cria-se uma grande expectativa à volta do que vai ser o regime marcelista e a grande surpresa, poucos meses depois, sobretudo nas eleições de 69 é o aparecimento nas listas da União Nacional dum grupo autónomo, com uma relativa autonomia que vai conhecida como a ala liberal. Magalhães Mota é um dos seus integrantes, um dos seus mais activos participantes. Dr. Magalhães Mota como é que foi parar à ala liberal?
Magalhães Mota – Bom, a convite directo feito por um amigo meu que era o José Pedro Pinto Leite que durante, aliás, a primeira sessão dessa legislatura era aquele que era o mais destacado de nós e por escolha de todos os outros. O José Pedro Pinto Leite vinha das oposições clássicas, tinha estado na experiência de O Tempo e o Modo e foi ele quem me convidou. Aliás, em termos duma carta que é uma carta muito curiosa que eu depois dei à família porque o José Pedro Pinto Leite fazia uma reflexão sobre o Regime e para além da amizade pessoal que ele tinha com o professor Marcelo Caetano, o José Pedro Pinto Leite estava convencido de que só seria possível uma evolução do Regime, atacando-o naquilo que ele considerava e ele brincava com isso em termos leninistas, a malha fraca do Regime. E ele dizia, a malha fraca deste Regime é que não aguenta que durante quatro anos se fale com certa liberdade. Sempre que houve uma experiência nesse sentido, o Regime abalou e eram experiências isoladas. Foi o padre Abel Varzim, foi o Carlos Lima, foi o próprio Henrique Galvão, muito antes, a experiência de que nós tínhamos mais memória era a do Carlos Lima. Por outro lado, quando a oposição vem de dentro, o Regime ainda pior se consegue enquadrar nesse tipo de situação nova e tínhamos a experiência da eleição do general Delgado como última referência concreta de que assim era. Dizia, bom, estando na Assembleia consegue-se falar durante quatro anos, conseguem-se abordar uma série de temas e isto obriga o Regime, pelo menos, a mexer. Nós não duramos mais do que quatro anos, era a perspectiva na altura.
Fernando Rosas – Acha que o convite veio da parte do próprio professor Marcelo Caetano. Era ele que queria ter essa espécie de oposição controlada no interior do Regime, da parte de Melo e Castro.
Magalhães Mota - Não sei. Do dr. Melo e Castro acho que ele acreditava sinceramente, ele disse-o várias vezes, numa experiência em Portugal parecida com o rotativismo monárquico. Suponho que há mesmo uma declaração pública dele nesse sentido e, curiosamente, pegando-lhe na ideia o José Pedro Pinto Leite admitia que o dr. Mário Soares pudesse ser o líder dessa oposição com quem, aliás, ele tinha os contactos José Pedro Pinto Leite e Mário Soares vinham de O tempo e o Modo
Fernando Rosas - Pode-se dizer que era um grupo de católicos, a ala liberal identificava-se com uma certa atitude dos católicos face ao Regime.
Magalhães Mota - Havia pelo menos um grande grupo com essa base. Eram gente que vinha dos movimentos universitários católicos, com ligações ao grupo O Tempo e o Modo, ao grupo do Centro Cultural de Cinema, ao Encontro, do final dos anos 50, à polémica do 40900, tínhamos essa base comum. No entanto, nós não nos conhecíamos uns aos outros. O grupo do Porto, por exemplo, era um grupo à parte.
Fernando Rosas - Quem faz a ligação entre os vários elementos dispersos?
Magalhães Mota - Fundamentalmente o José Pedro Pinto Leite. É ele que vai ao Porto fazer os convites ao grupo do Porto, embora pense que muito em articulação com Melo e Castro.
Fernando Rosas - Portanto é ele que traz o dr. Sá Carneiro para o grupo.
Magalhães Mota - Sim. O dr. Sá Carneiro, aliás, não estava para entrar na primeira lista era o professor Mário Pinto porque o dr. Mário Pinto não pôde aceitar é que aparece o convite ao dr. Sá Carneiro que vinha do grupo da gente que tinha apoiado o regresso do exílio do bispo do Porto e que tinha feito força por isso anteriormente. O Pinheiro da Silva, o Pinto Machado.
Fernando Rosas - De qualquer maneira, para a constituição desse grupo vai haver encontros entre vós, trocas de opiniões, alguma plataforma política, pergunto.
Magalhães Mota - Não. Não. Nós, por um lado, havia uma dificuldade inerente ao próprio funcionamento da Assembleia, ao tempo, e às nossas vidas. A Assembleia funcionava como uma periodicidade muito irregular. Havia só umas senhas de presença e portanto era impossível pensar-se em termos sequer em termos de uma semi-profissionalização política. Portanto todos nós tínhamos as nossas actividades, algumas delas relativamente absorventes e tínhamos uns quantos tempos livres em que nos encontrávamos. Como havia ainda por cima gente de vários sítios nem sempre era muito fácil esse tipo de reuniões. Fazíamos, fundamentalmente, uns almoços de trabalho para acertar estratégias e fazíamos algumas reuniões a propósito de temas específicos em casa do Miller Guerra.
