Entrevista com Coronel Aventino Teixeira - Memórias do Coronel Aventino Teixeira: A preparação do 25 de Abril

ERA UMA VEZ UM MILÉNIO

Entrevista com Aventino Teixeira e Fernando Rosas
“Em tempo de mudança, a História do Século XX”

Por Armando Pinho, Maria dos Anjos Pinheiro e Esmeralda Serrano.
 
 
Continuamos com os depoimentos dos militares que participaram activamente na preparação e concretização do golpe militar do dia 25 de Abril de 1974. Depois das memórias do coronel Carlos Fabião, Fernando Rosas conversa com outro convidado, o coronel Aventino Teixeira. Durante dois programas vamos ter o 25 de Abril segundo a visão de Aventino Teixeira.
Fernando Rosas - Muito boa tarde coronel Aventino Teixeira. Uma das presenças mais emblemáticas da conspiração e do período revolucionário. Começarei por perguntar-lhe um pouco o que tenho perguntado a todos os intervenientes. Como é que para si apareceu a conspiração dos capitães, como é que apareceu lá metido nela e como é que a encarou quando o vieram convidar para intervir nisso.
Aventino Teixeira - Bom, como começou, muito bem referiu, a conspiração dos capitães pois ela começou por virtude da, em princípio, de reivindicações, como toda a gente sabe, corporativas. Os capitães, os ditos capitães cansados de uma guerra, Portugal estava triste, estava numa guerra colonial que, eventualmente, na história moderna exigia mais dos militares do Quadro Permanente do que em termos militares do que os demais. Eu sei que os milicianos é que davam ao litro é uma história que sendo verdadeira, não corresponde ao cansaço dos capitães porque os milicianos, num batalhão, por exemplo, havia mais milicianos do que militares do Quadro Permanente, mas os milicianos sacrificados na sua vida privada, na sua vida particular: uns deixavam os cursos, faziam apenas uma comissão. Se faziam duas é porque já queriam. Os capitães e eu refiro-me aos capitães que passaram a guerra desde subalternos iam já alguns deles na quinta comissão e portanto quando o poder político que não aguentado mais com a saturação dos capitães, a saturação dos capitães em termos pessoais, para além da saturação porque eles não acreditavam na guerra que estavam a fazer. Falaremos disso mais tarde. Os capitães saturados quando vêem que o poder político, nomeadamente, a facção militar do poder político, nomeadamente portanto o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o general Costa Gomes, fazem uma lei no sentido de reforçar os Quadros Permanentes porque volto como disse há bocado porque talvez não me tenha explicado bem, nunca uma guerra colonial foi tão perseguida com Quadros Permanentes como a de Portugal, nem sequer a do Vietname. Os americanos mandavam os generais do Quadro Permanente lá estudar a guerra e na realidade os comandantes [...] recrutados da sociedade civil com preparação, é evidente, e aqui toda a gente fugia da guerra justamente e os capitães tinham que fazer quatro comissões, cinco comissões, mas quando pedem, quando exigem, ou melhor quando o poder político faz a lei em que os milicianos já tinham feito uma comissão podem ingressar na Academia Militar e pôr-se ao lado e em determinadas situações por cima em termos de regalias dos oficiais do Quadro Permanente aqui começa a insatisfação. De resto, isto é o aspecto corporativo, de resto a primeira lei que sai não atinge só, não actua só sobre os capitães, é capitães e majores. Os majores, entretanto, movimentam-se, os oficiais superiores e a lei é alterada. Ficaram os capitães isolados portanto em situação de desfavor. Esta é a razão por que começa, digamos, a razão interna, a razão corporativa que leva ao movimento dos capitães.
Fernando Rosas - O Aventino Teixeira é um homem de qualquer maneira bastante politizado, já na altura acreditou que se pudesse evoluir daí para outra coisa, quer dizer, ou teve uma reacção...
