Entrevista com Marechal Costa Gomes - Portugal, o marcelismo e questão colonial

ERA UMA VEZ UM MILÉNIO

Entrevista com Costa Gomes e Fernando Rosas
“Em tempo de mudança, a História do Século XX”

Por Fernando Humberto, Maria dos Anjos Pinheiro e Esmeralda Serrano.
 
“A fidelidade das populações das províncias ultramarinas, a ordem, a paz, o progresso por vezes frenético que nos seus territórios reina são para os fazedores do ódio um insulto a que procuram responder pela a subversão, pelo ódio. Repetidamente temos mostrado a quantos querem ver que estamos em África há muitos mais séculos do que têm de existência a grande maioria dos estados que votam contra nós nas Nações Unidas. Repetidamente se faz a demonstração de que em África...”
(Excerto de um discurso de Marcelo Caetano)
Portugal, o marcelismo e a situação militar nas colónias é o tema de hoje. Como sempre temos a colaboração do professor Fernando Rosas em conversa, hoje, com o marechal Costa Gomes. Memórias que são já história e que temos o privilégio de transmitir e partilhar com os nossos ouvintes.
Fernando Rosas - Senhor marechal, a nossa conversa de hoje é sobre a situação militar em África no período final do Regime, ou seja, no período marcelista. Qual era a sua percepção da situação e em que lugar estava para avaliar nessa altura.
Costa Gomes - Bom, eu estive com o professor Marcelo em três funções diferentes. a primeira e foi a altura em que ele tomou praticamente posse do governo, em que ele foi, fez aquela viagem relâmpago aos três teatros de operações. Eu era comandante terrestre das forças de Moçambique que nessa altura tinham uma projecção, sob o ponto de vista militar, maior do que qualquer das outras forças porque o comandante-chefe era ao mesmo tempo o governador da província e tinha um adjunto para as questões militares.
Fernando Rosas - Quem era o comandante-chefe, senhor marechal?
Costa Gomes - O comandante-chefe era, teoricamente, era o governador que era o general de aviação [Fernando Rosas - Já nos vamos lembrar mais à frente] Mais à frente. Bom, e o adjunto era o general que foi depois chefe do estado maior aqui. Como é que ele se chamava [Fernando Rosas - Não tem importância senhor marechal].
Fernando Rosas - O senhor marechal não era comandante-chefe.
Costa Gomes - Não, não era comandante-chefe, comandante das forças terrestres, mas praticamente era eu que conduzia as operações porque o governador tinha apenas um adjunto militar que era o tal general que agora não me recorda o nome, mas se me der um minuto eu vou ali buscar e recordo-me logo porque ainda tenho assento e tenho um livro desse tempo, mas não tinha estado-maior. Praticamente o estado-maior do comandante-chefe que era o governador era esse general, era o chefe do estado-maior que foi depois governador de Timor, o Pires, e tinha mais um oficial. Ora, com três oficiais não se podia dirigir coisa nenhuma, nem se podia projectar, nem imaginar operações, nem fazer qualquer acção militar que tivesse um certo... e que fosse capaz de operar num período que, sob o ponto de vista revolucionário não era muito agressivo, mas sob o ponto de vista da propaganda era porque esta revolução(?), como o senhor sabe, em Moçambique começou nos Macondes e como sabe os Macondes, muito antes de 1960, em 65 foi quando praticamente começou a guerra, mas em 60, o senhor Teixeira da Mota que era governador de Porto Amélia fez uma assembleia no planalto dos Macondes, exactamente porque já havia uma certa turbulência por causa da água, o planalto não tinha água e, por acaso, o governo gastou bastante dinheiro na rega, foi uma possibilidade dos Macondes terem água para beber, para as suas necessidades vitais. Mas claro que entrou à parte. O colonialismo apropriou-se daquilo que o governo e de quando em quando havia no planalto umas torneiras para eles irem buscar água e é claro que uns tantos espertos apoderaram-se destas torneiras e proibiram a água à população a 25 tostões cada receptáculo de água que eram as embalagens da gasolina. É claro que nessa altura isso era dinheiro porque um trabalhador empregado em Moçambique ganhava 50 escudos, mas o normal ganhava 25 escudos por mês e depois dava mais 15 tostões, 1500, portanto, 1escudo e 500 para a alimentação porque diziam que os indígenas só gostavam da alimentação deles que era a fuba e aquele óleo de amêndoa que eles faziam de amendoim.
Fernando Rosas - Em 1968-69 quando o Marcelo Caetano vai visitar Moçambique e o senhor marechal lá estava qual era a situação militar no terreno?