Fernando Rosas - E pode-se falar duma plataforma política, dum entendimento mínimo. Quer dizer, o que é que se tivesse de dizer em duas palavras o que é que era o programa mínimo do grupo como é que o sintetizaria?
Magalhães Mota – À volta dos direitos, liberdades e garantias.
Fernando Rosas - Liberdades fundamentais. A concepção de uma democracia parlamentar de tipo ocidental ou não se ia tão longe.
Magalhães Mota - Penso que não se ia tão longe. Eu digo isto porque houve muitas coisas que nós nem sequer abordámos. Mas, por exemplo, quando na Arcádia se publicou um livro de entrevistas sobre o ser ou não ser deputado, há gente de vários quadrantes que éramos cinco ao todo. Entre esses está Sá Carneiro e eu. O livro é já de 73, depois da renúncia do Francisco Sá Carneiro. Nós não trocámos impressões sobre o questionário que era comum. E enquanto eu, por exemplo, me pronuncio pró-partidos, claramente, o Francisco ainda fala em Associações Políticas. Portanto havia todas estas graduações, mesmo entre a gente que falava mais e trocava impressões com ...
Fernando Rosas - A certa altura portanto acerta-se o número de deputados que vai entrar nas diversas listas, pelo Porto, por Lisboa. Eram ao todo.
Magalhães Mota - Que nós nunca soubemos muito bem. Nós tínhamos por um lado algum receio de que fôssemos contados em especial nos primeiros tempos da Assembleia. Havia um grupo marcado de direita, ou de extrema-direita mesmo [Fernando Rosas - Em termos de Assembleia] Em termos de Assembleia e depois havia um grupo que penderia, pelo menos na nossa apreciação de acordo com aquilo que fossem as posições do próprio professor Marcelo Caetano.
Fernando Rosas – E era um grupo maioritário?
Magalhães Mota - Largamente maioritário. Se o professor Marcelo Caetano se inclinasse para a nossa banda, nós teríamos, com certeza, muito mais apoios. Em todo o caso penso que o núcleo fundamental devia andar à volta dos dez, onze, doze. As votações eram secretas, tínhamos algumas surpresas.
Fernando Rosas - Reconhecia duma forma informal o dr. Pinto Leite como uma personalidade liderante do grupo.
Magalhães Mota - De princípio sim. Até à morte dele. Era ele que tinha feito os convites, os contactos, era quem conhecia toda a gente.
Fernando Rosas - E se bem percebo, o dr. Melo e Castro era um interlocutor, mas exterior ao grupo.
Magalhães Mota - Sim, embora várias vezes tivéssemos reuniões com ele, mas primeiro o Dr. Melo e Castro já era outra geração.
Fernando Rosas – Claro, era mais velho.
Magalhães Mota - Depois ele adoece gravemente logo a seguir. Praticamente as eleições terão sido Setembro. [Fernando Rosas - Outubro de 69] Sim. Logo em Novembro-Dezembro ele está doente e logo no período eleitoral de 69 há fortes atritos dentro da então União Nacional no sentido de ser afastado o Dr. Melo e Castro.
Fernando Rosas - Ele era um homem bastante próximo do professor Marcelo Caetano, o Dr. Melo e Castro. Vinha de um passado de proximidade com esse grupo.
Magalhães Mota - Sim, sim, sim. Penso que sim.
Fernando Rosas - Mas digamos que era a fracção mais liberal desse grupo marcelista, mais próxima de vocês.
Magalhães Mota - Penso que sim, penso que sim. Penso que ele...
Fernando Rosas - Não acha significativo que o Dr. Marcelo Caetano no início tenha entregue a Comissão Executiva da União Nacional a um homem com o perfil do Dr. Melo e Castro.
Magalhães Mota - Acho pelo menos interessante porque o Dr. Melo e Castro tinha, pelo menos, um passado recente que levantava vários atritos da parte da direita. Era um homem...
Fernando Rosas - Encontrei muita documentação no arquivo de Salazar, denunciando o Dr. Melo e Castro como um homem das esquerdas, um perigoso socialista. Quer dizer, por parte dos homens próximos do Salazar.
Magalhães Mota - Eu penso que sim. Quer dizer, isso era relativamente conhecido. Ele tinha uma actividade social bastante intensa e portanto isso causava muitas complicações, em especial, junto dos interesses económicos com quem ele não tinha qualquer ligação e de quem era feroz adversário. Depois ele um homem que tinha posto o problema da sucessão de Salazar e dito que o Salazar não era eterno o que era assim uma coisa de crime. Depois ainda ele fazia declarações no sentido de que o regime político tinha que evoluir para liberalização progressiva e para um regime parlamentar. O modelo era o parlamentar inglês portanto [Fernando Rosas - Bipolar] bipolar, com uma posição reconhecida e portanto para uma abertura progressiva do Regime.
Fernando Rosas - Até que ponto é que acha que ele terá explorado essa via junto do Partido Socialista ou da Acção Socialista Portuguesa como então se chamava ainda.