Aventino Teixeira – Eu só queria isso. Não, não, não, calma aí. Eu acreditei, só o queria, só o desejava ao ponto de entrar nas reuniões. Em primeiro lugar, os oficiais da Administração Militar, os capitães da Administração Militar não eram atingidos pelo Decreto, os ofendidos, os atingidos eram os de Cavalaria, Infantaria e de Artilharia. Nem Engenharia, nem Administração, isto referindo-me aos oriundos da Academia Militar, da Escola do Exército e vieram perguntar-me. Como sabe, eu estava nessa altura nos Altos Estudos Militares, por volta de 73, portanto quando começa o IMET, quando nós começamos a fazer o programa, o programa do MFA. Quando nós, eu sublinho o nós. O nós porque diz-se que o programa é do Melo Antunes. O programa é de muitos de nós assim como o Documento dos Nove que quiseram até que fosse de Melo Antunes, é de muitos de nós. [Fernando Rosas – Exacto.] E eu estou-me nas tintas, eu que sou o autor do Documento dos Nove. [Fernando Rosas - Já teremos oportunidade de falar nisso.] Já vamos lá, já vamos lá. Portanto, e temos que lá ir. [Fernando Rosas - Claro.]. Portanto, estava eu a dizer que a...
Fernando Rosas - A politização do movimento de corporativo em outra coisa qualquer.
Aventino Teixeira – Exactamente, essa politização é logo por mim tentada. Isto é, eu entendia que o Movimento dos Capitães que todos os capitães, mesmo os não prejudicados deviam aderir, devia ser um movimento para derrube do Regimen. Bom, ao ponto de, mais tarde, aliás durante a conspiração o Máris Fernandes, o major Máris Fernandes, um dos mais insignes conspiradores porque estava no meio dos dois, assim como o Hugo dos Santos, me veio dizer para eu me retirar das reuniões porque a PIDE dizia que comigo lá eu estava a incitar o Movimento para derrubar o Regimen. Dizia e depois eu vi nas fichas da PIDE, aliás o doutor Fernando Rosas andou por lá, se não existe o que eu li na presença do Eugénio de Oliveira que é o actual grão-mestre da maçonaria é porque eles alteraram e eu não tenho dúvidas de que alteraram muita coisa, mas a PIDE dizia cautela com o major Aventino que conclamou os capitães na Escola Prática de Santarém para não se ficarem por um mero golpe reivindicativo, mas sim por necessidade naquele momento, com as condições históricas que existiam exteriormente e internamente para derrubar o Regimen e então pediram-me para eu me afastar, cuidadosamente.
Fernando Rosas - Quem é que na sua opinião dentro do Movimento, chamemos assim, fazia política. O Aventino representa uma certa política. Não havia já também, chamemo-lhes assim, os spinolistas a também quererem de alguma maneira estar presentes. Quer dizer...
Aventino Teixeira - Naturalmente, naturalmente. Os spinolistas e até os kaulzistas, não é. Isto é,...
Fernando Rosas - Fazia-se mais política do que parecia, no fundo.
Aventino Teixeira - Claro, é evidente. É evidente que a uma determinada altura em que, na realidade, há três grupos de pessoas a tentarem montar, em termos de buzinão, a aproveitar... Eu vi isso há quatro anos, veio na Internet, a entrar no buzinão da ponte, isto é, já era irreversível aquilo e então havia uns que, como eu e a PIDE confirmou, queriam que o Movimento derrubasse o Regimen, havia outros como a polícia política e o Marcelo Caetano está mais do que demonstrado o que eu afirmo desde o 25 de Abril que o Marcelo Caetano estava dentro do golpe. É evidente que quando ele diz em Fevereiro, quando ele lê o livro do Spínola que ele tinha avalizado, avaliado e avalizado estava dentro do golpe. O que o Hugo dos Santos disse aqui vai dizer é que o Hugo dos Santos nos documentos que tem é que o Marcelo conhecia todas as assinaturas dos militares, o Marcelo, conhecia, sabia como estava o Movimento. Enfim, e o Marcelo Caetano, coitado, quando vê que o livro, isto veio no “Diário de Notícias”, quando vê o livro, pá, diz, isto é irreversível, pá. Enfim, porque já não pôde. Bom, e a terceira. Esta é a segunda e a terceira, exactamente, os que são apresentados historicamente, poderemos chamar, o Kaulza que também tentou entrar no Movimento, mas foi arredado dele antes mesmo do 16 de Março [Fernando Rosas – Exactamente.] por aviso dos spinolistas, por acções concretas no Instituto de Altos Estudos Militares do Fabião. [Fernando Rosas - Ele já nos contou também.] Como vê, eu nem fiz, nem vejo o Fabião há muito tempo, mas destas três correntes, uns que queriam mesmo derrubar o Regimen. É claro que o Melo Antunes, por exemplo, da minha perspectiva, querendo embora derrubar o Regimen, como eu queria, digamos que era mais moderado e foi muitíssimo mais importante na conspiração porque numa reunião, por exemplo, com o Vasco Lourenço, com o Otelo, o Hugo dos Santos e outros camaradas, pá, quando disseram, quando eu perguntei, mas porque é que metem o general Costa Gomes e o Spínola nisto. O Costa Gomes é que é o responsável pela tentativa de meter mercenários no Quadro Permanente, na guerra. Nós temos é que combater o colonialismo, a guerra, e o Otelo responde ou um deles: - Se nós não metemos generais, o povo não acredita em nós. Então chamem-lhe o Movimento dos Generais. Mas não chamaram, continuaram. Eu estive arredado daquela história toda e o Melo Antunes, portanto, conseguiu aguentar isto tudo. Isto é, o Melo Antunes aguentou porque não foi afastado, isto é, teve mais cuidado, mas fez o programa, é o principal responsável pelo programa do MFA, eventualmente...