Costa Gomes - No terreno, nós tínhamos, realmente, feito um semi-milagre é que quando eu cheguei a Moçambique, a FRELIMO, principalmente constituída pelos Macondes, tinha penetrado até ao rio Lúrio O senhor está a ver onde está o rio Lúrio e nós sem grandes operações porque eu nunca fui apologista de grandes operações no Ultramar, aquela guerra era uma guerra muito especial, que muita gente compreendeu e ali não havia inimigo, o inimigo era a própria população. O resto não era conquistando uma cidade que nós melhorávamos a situação. Ora nós conseguíamos, realmente, fazer daquele rio, do Lúrio, como sabe, que foi um grande melhoramento. É claro que a distância do Messalo para o sul era muito maior, 200 e tal quilómetros mais ou menos do que se se tivesse a imaginar com todas as vantagens de poderem progredir com mais facilidade estando eu no Messalo.
Fernando Gomes - E era sua convicção que esses progressos podiam conduzir a qualquer coisa como uma vitória militar?
Costa Gomes – Não. Eu sempre, sempre mesmo na Abrilada e mesmo antes da Abrilada fui da opinião que nós nunca poderíamos ganhar a guerra no ultramar.
Fernando Rosas - E disse-o ao professor Marcelo Caetano nessa visita.
Costa Gomes – Disse-o ao professor Marcelo Caetano e tinha-o dito antes ao Salazar.
Fernando Rosas - E disse-o nessa altura, em 69?
Costa Gomes - Em 69, não posso garantir se disse ou não disse claramente, mas ele percebia muito bem que a minha opinião que era contra a guerra colonial, isso ele, se não fez de propósito parecia porque no seu discurso na Assembleia Constituinte [Fernando Rosas - Na Assembleia Nacional] Era Constituinte lá [Fernando Rosas – Ah! sim, sim] Legislativa da Província e outro no Palácio do Governador, ele disse, claramente, esta coisa que a política ultramarina ia mudar e que se ia dar autonomias, em especial, a começar pelas províncias de Moçambique e da Guiné.
Fernando Rosas - Isso caiu bem no seu espírito?
Costa Gomes - Caiu, caiu muito bem. Tinha reconhecido que a política ultramarina com o Marcelo Caetano ia mudar.
Fernando Rosas - O senhor marechal é chamado pelo Marcelo Caetano chefe do estado maior general pouco depois disso.
Costa Gomes - Eu depois disso vim para Lisboa, isto foi em 68, em 69 terminei quatro de comissão em Moçambique, dois e mais dois porque não foram bem quatro anos de comissão. Terminei a minha comissão e quando estava para me vir embora, o Comandante militar que era o Paiva Brandão, o general Pereira Brandão adoeceu muito gravemente e eu fiquei portanto praticamente a comandar a região e quando estava, quando se chegou à conclusão, o Paiva Brandão foi evacuado para a metrópole e eu, o então médico legista, era uma pessoa aqui da Universidade de Lisboa, ainda hoje é, disse-me claramente, disse-me várias vezes, este senhor já não chega a criar o filho mais novo, ele tinha um filho que tinha quatro anos.
Fernando Rosas - E o senhor marechal ficou a substituí-lo mais dois anos.
Costa Gomes - E eu fiquei a substituí-lo 
Fernando Rosas - Mais dois anos.
Costa Gomes - Não, não, não foi assim. Eu quando acabei a comissão, a primeira comissão, disse, acabei a comissão, cumpri a minha obrigação e agora vou como os outros passar um tempo à metrópole e vim. Mas estive cá apenas sete, nessa altura nem sete meses estive, muito pouco tempo porque eu também tinha estado doente, tinha vindo cá também evacuado e quando cheguei a Moçambique tive que substituir, forçadamente, o Paiva Brandão e nessa altura, o general Pina que era o Chefe do Estado Maior do Exército escreve-me uma carta, dizendo o seguinte. Eu tenho essa carta, está ali para o arquivo do 25 de Abril da Universidade de Coimbra. Você, nós sabemos, que tem sido você que tem, realmente, conduzido as coisas em Moçambique que é a província onde a situação militar tem melhorado mais e realmente, é real, porque um dos princípios que eu incuti logo a todos os meus subordinados, é o nosso inimigo não era a FRELIMO, nem era a coisa, o nosso inimigo era a população, mas nós só podíamos ganhar a população se realmente lhe déssemos qualquer coisa em troca.
Fernando Rosas - E nessa altura, entre os seus oficiais, discutia-se a perspectiva de uma solução política para a guerra.
Costa Gomes - Não, não se discutia. Não se discutia porque a maior parte dos oficiais, nessa altura, ainda tinha pouco calo da guerra, sabe. Ainda havia muitos oficiais que faziam a comissão militar pela primeira vez em Moçambique. Em Moçambique a guerra era recente. De maneira que não havia grande predisposição para acabar com a guerra.
Fernando Rosas - Mas no seu espírito essa questão estava presente.