Magalhães Mota - Eu sei que o Dr. Melo e Castro teve pelo dois encontros patrocinados pelo Ramon de la Féria com o Dr. Mário Soares. Julgo, mas a minha versão é indirecta. Foi o José Pedro Pinto Leite que me deu. O Dr. Melo e Castro teria admitido, inclusivamente, a hipótese do Dr. Mário Soares também integrar aquilo que viria a ser depois chamado ala liberal. Chegou à conclusão de que não, que isso era impossível e o José Pedro Pinto Leite pegando no esquema de raciocínio do Dr. Melo e Castro dos dois partidos é que terá formulado a ideia de que o Dr. Mário Soares poderia ser o líder da oposição reconhecida o que, curiosamente, não foi uma ideia particularmente bem aceite.. [Fernando Rosas - Por parte do vosso grupo] Não por parte do Dr. Melo e Castro, nem por parte do nosso grupo, mas por parte da oposição com quem nós contactávamos. [Fernando Rosas - Mais CDE, etc.] Exacto. Tinha havido a clivagem CDE/CEUD, a rotura na plataforma de São Pedro de Muel [Fernando Rosas – A indicação do Dr. Soares como interlocutor preferencial estava longe de ser pacífica, mesmo na ala liberal do Regime] Depois há outra pessoa que penso que também tem peso nestas escolhas todas, embora com extrema discrição, mas que era o Conselheiro Albino dos Reis.
Fernando Rosas - É verdade. Fale-me desse homem, desse dinossauro que vem desde a fundação do Regime, praticamente. Como é que esse homem chega, que é sempre, aliás, um liberal dentro do Regime, de alguma maneira. Como é que esse homem se aproxima desse grupo de jovens advogados que eram vocês nessa altura.
Magalhães Mota - E com uma relação extremamente curiosa porque foi sempre extremamente discreto, nunca nos apoiou ostensivamente, mas algumas vezes discretamente nos ensinou coisas, nos deu alguma ajuda. Era um homem muito curioso. Eu creio que tenho duas histórias que são perfeita anedota histórica, mas com o Conselheiro Albino dos Reis são ambas... Uma é que parece que foi o Conselheiro Albino dos Reis quem me enfiou o maior barrete político que eu tinha enfiado, mas também que eu tenho a impressão que revendo a História era capaz de o enfiar outra vez e foi com a revisão constitucional. Nós precisávamos porque o nosso texto tinha sido chumbado já numa Comissão, que a Comissão presidida pelo Conselheiro Albino dos Reis pelo menos não se pronunciasse desfavoravelmente o que levaria a que o processo tivesse que seguir para a mesa da Assembleia e portanto isso equivaleria praticamente à demissão e eu é que fui encarregado de fazer esses contactos com o Conselheiro Albino dos Reis. Chegámos a almoçar juntos, estava tudo a correr bem. O Conselheiro deixou as várias opiniões definirem-se e chegámos a certa altura e tínhamos quatro votos a favor da admissão do projecto e três votos contra o projecto e o Conselheiro Albino dos Reis que nunca fazia isso e presidia à sessão, disse que tinha perfeita consciência do que é que significava o seu voto e que portanto antes de votar queria colher a opinião da Comissão sobre alguns pontos. O primeiro ponto era saber se devia votar ou não e adiantou que devia votar e que até entendia que o regimento da Comissão o impedia de se abster. Tinha que votar sim ou não. Disse o texto e de facto era assim e todos concordámos. [Fernando Rosas - E tinha voto de desempate] E então ele disse a segunda coisa. Se houvesse um empate já estabelecido, o meu voto nem precisava de ser um voto de qualidade porque decidia para uma banda ou para outra, porque fazia 5-4 nessa hipótese teórica, mas como há 4-3 se eu, por hipótese votasse a favor da minoria e depois desenvolvesse o voto de qualidade transformava a minoria em maioria e eu acho que isto não corresponde ao espírito da lei. De maneira que queria conhecer a nossa interpretação. Nós apoiámos entusiasticamente e curiosamente o outro lado que estava convencido que ele votaria contra também apoiou. Bom e aí ele disse queria saber também as consequências e ele disse a tal que eu já tinha dito. É que se ele votasse contra havia um empate, porque ele não exercia o voto de qualidade e a decisão transferia-se para o Presidente da Assembleia. Tivemos que concordar todos com a interpretação jurídica e ele concluiu que gostava muito do nosso projecto, do nosso entusiasmo, etc.
Fernando Rosas - Um velho político republicano. No fundo a República ...