Fernando Rosas - O Aventino participou na discussão política do programa.
Aventino Teixeira – Claro, claro, claro. É no Algarve com o Melo Antunes, com o Fabião, com o Almeida Bruno, com o coronel Belfo e com outros porque estávamos todos num curso dos Altos Comandos, estávamos todos nos Altos Estudos Militares e claro ele dizia-nos, vamos fazer o programa, vamos ter com o Mota Amaral. Eu entendo que o Mota Amaral é um dos autores do programa do MFA.
Fernando Rosas - Mas como é que ele surge aí, o Mota Amaral?
Aventino Teixeira - Porque vivia cá e o Melo Antunes tinha relações com ele por ser açoriano, um, e casado com açoriana, o outro. E dizia ele, vamos fazer o programa e deslocava-se para casa do Mota Amaral. Ora se o Mota Amaral não sabe do progrma do MFA... Eu só o aprovei, mas dizendo logo, está correcto, mas os capitães não vão perceber isso. Isto pode dar barraca e nem fui a Cascais. Mas como eu fui afastado das operações. De resto no 25 de Abril, eu estava deitado, quem me disse que eu não queria crer, foi o Afonso de Barros.
Fernando Rosas - Mas como é que explica isso. Porque é que o... Quem é que o afasta desse processo?
Aventino Teixeira - Então, quem me afasta é exactamente a PIDE e os generais através do Máris Fernandes a pretexto de que eu tinha dito que era preciso derrubar o Regimen, a pretexto de que eu fundei, sou fundador do CDE. Acusam-me se ser do MRPP, mas não, eu tive ligações com o fundador do MRPP na Faculdade de Direito porque, é evidente que as condições objectivas internas no país apontavam para qualquer coisa. Isto é, nas academias, na faculdade discutia-se a guerra colonial, pá, nas eleições de 69 discutia-se tudo, na Capela do Rato, tudo isto começou a ser do conhecimento dos militares e portanto eu como membro do próprio MDP/CDE, fundador com responsabilidades lá dentro, cheguei a ser como capitão, chefe da segurança do CDE, depois veio a ser MDP, MDP/CDE, e o Melo Antunes candidato pelo CDE pelos Açores, nós estávamos conotadíssimos. Portanto, é evidente que a PIDE que estava nitidamente no golpe. Repare...
Fernando Rosas - Ia-lhe perguntar isso.