Costa Gomes - Estava presente e eu punha-a sempre quando ia ao mato e eu ia muito passar a maior parte do tempo no mato dizia sempre. Nós não estamos aqui para matar ninguém, nós estamos aqui para ver se conseguimos apaziguar esta situação porque eu julgo que se nós pudéssemos conquistar as populações podíamos, talvez, encontrar uma solução para o problema em Moçambique porque o problema era muito especial. Em Moçambique havia apenas na altura 185 000 portugueses. Desses 185 000 portugueses, metade estava em Lourenço Marques, Maputo, um quarto estava na Beira e o resto estava disperso por aquela imensa província. Praticamente não havia portugueses a não ser os funcionários no resto da província. Quando fui para Moçambique não havia um especialista, um neurologista, não havia um operador, não havia um cardiologista e é claro que nós continuávamos a cometer o mesmo erro que já tínhamos cometido na expedição a Timor. A primeira e a segunda expedição a Timor e na expedição a Macau é que recrutávamos o pior possível o pessoal que ia para essas expedições porque havia uma ideia no Estado Maior do Exército que as expedições iam para combater e os combatentes melhores eram aqueles mais mal comportados. De maneira que o recrutamento não era feito sequer pelas especialidades. Basta que diga ao senhor professor que, levamos, por exemplo, para Macau uma bateria de artilharia em que não havia um único oficial, sargento ou praça que tivesse lildao com aquele material.
Fernando Rosas - Quando o senhor general regressa de Moçambique qual é a posição que vai ocupar?
Costa Gomes - Vou ocupar uma posição que deu aqui também muito que falar porque, sabe, a tropa tem as suas regras e ninguém gosta de ser [...]  Isso é realmente um hábito que talvez venha daquele atraso que se introduziu, que eu saiba, a seguir à primeira guerra mundial em que praticamente não havia promoções. De maneira que era muito perigoso alguém ultrapassar fosse quem fosse. Ora eu cheguei cá e puseram-me no Quartel Mestre. No Quartel Mestre, a terceira pessoa da hierarquia militar, o Chefe de Estado Maior, o Vice Chefe de Estado Maior e o Quartel Mestre. E o Quartel mestre, nessa altura, tinha uma importância enorme porque, praticamente, toda a logística dependia do Quartel Mestre, de maneira que a 
Fernando Rosas - E isso dava-lhe uma posição muito especial para avaliar o esforço de guerra no seu conjunto.
Costa Gomes - Para avaliar o esforço da guerra no conjunto e para saber que nós não tínhamos possibilidade de prolongar o esforço de guerra. Contei isso aos meus superiores porque a nossa...
Fernando Rosas - E eles como é que reagiam à sua inquietação?
Costa Gomes - À minha inquietação? Olhe. Ao princípio, muito mal e é claro que, por exemplo, o professor Salazar ficou muito chocado quando eu vim da Índia e lhe disse que a situação na Índia, sob o ponto de vista social, a melhor que tínhamos com certeza e que era uma boa altura para fazer um plebiscito e ele faz-me esta pergunta. Ma se fizermos um plebiscito o que é que, quais são os resultados que nós teremos? E eu disse-lhe. Olhe, se tivermos entre 7 a 8% podemos considerar-nos que tivemos uma grande vitória porque talvez nem isso porque na Índia havia seiscentos e tal mil habitantes e não havia seis mil que falavam português porque todos aqueles que falavam português e o inglês porque as escolas falavam mais inglês do que português iam para a União Indiana. Bombaim tinha muito mais portugueses do que tinha propriamente, do que tinha Goa.
Fernando Rosas - Portanto, isso era um ponto de vista seu que vinha a ser alimentado há muito tempo.
Costa Gomes - Há muito tempo, há muito tempo!
Fernando Rosas - E no quadro da situação marcelista continuou a expor essa inquietação, mas aparentemente isso não o prejudicou porque o professor Marcelo Caetano vai promovê-lo a seguir.
Costa Gomes – Não, não, não me promove, não me promove assim. O professor Marcelo Caetano dá-se depois de eu estar sete meses na Guiné [Fernando Rosas - No Quartel Mestre?] como Quartel Mestre, dá-se a vaga de Angola e Angola, ao contrário do que ele julgava que estava muito bem, estava muito mal.
Fernando Rosas - Estamos a falar, portanto, em 1970?
Costa Gomes - E 70, exacto. Estava muito mal. Bom, e eles precisam de um Comandante Chefe em Angola e é claro que o Ministro da Defesa que era o general Sá Viana Rebelo tinha estado, em comissão, em Angola antes, pouco antes do primeiro surto de revolução, de insurreição que houve, apontou-me como sendo a pessoa mais indicada para ir comandar Angola.
Fernando Rosas - Para Comandante Chefe.