Magalhães Mota - A outra história, essa só tem um interesse anedótico. Nós estávamos numa Comissão e estava toda a gente muito interessada em tentar saber do Conselheiro Albino dos Reis o que é que se tinha passado numa reunião que tinha havido na Foz do Arelho só com um grupo de notáveis do Regime, presidida pelo próprio Marcelo Caetano. Bom, e eu que já sabia que o Albino dos Reis só dizia aquilo que queria dizer. Estava entretido a fazer outras coisas, estava a escrever e de tal maneira que dei nas vistas e o Conselheiro Albino dos Reis perguntou-me: - Então, você não quer saber nada do que é se passou na Foz do Arelho? Eu em miúdo e em adolescente passava férias na Foz do Arelho e respondi-lhe: - Eu já sei muito sobre a Foz do Arelho, até sei que a casa onde os senhores se reuniram foi a casa onde o Afonso Costa fez a lei de separação da Igreja e do Estado. Foi como se lhe tivesse batido. Nunca vi o Albino dos Reis perder a serenidade como naquela altura, deixou cair o cigarro, de tal maneira que o Mota Amaral entrou em pânico e achou que ia haver a revisão da Concordata. Já depois do 25 de Abril, eu tive conhecimento da acta da sessão que o Marcelo Caetano tinha começado a reunião a dizer: - Não sei se os senhores sabem que esta sala o Afonso Costa escreveu... Sabia muito mais do se que se pensava.
Fernando Rosas - De qualquer maneira o vosso grupo, é um grupo de facto que se autonomiza na Assembleia. Como é que se iniciam as vossas relações com o Dr. Marcelo Caetano? Ele apoia-vos, está temeroso desde o início. Que atitude, que relação é que ele estabelece convosco?
Magalhães Mota - A princípio nenhuma relação directa, pelo menos comigo.
Fernando Rosas - É porque como sabe ele terá reagido mal, por exemplo, à incorporação nesse grupo de certas pessoas como por exemplo o Dr. Balsemão. Ele parece que terá reagido mal. Há aqui um certo número de indícios que parecem que ele tem receio, desde o início, do grupo.
Magalhães Mota - Ele na primeira fase não sei. Ele tinha sido aluno do professor Marcelo Caetano. Quer dizer, a noção que nós tínhamos do professor Marcelo Caetano era, por um lado, a noção de professor e depois duma certa abertura por duas coisas. Ele a cobertura como reitor ele tinha dado na crise de 62 e depois na fase de Ministro da Presidência ter apoiado algumas coisas com alguma importância como a lei da colonização interna, o emparcelamento, [Fernando Rosas - Certas medidas reformistas] Havia uma certa base desse funcionamento que era para nós um certo factor de confiança, mas não havia relações directas excepto com o José Pedro Pinto Leite [Fernando Rosas - Que era o intermediário] Que era perfeitamente o intermediário, que tinha uma relação de grande à-vontade com o professor Marcelo Caetano. Com o Mota Amaral que tinha feito estágio no escritório do Marcelo Caetano e portanto tinha essa relação pessoal. Com os outros a relação era mais distanciada e formal. Portanto, nós, praticamente, tínhamos os ecos do que ele pensava e relativamente filtrados.
Fernando Rosas – Ele nunca vos reuniu enquanto grupo, no todo ou em parte.
Magalhães Mota - Não, a única reunião que temos como grupo é depois depois já da renúncia do Francisco Sá Carneiro e do Miller Guerra que ele nos convida para almoçar na residência oficial e é quando nós lhe dizemos que a experiência tinha acabado pela nossa parte.
“Conforme já referimos e de acordo com o que a Constituição determina, recomeçaram hoje os trabalhos da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa. Na Assembleia onde se iniciou a segunda sessão legislativa da décima legislatura, o período antes da ordem do dia foi totalmente preenchido com a homenagem à memória dos deputados Pinto Leite, Leonardo Coimbra, José Vicente de Abreu e Pinto Bull, falecidos durante uma viagem de trabalho à Província da Guiné. A sessão foi aberta pelo Presidente da Assembleia, engenheiro Amaral Neto, que proferiu o seguinte discurso:
- Senhores deputados arredei para ulterior oportunidade outras matérias a fim de com Vossas Excelências me concentrar na recordação dos tristes acontecimentos que com especial acuidade nos magoaram durante o recente intervalo dos nossos trabalhos. Do falecimento do Presidente Salazar, na evocação que vem a propósito dos seus altíssimos serviços ao País espero que nos ocupemos amanhã com adequado destaque.
Falou depois o deputado Sá Carneiro que em dado passo se referiu à missão dos seus colegas mortos na Guiné:
- Iam em missão da Assembleia, viagem de trabalho que era um prolongamento do desempenho do seu mandato, com a necessidade e o dever que ele envolve de contactar o mais possível todas as realidades da vida nacional. Viagem que nem era a favor do Governo, nem passeio para os deputados. O desastre a todos colheu no desempenho da sua missão. Se hoje aqui estivessem seríamos os primeiros a beneficiar dos resultados dessa viagem de informação, enriquecendo-nos com o partilhar das suas experiências, com o testemunho do que tiveram ocasião de ver nessas terras que não mais os deixaram viver. Já que não pudemos usufruir da riqueza da sua companhia, saibamos pelo menos aproveitar a lição das suas vidas, especialmente na dimensão política que é a desta casa.”
Locutora – “O marcelismo e os seus limites” foi o tema da conversa entre o professor Fernando Rosas e o Dr. Magalhães Mota. Na próxima semana continuamos com Magalhães Mota e as suas memórias.