Aventino Teixeira – Repare, nunca ninguém, é a primeira vez na história, eu estou a falar para os ouvintes, mas também com um historiador, é a primeira na história, depois da instituição, da instauração do Regimen, chamado fascista, depois do 28 de Maio de 1926 que os militares revoltosos, a primeira vez na história, é o 16 de Março, é a primeira na história que é o 16 de Março de 1974, portanto, um mês antes da chamada revolução de Abril, 24 de Abril, é a primeira na história que os militares revoltosos e falhando a revolta não são entregues à PIDE, não são entregues à polícia política. [Fernando Rosas - Exactamente.] Isto é extraordinário. Entregam-nos aos próprios coronéis e um coronel meu amigo, o Sousa, das Caldas da Rainha, perguntou-me e agora o que é que eu faço a eles? Nomearam-me para a comissão de inquérito aos capitães que foram presos das Caldas da Rainha. O que fazes? Perguntas como é. Eles dizem não digo porque não posso trair o camarada e atiras-lhes o processo. Qual é o problema? E assim, se safaram todos. Espere, espere. Espere aí. Isto denuncia à saciedade que a PIDE e o Marcelo estavam dentro disto. Já não podiam aguentar, já temiam, eles próprios retaliação das próprias... Porque, por exemplo, em Beja, pá, em Beja como é que faziam sempre aos militares? Despiam-nos, descalçavam-nos, tiravam-lhes a patente. Como é que te chamas? Coronel Oliveira. Tu? Olha tu chamas-te Eugénio e se não dizes que és Eugénio... Não digo, sou coronel Oliveira. Estou a falar de um caso concreto. [Fernando Rosas - Exactamente.] O actual grão-mestre da loja que foi um gajo resistente. Esse tipo despiram-no, humilharam-no e ele nunca disse que era Eugénio. Mas diz ele que se chama Eugénio, não coronel. E tratando-o por tu, humilhando. Fizeram isso aos capitães e aos majores de 16 de Março? Não fizeram. Vem-me agora perguntar como é puseram fora, puseram-nos fora porque eles estavam a denunciar. Eu queria era que o golpe de 16 de Março em queda do Regimen e outros queriam que o golpe se transformasse apenas num arremedo. Por isso é que eu digo, o golpe de estado militar falhou e falhou muito simplesmente e portanto o falhanço do golpe de estado militar é que redundou num processo revolucionário. Falhou muito simplesmente porque, ao contrário do que podiam os revoltosos na Pontinha, o povo irrompeu e portanto não pôde haver o entendimento que já vinha de trás entre o Spínola e o Marcelo, não pôde haver. Lembra-se perfeitamente que, lembra-se perfeitamente que o próprio Junqueiro dos Reis dizia quando o general dizia: - Atire. Eu já disse ao alferes para atirar e ele não atira e depois estou aqui no meio da multidão e julgam que sou o deus. Bom, e tudo isto quer dizer que, eles não tinham dificuldade nenhuma em nomear o Junqueiro dos Reis. Portanto, havia duas companhias ou dois esquadrões de Cavalaria que seriam dominados. Portanto, o golpe de estado militar actuava, actuava mesmo, não havia possibilidade nenhuma, estava tudo, de resto, a ordem de operações, já tinha manietado a própria Guarda Republicana, etc. portanto não havia possibilidade nenhuma do golpe de estado militar falhar, ele só falhou porque as pessoas vieram para a rua. É esta a minha tese. Até o próprio Melo Antunes já acedeu a ela aqui há uns anos, não sei se agora já recuou outra vez porque eu vejo nas entrevistas ao Batista Bastos o [...] a dizer não foi o povo, fui eu. Olha que esta agora. Pois, se foi ele, não foi o povo. É evidente, o 25 de Abril tem duas vertentes, meu amigo. O golpe em si e o processo revolucionário. Não falo de revolução nenhuma e no entanto posso dizer que o processo revolucionário, que o 25 de Abril levou a liberdades individuais irreversíveis e...
Fernando Rosas - De qualquer maneira o golpe militar vem para a rua, também lhe chama golpe militar, acho que de facto estamos perante um golpe militar.
Aventino Teixeira - Sim, é um golpe militar legal, é um golpe militar legal, como dizia o Raymond Aron, esse senhor é que é historiador, quando disse relativamente à passagem da quarta para a quinta república francesa. Temos que fazer, é necessário um golpe militar legal. Aquilo foi um golpe de estado militar legal.
Fernando Rosas - Temos um golpe militar que, de alguma maneira, toma conta da situação, um movimento de massas que sai para a rua quase automaticamente e inicia-se, no fundo, a luta política pelo poder. [Aventino Teixeira – Claro.] Há quem diga que o spinolismo vai nessa altura começar uma longa série de derrotas. Como é que avalia o general Spínola em termos de candidato à gestão do poder nessa altura? Quer dizer, como é que avalia este homem que perde todas as batalhas até, praticamente, ao 11 de Março.