Costa Gomes - Para Comandante Chefe e fui para Comandante Chefe de Angola e só depois de ter feito vinte e oito meses em Angola é que vim então chamado para Chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
Fernando Rosas - Como Comandante Chefe em Angola teve possibilidade de contactar com o Ministro da Defesa, com o Ministro do Ultramar, com o Presidente do Conselho, seguramente.
Costa Gomes - Com o Presidente do Conselho só por escrito, com o Ministro da Defesa esse ia lá várias vezes.
Fernando Rosas - Ainda não era o Silva Cunha?
Costa Gomes – Não, ainda não era o Silva Cunha.
Fernando Rosas - Ainda era o Sá Viana Rebelo.
Costa Gomes - O Sá Viana Rebelo, mas uma das vezes fomos os dois. O Sá Viana Rebelo e o Silva Cunha ia mais vezes ao Ultramar do que o Sá Viana Rebelo o que é que sabe, eu fiquei
Fernando Rosas - Como é que eles avaliavam o problema perante as questões que lhes levantava?
Costa Gomes - Muito mal porque estavam convencidos, isso era opinião também do Sá Viana Rebelo é que os nossos colonialistas eram muito diferentes dos colonialistas [Fernando Rosas - Tinham essa teoria exactamente] E o Sá Viana Rebelo no dia 13 ou 12 de Março de 1960 fez uma conferência nos Altos Comandos, fez uma conferência nos Altos Estudos Militares em que garantia que em Angola nunca haveria uma situação como houve no Congo Belga a que ele tinha assistido porque quando era Governador de Angola foi que se deu a revolta e a insurreição do...
Fernando Rosas - E acha que esse ponto de vista do Sá Viana Rebelo era o ponto de vista dominante nos altos comandos das Forças Armadas?
Costa Gomes - Nos altos comandos das Forças Armadas, nessa altura não era, mas também não havia a convicção que a guerra estava para vir.
Fernando Rosas - Não havia essa convicção.
Costa Gomes - Não havia essa convicção.
Fernando Rosas - Que era a sua?
Costa Gomes - Que era a minha, sim. Que dizia ser. Bom...
Fernando Rosas - Isso devia-lhes causar muito embaraço, a eles?
Costa Gomes - Tanto embaraço que em todos os conselhos de Defesa Nacional que se faziam com o Marcelo Caetano, semanalmente, eu sentava-me à esquerda dele, [...] o Ministro da Defesa, mas ficava sempre ao lado dele e quando ele falava acabava sempre a minha prelecção por dizer que era preciso acabar com a guerra porque íamos perder a guerra, a guerra estava a ser perdida de dia para dia. O único sítio onde não havia praticamente guerra e que ele me dizia, mas como é que você pode dizer isso se você pacificou Angola? Realmente eu saí de Angola numa situação privilegiada porque consegui quebrar o MPLA, consegui atirar a FNLA para fora das fronteiras de Angola e consegui que a UNITA não chateasse. Não sei se o senhor professor sabe. Fiz, praticamente, um acordo com a UNITA. A UNITA nunca mais nos chateou, antes pelo contrário. Favorecia.
Fernando Rosas - Não obstante, isso não lhe dava um especial optimismo.
Costa Gomes - Não. Não dava optimismo nenhum e eu dizia sempre. Isto é fictício porque as nossas fronteiras quer terrestre quer marítima, mas sobretudo a terrestre em Angola eram dois mil e tal quilómetros, perto de três mil. Tanto no Zaire como na Zâmbia que eram os países fronteiros, nós sabemos que há centros de recrutamento e de instrução dos movimentos separatistas. Eles têm uma vantagem enorme, nós não podemos ultrapassar a fronteira. Um dia que atravessarmos a fronteira sucede-nos o mesmo que sucedeu na Guiné, com o Senegal e com a Guiné Conacri. De maneira que estávamos proibidos. De resto era uma proibição de não ultrapassar as fronteiras.
“Repetidamente temos mostrado a quantos querem ver que estamos em África há muitos mais séculos do que têm de existência a grande maioria dos estados que votam contra nós nas Nações Unidas. Repetidamente se faz a demonstração de que em África...”
(Excerto de um discurso de Marcelo Caetano)
Locutora - As memórias do marechal costa Gomes em conversa com o professor Fernando Rosas continua na próxima semana, memórias que são já história.

(Programa gravado da Antena 2 no dia 27 de Março de 1998)

2ªParte

Costa Gomes - [...]
E ele dizia:
-  Não há guerra.
-  Mas o senhor ministro tem algum tratado dos países limítrofes.
-  Não, também não é preciso.
-  Ai não! Pois olhe se não tem nenhum tratado com os países limítrofes, o senhor ministro fica a saber que dentro de muito pouco tempo tem um surto, um surto militar em Angola.
Fernando Rosas - E foi o que aconteceu.