Fizeram este programa José Silva, Maria dos Anjos Pinheiro e Esmeralda Serrano.
(Programa gravado da Antena 2 no dia 27 de Fevereiro de 1998)
2ªParte
Continuamos hoje com as memórias do doutor Magalhães Mota, membro, juntamente, com Pinto leite, Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Miller Guerra, entre outros, da chamada ala liberal que integrou em 1969 a lista do partido único do Estado Novo. Esta ala liberal comprometeu-se a rejeitar o abandono do Ultramar, a defender uma política africana de autonomia progressiva e a contribuir para a concretização de reformas políticas com paz social.
Para além da participação do doutor Magalhães Mota, temos, como habitualmente, a presença do professor Fernando Rosas.
Fernando Rosas - Senhor doutor, eu tenho para mim, já escrevi isso. Acho que a primeira fase do marcelismo se caracteriza por uma tentativa de reforma real, estou a falar de 69-70, deixando a guerra colonial de parte. Portanto, reformar não tocando na questão da guerra e várias iniciativas do Regime, nessa altura, no campo sindical, no campo da assistência, no campo do ambiente político mostram que há uma inicial tentativa de ir por outro caminho. Mas a guerra colonial estava entre parêntesis. Para vocês também estava? Como é que vocês viam o problema?
Magalhães Mota – Aí as posições eram não muito claras até porque nunca trocámos muitas impressões. Penso que havia da nossa parte quase que um certo pacto de silêncio em que metíamos entre parêntesis a questão. Alguns de nós, era o meu caso, por exemplo, tínhamos estado mobilizados e portanto na guerra, mas tínhamos uma visão parcelar. Curiosamente, uma das primeiras questões que nós levantámos ao Dr. Melo e Castro tem a ver com o problema da guerra porque nós pegámos numa frase do Marcelo Caetano que dizia que ia conhecer exactamente a situação para dizer alguma coisa. Nós dissemos então nós e os portugueses em geral também têm direito a conhecer exactamente a situação para se poderem pronunciar e fizemos um pouco finca pé aqui que era preciso conhecermos, parecia-nos importante que ficávamos um bocado na expectativa. Rapidamente aconteceu que o grupo mais à direita na Assembleia tentou usar a guerra para fazer um isolamento e uma contagem de espingardas e houve inclusivamente uma moção que foi apresentada pelo engenheiro Santos e Castro sobre a situação colonial. O José Pedro Pinto Leite que soube que essa moção ia ser apresentada telefonou-me sem dizer porquê, mas avisou-me para nesse dia não ir à Assembleia, por exemplo. Havia este tipo de relacionamento. De qualquer modo em termos públicos foi uma questão que nós nunca aflorámos e que também ente nós foi muito pouco abordada.
Locutora - Dos arquivos sonoros da RDP vamos ouvir um excerto do debate sobre política colonial na Assembleia Nacional entre os deputados Casal Ribeiro e Miller Guerra.
Miller Guerra - Perguntei a V. Ex.ca foi se realmente achava bem que [...] sítios se discutisse a presença de Portugal no Ultramar. Ora aí está uma pergunta objectiva e concreta e que eu respondo também objectivamente e concretamente. Acho sim senhor, não só na Igreja como também noutra parte.
Casal Ribeiro - Então não preciso de mais nenhuma resposta de V. Ex.ca. Está realmente politicamente definido para mim de uma vez para sempre.
Miller Guerra - Ainda bem senhor Casal Ribeiro, ainda bem senhor almirante, ainda bem senhor almirante.
Casal Ribeiro - Tristemente definido.
Miller Guerra - Ainda bem. Portanto...
Fernando Rosas – Do seu ponto de vista acha que [Magalhães Mota - Do ponto de vista económico a opção europeia] de desenvolvimento. Do seu ponto de vista hoje, fazendo um balanço desse período concorda com a teoria que diz que a questão da resolução do problema de África era o problema modal, ou seja, ou o Regime resolvia o problema de África e podia transitar para outra coisa ou não o resolvendo não transitava para nada. Quer dizer e se caía num impasse. Acha que qual é a importância que atribui à resolução dessa questão para uma hipotética transição.
Magalhães Mota - Bom, eu não sei se em 69 ainda era possível uma solução, mas admito que sim. Admito que sim quer pela posição do engenheiro Amilcar Cabral que em 69 ainda pensava assim quer pela posição dos movimentos de libertação de Angola. De Moçambique não conheço exactamente a situação. Portanto penso que ainda seria possível em 1969. Penso que o professor Marcelo Caetano avaliava muitíssimo mal a situação militar.
Fernando Rosas - Em que termos é que ele avaliava?
Magalhães Mota - Eu julgo que ele tinha uma noção dos militares ainda baseada nas relações hierárquicas e muito decalcada no modelo de reacção um pouco ao Botelho Moniz. Não sei se ele estava ligado ou não, mas sei que era uma coisa que o parece ter impressionado muito. Como é que o golpe é desmontado porque se mudam os comandos e ele tinha sempre nalgumas conversas, isso era muito evidente nele, o que é que pensavam os generais. E eu julgo que ele nunca tomou consciência, ele nunca se apercebeu de que a guerra tinha mudado todo o esquema hierárquico e que já eram os capitães que mandavam [Fernando Rosas – Pois claro] porque tinham feito a guerra. Fez-me também sempre muita confusão uma análise que o Marcelo fez, em público, para os Deputados, numa sessão reservada, mas foi para os Deputados, em que explicava que o Regime era uma perfeita múmia que vivia com ligaduras que se fossem retiradas bruscamente se desfazia a múmia em pó.
Fernando Rosas - Acha que ele queria realmente fazer, iniciar um processo de transição. Qual era ou que poderia ser empurrado nesse sentido pelo menos.
Magalhães Mota - Não sei.
Fernando Rosas - Ele era um homem da conservação ou era um homem da transição?
Magalhães Mota - Eu penso que ele era uma pessoa capaz de perceber e portanto intelectualmente capaz de perceber as vantagens de uma liberalização. Por educação e por sentimento seria muito mais conservador do que liberal.
Fernando Rosas - Faltava-lhe a coragem política?
Magalhães Mota - Sim e até mesmo a própria capacidade de decisão. Eu penso que ele não queria correr o risco nem de deixar que o Regime se desfizesse em pó para usar a imagem que citei há bocado. Não queria isso. Por responsabilidade dele não queria assumir nenhum desses riscos e portanto todas as coisas eram extremamente contrabalançadas e acabavam por isso de avançar muito pouco e praticamente com o medo de causar algumas roturas os avanços não se exerciam. Penso que a única coisa que é mais significativa e aí ele terá tomado posição claramente a favor é reforma educativa de Veiga Simão.
Fernando Rosas - Se tivesse que escolher um momento de rotura. Quer dizer, se tivesse que escolher uma conjuntura, vá lá, em que vocês como grupo, ou em que uma boa parte de vocês como grupo tomam consciência de que não há nada a fazer, ou de que o projecto inicial não tem possibilidade de andar, qual é que escolheria?
Magalhães Mota - Claramente a eleição do Tomás.
Fernando Rosas - Fale-nos um pouco sobre isso. Como é que actuaram face à eleição do Tomás? Estamos a falar portanto de 1972.
Magalhães Mota – Bom. Primeiro há duas tentativas que passam por nós de conseguir outra candidatura. Há por um lado, a tentativa de introduzir na Constituição a eleição directa, de retomar a eleição directa. [Fernando Rosas – Mas isso remete para a revisão da Constituição?] Na revisão da Constituição em 71... [Fernando Rosas - Vocês não acharam com a revisão da Constituição se tinham gorado as hipóteses? Continuam a pensar...] Apesar de tudo havia ainda algumas hipóteses, quer dizer, não muitas. Francamente depois da revisão constitucional isso marca uma rotura, mas penso que o passo claro para todos é a eleição. [Fernando Rosas - Reeleição neste caso.] Alguns de nós ficámos mais cépticos mais cedo, mas penso que a reeleição do Tomás marca para todos a impossibilidade de conseguir fazer alguma coisa.
Fernando Rosas - Quais eram os vossos candidatos alternativos?
Magalhães Mota - Havia duas hipóteses. Uma era o general Spínola com quem tínhamos estabelecido contactos no funeral do José Pedro Pinto Leite, no funeral dos deputados que morreram na Guiné e depois contactos que foram mantidos através de elementos militares do grupo do general na Guiné que mantinham contactos, designadamente, com o Expresso, mas também com o Francisco Sá Carneiro no Porto e também através da Natália Correia. A Natália Correia chegou a ir à Guiné [Fernando Rosas – Era assim como intermediária?] Como intermediária para essas negociações. O Spínola pôs por um lado uma condição impossível. Queria quase um ‘agrément´ hierárquico, portanto precisava que o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas dissesse que sim. Era impossível, praticamente. E depois também alguns de nós não gostávamos demasiadamente dessa solução. Era o meu caso. Preferíamos uma solução civil como que continuávamos a decalcar modelos do próprio Regime, passava pela eleição do Marcelo Caetano. [Fernando Rosas - Exacto. Empurrar o Marcelo Caetano. Como sabe não era a primeira vez que a solução era ensaiada] Era do próprio Marcelo que estava envolvido nisso em relação ao Salazar e nós tentávamos fazer isso.
Fernando Rosas - Abordaram-no nesse sentido?
Magalhães Mota - Não o abordámos nesse sentido, mas abordámos muita gente. Especialmente nos meios económicos onde a hipótese tinha muito bom acolhimento.
Fernando Rosas - Quando fala em meios económicos em quem é que fala?
Magalhães Mota - Falo, por exemplo, no Dr. José Roquete que estava no Banco Espírito Santo na altura e que apoiaria uma hipótese deste género. Aliás tinha bastantes contactos connosco. Falo no José Manuel de Melo.