Costa Gomes - Olhe, eu ainda estava cá. Ainda estava cá quando isso sucedeu. E ele ficou muito admirado. Como é que você adivinhou? É lógico pois eles têm a fronteira com os países todos que nos rodeiam a seu favor, têm lá os seus centros de instrução, os instrutores que vêm de toda a parte. Naquela altura tinham instrutores israelitas, tinham instrutores iugoslavos, tinham instrutores russos, chineses, argelinos e de Marrocos. Tinham uma data de gente que estava em diversos pontos a dar instrução aos diferentes movimentos. Por exemplo, a UNITA, o principal fornecer de instrução durante algum tempo, foi a China, mas, por exemplo, a FNLA, eram os americanos [Fernando Rosas – Claro] Os marroquinos, foram os algerianos e quem mais, e os [...] da FNLA.
Fernando Rosas - Quer dizer que essa situação de reversibilidade em Angola também aconteceu um pouco em Moçambique quando o senhor marechal saiu de lá.
Costa Gomes - Imediatamente, imediatamente. Em Moçambique não gosto de estar a dizer mal das pessoas tanto mais que eu acho que ele é uma pessoa muito inteligente, mas militarmente, realmente, o Kaulza de Arriaga encarou da pior forma a situação militar em Moçambique.
Fernando Rosas - Já li algures que fez uma guerra tipo Vietnam, à americana.
Costa Gomes – Exactamente, à americana. Bom, ele quis ganhar a guerra militarmente e fez aquela operação Nó Górdio que foi muito projectada aqui em Lisboa e muito reclamada em que ele declarou que, praticamente, tinha desfeito a FRELIMO e é claro que isso
Fernando Rosas - A FRELIMO limitou-se a sair de um lado e a atacar dum outro.
Costa Gomes - E a atacar noutro e mais, é que nesse Nó Górdio nós perdemos cento e tal homens e a FRELIMO só perdeu dois numa operação que demorou três ou quatro meses.
Fernando Rosas - Militarmente como é que consideraria essa operação. Um fracasso?
Costa Gomes – Enorme. Um fracasso completo. Eu, a operação Nó Górdio, acho que foi um fracasso completo.
Fernando Rosas - O senhor marechal era nessa altura Chefe do Estado Maior General.
Costa Gomes - Nessa altura do Nó Górdio não era.
Fernando Rosas – Não era. Ainda não era.
Costa Gomes - Ainda não era, mas mesmo que fosse, sabe que o Chefe do Estado Maior não tinha acção nenhuma sobre as tropas que estavam no Ultramar. O responsável pelas operações, pela parte operacional [Fernando Rosas - Eram os Comandantes Chefes] Não eram, era o Ministro da Defesa. O Ministro da Defesa é que praticamente instruía ou dava instruções ou directivas aos Comandantes Chefes.
Fernando Rosas - E tinha que aprovar os planos de operações?
Costa Gomes - Quem?
Fernando Rosas - O Ministro da Defesa.
Costa Gomes – Bom, teoricamente tinha.
Fernando Rosas - Numa operação com essa envergadura, como a Nó Górdio, é aprovada pelo Ministro da Defesa.
Costa Gomes - Eu não sei, não sei, mas julgo que não, julgo que não. Mas devia ser, devia ter sido aprovada pelo Ministro da Defesa, mas se foi ou não tenho esses dados.
Fernando Rosas - Enquanto foi Chefe General das Forças Armadas teve oportunidade de, em privado, ou seja a sós, falar com o professor Marcelo Caetano sobre os seus pontos de vista acerca da questão do Ultramar.
Costa Gomes - Bem, isso tinha falado algumas vezes. Não muitas vezes porque o professor Marcelo Caetano quando sentiu que eu era contra a guerra.
Fernando Rosas - Mas ele não tinha percebido as suas reservas antes de o nomear?
Costa Gomes - Não sei. É claro que eu julgo que ele ficou um pouco ofuscado com o êxito que eu tive em Angola e sabia que em Moçambique, durante o tempo que lá estive, também a situação tinha, militarmente, mudado.
Fernando Rosas - Portanto, não foi tanto pelas suas reservas à relação à guerra, mas pelos seus sucessos militares que ele o terá nomeado.
Costa Gomes - Talvez, talvez fosse por isso porque depois nós estávamos praticamente sempre em desacordo e houve uma coisa que foi uma pena, foi terem-se distribuído todas as actas o Conselho Superior de Defesa Nacional. [Fernando Rosas - Destruíram-se] Destruíram-se foi o chefe, os dois adjuntos de Marcelo Caetano. Um deles era, não me lembro agora o nome dele, um rapaz baixinho, advogado, e o outro era o comandante Lanhoso em que o comandante Lanhoso assistiu a todas estas reuniões e o Marcelo Caetano quando chegava ao fim da reunião dizia ao Lanhoso, o senhor não publica esta última parte do Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas.
Fernando Rosas - Não publica, quer dizer, não escreve a acta. Não lança em acta.