Fernando Rosas - E o Champalimaud como é que se posicionava face a essas questões. Ou não se posicionava?
Magalhães Mota - Nunca o abordámos o Champalimaud e eu sei que o grupo Champalimaud tinha contactos com o general Spínola que aliás tinha estado na Siderurgia. [Fernando Rosas – Exactamente] Tinha contactos. Portanto eram as duas tentativas. Qualquer delas fracassa e a partir daí nós convencemo-nos de que não havia nenhuma hipótese de modificação interna do Regime.
Fernando Rosas - Portanto a vossa actuação mudou na segunda parte, a partir de 72 em diante.
Magalhães Mota - Sim há uma perfeita clivagem nessa altura. Passamos a preocuparmo-nos muito mais em estabelecer laços com as oposições e com os militares. Em Janeiro de 73 é o Congresso do Combatentes e a primeira reacção pública dos militares. [Fernando Rosas – Dos militares, exacto] Mas já antes havia um clima de grande insatisfação e muitos contactos. Havia gente, por exemplo, que pedia para ir assistir a uma sessão da Assembleia [Fernando Rosas - Militares] Militares e portanto estabeleciam-se contactos [Fernando Rosas – Gente do Spínola? Homens do Spínola?] Não só, não só.
Fernando Rosas - Mas de quadros intermédios? Ou oficiais generais?
Magalhães Mota – Não. Oficiais generais só o marechal Costa Gomes.
Fernando Rosas - Havia contactos com o então general Costa Gomes? Ou ele também já era prudente nessa altura?
Magalhães Mota - Concretamente eu lembro-me dum contacto, mas já em 1974. O marechal Costa Gomes era visitante da casa de meus pais. No dia 14 de Março faz anos a minha mãe e o general estava lá. Foi o dia da saída dos generais. [Fernando Rosas - Dois dias antes de 16] Dois dias antes do 16 de Março. E falámos longamente sobre o Regime, as possibilidades do Regime, a evolução do Regime.
Fernando Rosas - Qual era a opinião dele?
Magalhães Mota - Ele estava na altura também extremamente descrente quanto às possibilidades do Regime evoluir.
Fernando Rosas - Foi mais ou menos na altura do juramento da “brigada do reumático”.
Magalhães Mota - Exacto, exacto.
Fernando Rosas - Portanto vocês entram em rotura. Agudiza-se a situação na Assembleia Nacional. Há aqueles confrontos célebres entre vários, Miller Guerra, Sá Carneiro. O Sá Carneiro sai, o senhor doutor não vai renunciar. Porque é que uns ficam e outros saem?
Magalhães Mota - Eu suponho que cada um fez um balanço mais ou menos. Não discutimos entre nós. Curiosamente houve pressões variadas que penso que todos tivemos quer para sairmos quer para ficarmos. Isso muitas. Mas as decisões foram individuais. O Sá Carneiro foi o primeiro, depois foi o Miller, houve ainda o episódio do discurso de homenagem ao Sá Carneiro feito pelo Pinto Machado que tem pormenores curiosos. Nós não sabíamos se íamos ter som. Tivemos que nos preocupar com isso. Estivemos a estudar o funcionamento das sessões mais agitadas da Assembleia da República, por isso fizemos a guarda às escadas de subida à tribuna.
Fernando Rosas - Havia a possibilidade de vos impedir de ter acesso à tribuna? A coisa estava a esse nível?
Magalhães Mota - Podia acontecer que já tinham falhado microfones nalgumas intervenções e o Diário das Sessões era censurado. Havia até requintes. Por exemplo, há um discurso, por acaso é meu, mas não tem sequer nenhuma relevância, senão o tema ser a Europa. Foi editado de tal modo no Diário das Sessões que o exemplar encadernado que está na biblioteca da Assembleia não contém o discurso. Como as bibliotecas se juntaram é possível tê-lo porque a biblioteca da Câmara Corporativa já o encadernara. Portanto esses pormenores iam a esses aspecto. Daí os cuidados.
Fernando Rosas - Portanto entra-se na altura em que vocês, à parte, alguns de vós começam a abandonar a Assembleia. Há o almoço com o professor Marcelo Caetano. Estamos em 72 ou 73. Não sei. Que homem é que vocês encontraram? Que interlocutor é que encontraram nessa altura? Um homem que se aproximava do fim? Um homem combativo? Qual foi...
Magalhães Mota – Não. A noção que eu guardo não era de quem queria a luta, manifestava alguma preocupação sem evidenciar muito em relação a que houvesse um processo de saídas sucessivas. Penso que ele não quereria isso e queria expor algumas queixas. No fundo ele achava que não o tínhamos ajudado e que nos tínhamos colocado tão imediatamente numa posição de oposição que não lhe tínhamos dado sequer margem de manobra. No fundo era e era mais uma posição recriminatória do que uma posição combativa.
Fernando Rosas - Mas dentro do outro campo, há muitas deserções. Digamos que aquele bloco pró-marcelista inicial vai-se desfazendo, não são só os liberais que saem, mesmo a nível económico, muitos dos jovens tecnocratas que tinham, começam a sair nessa altura. Vocês tinham articulação com esses jovens técnicos. Salgueiro...