Costa Gomes - Mas apesar disso sempre ficava na discussão alguma coisa e essas actas desapareceram.
Fernando Rosas - O senhor marechal sentia-se portanto em minoria no Conselho de Defesa.
Costa Gomes - Não era em minoria, era isolado.
Fernando Rosas - Claro. O general Spínola chega alguma vez a participar nos Conselhos de Defesa?
Costa Gomes – Não.
Fernando Rosas - Como vice-Chefe do Estado Maior não tinha assento.
Costa Gomes - Não tinha assento.
Fernando Rosas - Mas o senhor marechal, a páginas tantas, terá encontrado no general Spínola um interlocutor que se aproximava dos seus pontos de vista.
Costa Gomes - Nalguns aspectos, nalguns aspectos. É claro que quando, eu fui chamado três vezes, em 1973, à Guiné, pelo general Spínola. Uma das vezes, a última das vezes, estava num banquete que o Governo tinha oferecido ao duque de Edinburgh e saí do banquete directamente para ir para Angola, convencido que ia fazer a entrega da Guiné ao PAIGC porque foi é claro na altura em que houve aqueles dois grandes ataques do PAIGC, um a Milange, outro a Gadamael [Fernando Rosas - Exactamente] em que perdemos uma data [Fernando Rosas - E que foi retirar e abandonar o terreno] Mas aquilo era inevitável porque é claro que a situação estava muito mal e mais uma vez, mais uma vez, disse ao general Spínola, diante de todo o seu Estado Maior. Eu ia sempre quando ia à Guiné, acompanhava sempre o general Spínola em todas as suas deambulações pela Província, mas no fim fazia sempre uma reunião em que ouvia a opinião do seu Estado Maior e eu dava a minha opinião e em todas as vezes eu preconizei uma coisa que o general Spínola concordava, teoricamente, em princípio, mas depois não fazia que era retirar todas as tropas que estavam sobre a fronteira. O problema era muito simples é porque eram as tropas que estavam sobre a fronteira só apanhavam, não tinham espaço sequer para poder actuar. De maneira que eu recomendei sempre que retirasse. Eu tinha umas normas especiais, não pôr tropas perto da fronteira, não pôr tropas onde não houvesse água, não pôr tropas onde o clima fosse de tal maneira mau que, realmente, as tropas estavam mais doentes, quer dizer, havia maior número de doentes do que gente sã. De maneira que isso foi...
Fernando Rosas - E do ponto de vista da perspectiva, o general Spínola partilhava da sua visão da situação?
Costa Gomes - Partilhava em parte, quer dizer, ele foi, não sei se eu tive assim grande influência, mas tive alguma com certeza, na publicação do livro que ele fez de “Portugal e o futuro”. É claro que ele deu um parecer favorável e dei um parecer favorável embora não concordasse com a forma como ele queria fazer a descolonização e por uma razão muito simples. É que o general Spínola que era, sem dúvida nenhuma, um homem obcecado, patrioticamente obcecado, queria, realmente, não abandonar completamente o ultramar, mas fazer uma federação. [Fernando Rosas - Transformá-lo numa espécie de comunidade.] Numa comunidade de estados federados, mas claro que isso talvez tivéssemos podido fazer em 195.., depois da guerra, 45, entre 45 e 50, talvez pudéssemos.
Fernando Rosas - Na altura em que a França fez.
Costa Gomes - Na altura em que a França pretendeu fazer. [Fernando Rosas - Pretendeu fazer, exactamente] Mesmo assim eu duvido que pudéssemos ter um grande sucesso, mas não há dúvida nenhuma que essa a minha ideia, embora eu julgasse que Índia, Macau e Timor, mas eu julgo que já não íamos a tempo, sabe, mas, mesmo depois, mas...
Fernando Rosas – Portanto, a discordância do general Spínola consigo é que o senhor marechal, aparentemente na altura queria ir mais longe desde logo.
Costa Gomes - Desde logo. Acho que naquela altura em que nós realmente fizemos e eu o chamei para sub-Chefe do Estado Maior porque eu chamei-o só por alguma razão, é porque o general Spínola não foi aceite no Exército. Não sei se sabia disso. E o Governo estava atrapalhadíssimo para lhe arranjar uma colocação.
Fernando Rosas - Mas não foi aceite porquê, senhor marechal?
Costa Gomes - Foi essa a razão, não havia outra porque havia vários lugares em que ele poderia ser colocado, Comandante da Escola do Exército, a Academia Militar, como Inspector Geral do Exército, nessa altura existia e que nunca tinha sido ocupado, como chefe duma região militar, enfim havia muitas.
Fernando Rosas - Não teria o Governo algum receio em lhe dar poder operacional.
Costa Gomes – Eu julgo que não. Eu julgo que nesse aspecto, nesse aspecto o Governo não teve grande influência. O Exército e sobretudo a camada superior, quer dizer, os generais que estavam na cúpula da hierarquia militar é que realmente tinham um certo...
Fernando Rosas - Além do general Spínola e de si próprio, do marechal Costa Gomes, seria hoje capaz de indicar mais algum nome de algum oficial general que partilhasse das vossas dúvidas e inquietações em relação ao futuro do Ultramar.
Costa Gomes - Bom, o único que compreendia, na minha opinião, era uma pessoa que estava ligadíssima ao Marcelo Caetano que era o general Betencourt Rodrigues. O general Betencourt Rodrigues era uma pessoa muito inteligente, um belíssimo militar e que viu bem a dificuldade que teve para no Leste, ele foi o Comandante da zona Leste, no Leste via a dificuldade que teve [Fernando Rosas - No Leste de Angola] e eu estou convencido que , eu nunca falei com o general Betencourt Rodrigues sobre isso. Embora gostasse muito dele, ele ia muitas vezes a minha casa, falávamos muitas vezes nas dificuldades que a guerra colonial tinha, ele sabia muito bem, tão bem como eu, que a situação, embora nos fosse favorável na altura em que foi, em que ele foi o Comandante da Região Militar Leste, era uma situação que não era definitiva, que era provisória e portanto eu não tenho dúvida. Sem nunca ter discutido esse assunto abertamente com ele, mas não tenho dúvida que ele estava convencido que a guerra colonial era...
Fernando Rosas - Mas não tirou dessa compreensão as conclusões que o senhor marechal e o general Spínola eventualmente terão tirado.
Costa Gomes - Não, ele, sabe, ele, como digo, ele estava ligado por laços de amizade ao professor Marcelo Caetano e foi só por isso, e foi só por isso que ele aceitou ir substituir o general Spínola na Guiné. Isso disse-me directamente.
Fernando Rosas - Pode-se dizer portanto que nas vésperas do 25 de Abril a maioria dos oficiais superiores e dos Comandos das Forças Armadas não punha em causa a política de guerra e a política de condução da guerra.
Costa Gomes - Não punha em causa, mas não acreditava que nós pudéssemos continuar o esforço de guerra.
Fernando Rosas - Era um comportamento de disciplina sem entusiasmo.
Costa Gomes - De disciplina sem entusiasmo, claro. Porquê? E por uma razão muito simples. Eles sabiam muito bem que a partir de 1970 nós não tínhamos possibilidade sequer de mobilizar o pessoal para a substituição daquelas unidades que estavam no ultramar. De maneira que é claro a quebra militar tinha que se dar fatalmente.
Fernando Rosas - Senhor general, para entrarmos na parte final da nossa conversa, quando é que começou a ouvir falar da preparação de um movimento militar por parte dos oficiais intermédios.
Costa Gomes - Bom, ouvi falar assim de boca, isso ouvi vários. Vários nas visitas que fazia de vez em quando às unidades. [Fernando Rosas – Ele falavam] Falavam pessoalmente e sabendo bem que eu não os ia denunciar, nem os ia tirar dos seus postos. Por exemplo, uma pessoa com quem falei mais do que uma vez foi com o antigo ministro dos negócios estrangeiros, o Melo Antunes. Duas ou três vezes fui visitá-lo à sua unidade e sabia muito bem que o Melo Antunes era contra a guerra colonial e discutíamos e falávamos sobre isso e claro que nunca...
Fernando Rosas - Portanto o senhor marechal apercebeu-se que alguma coisa estava a mexer-se, ou estava a andar.
Costa Gomes - Não, não. Eu só me apercebi que as coisas estavam a dar-se depois daquela reunião que houve no Porto sobre [Fernando Rosas - A reunião dos combatentes] A reunião dos combatentes, aí, a partir daí, é que eu me apercebi que havia uma grande corrente.
Fernando Rosas - E é a partir daí que o movimento começa tomar [Costa Gomes - O movimento começa a tomar forma] forma, mais consistência. Exactamente. Da parte, enfim, do que viria a ser o MFA alguém o informou que se ia passar a acção militar.
Costa Gomes - Bom. Directamente ninguém me informou, mas indirectamente, quer dizer, os meus ajudantes, o chefe de gabinete, davam-me assim umas deixas, davam-me umas deixas. Mas, directamente, ninguém me disse.
Fernando Rosas - O senhor sabia que no dia 25 de Abril a tropa ia sair para a rua? Não sabia.
Costa Gomes - Não sabia, nem o próprio general Spínola o sabia. A tropa saiu para a rua a 25 de Abril um bocado precipitadamente por causa do 16 de Março. O 16 de Março é que provocou a saída mais rápida do 25 de Abril porque a saída para a revolução só estava projectada para Maio.