Magalhães Mota - Sim, sim, sim. O João Salgueiro [Fernando Rosas - O Rogério Martins] era do nosso tempo, estava na SEDES, connosco todos na prática. O Xavier Pintado também tinha boas ligações connosco, eu era chefe de gabinete do Rogério Martins e fui-o até Setembro de 71. Saí na altura da revisão constitucional [Fernando Rosas – Essa componente sai também por razões políticas, no seu entender? Ainda que não tão explícitas como hoje] Acaba por ser também o verificar que o sistema também aí não ia evoluir.
Fernando Rosas – É porque o próprio Ministro da Economia e Finanças, o Dias Rosas, que era o que tinha no seu gabinete grande parte desse, na sua equipa grande parte desses homens ele também se vai demitir em relativa rotura, pelo menos pessoal, com o Marcelo Caetano. Acha que isso arrasta os outros ou não?
Magalhães Mota – Não. Eu penso que já havia antes alguns atritos entre os Secretários de Estado e o Ministro, mas aí nós nessa altura, para além dos contactos, com os Secretários de Estado e havia mais com quem lidávamos, o Dr. Martins dos Santos que estava no Fomento Ultramarino e que tinha muito boas relações com o general Spínola, o professor Veiga Simão deu-nos alguma cobertura, o Ministro da Marinha do tempo, que é hoje o almirante Pereira Crespo. [Fernando Rosas - Um homem da maçonaria.] Exacto. E que nos dava apoio e que por exemplo patrocinou, ainda que discretamente, algumas deslocações à Guiné na altura das negociações para a candidatura do general Spínola.
Fernando Rosas - A SEDES, vocês pensaram como um partido de oposição? Como uma oposição disfarçada?
Magalhães Mota - A SEDES [Fernando Rosas - Mas o Regime pensou.] O Regime claramente pensou, o Regime claramente pensou e assustou-se aquelas reacções pelo aparecimento da SEDES foram particularmente significativas. Aliás apareceram dois tipos de análise em relação à SEDES. Eram muito curiosas. Era um grupo que pensava que, ligada à extrema direita do Regime, que pensava que tínhamos ali um cavalo de Tróia e portanto aí é o Regime ser minado por dentro porque já tinha ali um embrião de um partido e depois havia também muita gente, inclusivamente amigos nossos, que pensavam que ia haver sim uma evolução do Regime, mas com características de liberalismo tecnocrático, mas que eles também não queriam, não queriam.
Fernando Rosas – Exacto. Com a sua afirmação está a dizer que a SEDES era politicamente assexuada.
Magalhães Mota - Não, não o que eu digo é que de algum modo a SEDES é uma certa continuidade do “Tempo e o Modo”, um lugar de encontro de vários grupos.
Fernando Rosas - Que grupos? Como é que os caracterizaria essas sensibilidades? Os liberais...
Magalhães Mota - Os liberais, propriamente. Aparece gente ligada ao Partido Socialista, o Vítor Constâncio, António Silva Gomes [Fernando Rosas - Próximos dos católicos] Também. Por isso é que a experiência é próxima do “Tempo e o Modo”, o António Guterres também foi da SEDES, parece toda essa gente. Aparece gente já mais ligada ao MDP, caso do Mário Bruxelas, do Diamantino Matos, portanto já vai aparecendo um leque relativamente alargado de contactos.
Locutora - E vamos ainda ouvir o professor Miller Guerra da ala liberal no debate da Assembleia Nacional sobre política colonial.
“Portanto eu volto um pouco atrás. É aqui nesta terra glorificada pela fidelidade à Igreja que no dia 31 de Dezembro alguns católicos, reunidos numa capela para discutirem a justiça, a paz e guerra, são expulsos do templo por ordem do Governo. Presos e como ainda não fosse pouco, como não fosse pouco demitidos dos seus cargos públicos”
Fernando Rosas - Dr. Magalhães Mota a nossa conversa já vai no segundo programa. Nós, ora essa, foi um prazer enorme tê-lo cá e provavelmente ainda o iremos ter cá agora para a sequência, ou seja, como é que isto aconteceu depois, como é que os liberais se vão transformar depois em PSD/PPD, Partido Popular Democrático, mas isso, provavelmente, vai ser objecto de outra conversa. [Magalhães Mota - Alguns protagonistas estão no PS.] Diga? Alguns no próprio Partido Socialista. Exacto. Isso, no entanto, vai ficar para terceiras núpcias, nós já vamos nas segundas. Queria agradecer-lhe a sua presença e o seu tão interessante esclarecimento.
Locutora – “Portugal, anos 60. O marcelismo: transição/rotura” contou com a colaboração do Dr. Magalhães Mota e do professor Fernando Rosas.
Fizeram este programa Pedro Veiga, Maria dos Anjos Pinheiro e Esmeralda Serrano.
(Programa gravado da Antena 2 no dia 6 de Março de 1998)
Transcrição: Ireneu Batista