Fernando Rosas - Porque é que não aceitou a presidência da Junta de Salvação Nacional, que tanto quanto se sabe, vi escrito em vários sítios, lhe foi oferecida pelos capitães.
Costa Gomes - Bom. Não aceitei por um motivo simples. De todas as pessoas que estiveram no Ultramar com lugares, enfim, de destaque, sobretudo de Comando Chefe, eu fui o único que nunca tive aqui em Lisboa um escritório, nem um grupo que fizesse a minha propaganda. O Spínola tinha, o Kaulza tinha, usando vários meios até. Alguns deles inconcebíveis porque a propaganda fazia-se não só através de certos jornais, “A República”, o Rego começou a dar as suas deixas a favor do Spínola, mas havia outros. Bom, havia os jornais da direita que davam sempre um apoio mais ou menos coberto ou encoberto à continuação da guerra no Ultramar. É claro que havia um grupo, sobretudo de proprietários e de capitalistas que não lhes convinha que ...
Fernando Rosas - E essa razão é que o levou a não aceitar a presidência da Junta.
Costa Gomes - Foi, foi porque eu estava convencido que o Spínola, com as suas ligações aos jornais e aos políticos [Fernando Rosas - Ia fazer a vida negra, no caso do senhor marechal aceitar.] Não, a mim não era isso bem que eu tinha medo. Eu o que tinha, o que estava convicto e isso foi um engano tétrico, é que o Spínola que tinha um apoio maior, muito maior dos políticos do que tinha.
Fernando Rosas - Quer dizer, achou mais conveniente para a nova situação política que ele assumisse a presidência da Junta. 
Costa Gomes – Foi um erro. Eu hoje reconheço que foi um erro político porque é claro que o Spínola tinha uma ideia que era inexequível na altura. Queria fazer a tal federação dos estados de expressão portuguesa que era impossível e custou muito a convencê-lo a fazer aquele decreto 13/74 que admitia a autonomia e até a independência.
Fernando Rosas - Em que momento é que, e esta é a minha última pergunta, em que momento é que o senhor marechal compreendeu que a hierarquia normal de comando se tinha rompido após o 25 de Abril. Em que momento é que percebeu que qualquer coisa na cadeia de comando tinha sido rota com o movimento militar.
Costa Gomes - Não foi rota, foi separada porque, realmente, a ideia do Spínola de levar por diante a sua ideia política foi o principal motivo para a divisão do MFA e é claro que isso foi prejudicialíssimo a este país. A constituição dentro do MFA de dois grupos, um grupo spinolista e um grupo antispinolista foi terrível porque praticamente começaram a colidir em muitos pontos e isso...
Fernando Rosas - Talvez isso fosse inevitável, em certo sentido.
Costa Gomes - Eu julgo que talvez se o Spínola não tem sido tão obcecado nas suas ideias talvez se tivesse evitado porque ele, não sei se o senhor professor sabe, ele por mais de uma vez quis pedir a sua exoneração e eu insistia com ele sempre porque a primeira pessoa a quem vinha comunicar era a mim sempre. Aguenta-te porque estamos metidos num barco em que não podemos recuar.
Fernando Rosas - Senhor marechal e esta vai ser mesmo a última pergunta. Como é que hoje, à distância, meditando sobre a sua experiência de então, como é que hoje classifica e avalia o professor Marcelo Caetano como primeiro ministro.
Costa Gomes - Bom como primeiro ministro eu acho que o professor Marcelo Caetano foi muito fraco, foi muito fraco porque não tinha poder de decisão nenhum. Embora fosse das pessoas mais inteligentes com quem eu lidei, que realmente conseguia apanhar muito bem e sintetizar muito bem aquilo que se dizia numa reunião, o que achei é que depois não tinha força moral para ditar aquilo que acho que devia ter feito.
Fernando Rosas - Não terá sido portanto um homem à altura das circunstâncias.
Costa Gomes - Acho que não, acho que não foi. Foi realmente uma pena porque, de facto, talvez se tivesse arranjado um homem, não sendo completamente dependente do professor Marcelo Caetano fosse na altura em que o Salazar caiu da cadeira e fez aquele hematoma que praticamente o inutilizou que havia outras pessoas capazes de, com mais energia [Fernando Rosas - Por exemplo] Por exemplo, aquele professor da Faculdade de Medicina, o Miller Guerra. Acho que sim.
Fernando Rosas – Muito bem. Muito obrigado.
Locutora – “Portugal, o marcelismo e a questão colonial”, contou com a participação do professor Fernando Rosas em conversa com o marechal Costa Gomes. Na próxima semana o tema vai ser “O marcelismo e as oposições. O Partido Socialista”. O convidado, professor António Reis.
Fizeram este programa Fernando Humberto, Maria dos Anjos Pinheiro e Esmeralda Serrano.

(Programa gravado da Antena 2 no dia 3 de Abril de 1998)
Transcrição: Ireneu Batista