Aventino Teixeira - Bem, eu só posso ver no general Spínola sempre da perspectiva do golpe.
Fernando Rosas - Exactamente, é dessa perspectiva.
Aventino Teixeira - E portanto, acho que ele perdeu logo, perdeu logo o controlo do país através do golpe no 25 de Abril. Repare que, anunciada a Junta de Salvação Nacional. [Fernando Rosas - Ele ainda consegue impor alterações importantes ao programa.] Claro e mais e na Junta de Salvação Nacional que estava prevista, impôs alterações de nomenclatura individuais, isto é, [Fernando Rosas - À composição da Junta.] Exactamente, à composição e inclusivamente quando chega diz: - Onde é que está o Jaime Silvério Marques. O Jaime é irmão do Silvino Silvério Marques, eram os altos responsáveis militares e portanto tinha sido preso. Está preso, disseram-lhe. Então ele vai também para a Junta. Bom, isto começa a parecer já, começam a aparecer algumas contradições [Fernando Rosas – Claro.] que e depois somadas a outras, essa de ele conseguir porque os capitães, o programa teve que ceder de algum modo. O programa só é recomposto depois a 17 de Junho de 74 quando a lei de 7/ de Julho diz autodeterminação. Tinha para aqui um papelinho porque eu vou ler isto na Internet. A autodeterminção das colónias, percebes, não estava na lei 7/74 de 27 de Julho em que se referia ao direito à autodeterminção e independência dos povos das colónias o que não estava no programa. Não estava no programa porque tinha sido retirado. Isto é, [Fernando Rosas - Tinha sido um compromisso dos conspiradores...] com o Spínola e generais. É evidente que era preciso generais, porque de resto isto vem na sequência de tudo. Quando eu digo, os generais para quê? Então chamem-lhe o golpe dos generais e eles pensaram porque sem generais o povo não acredita em nós. E porque é que no Carmo se passa aquilo, isto é, só entrega o poder ao Spínola. [Fernando Rosas - Exacto.] Já o poderia ter entregue antes, eles é que não se entenderam. [Fernando Rosas - Claro, claro.] Não é, inclusivamente, na candidatura à presidência da república.
Fernando Rosas - Ele ofereceu, ofereceu o poder ao Spínola e ao Costa Gomes logo a seguir ao livro.
Aventino Teixeira - Portanto, portanto, o Spínola, o papel do Spínola, é um papel que está condenado ab initio quando os conspiradores, nomeadamente a Comissão Coordenadora, o núcleo forte da Comissão Coordenadora, que ainda vive, que ainda existe na actual Associação 25 de Abril, honras lhes seja, embora eu não concorde com eles, lutaram sempre logo de início contra o Spínola porque ele estava a entravar. Depois de que o povo deu aquele, o povo, chamas-lhe a sociedade civil, o que vocês quiserem, deu aquele impulso, quando se ganha aquilo tudo, quando se obriga ao não entendimento do Spínola com os conservadores do Regimen, imediatamente anterior porque esta história de dizer o Regimen anterior. Havia várias facções no Regimen anterior naquela parte final. Havia uns gajos mais podres e outros mais viçosos, poucos viçosos, mas menos podres e portanto o Spínola é uma contrariedade para esse núcleo duro que nunca levou a bem que ele alterasse o programa naqueles aspectos. Ele fica logo, como hei-de dizer, com um ‘handicap’, logo ali. É claro que primeiro, não sei se sabe, não sei se se lembra, deve saber porque é historiador, ele próprio não queria ceder nada ao Partido Comunista e depois teve que ceder, mas ficou sempre com a pedra no sapato e o núcleo dos militares muito bem, organicamente, sempre acreditaram no movimento de massas e depois se encostaram às forças políticas mais organizadas. [Fernando Rosas - Exactamente.] Combateram o Spínola, portanto, a partir do momento em que começou a tergiversar, perdeu a guerra, perdeu a guerra e deu naquele desastre do 28 de Setembro e pior desastre ainda do 11 de Março. Portanto, o Spínola nunca teve chance.
Fernando Rosas - No 28 de Setembro portanto a facção   uma espécie de transição ordeira do antigo regime para este é derrotada com a derrota do Spínola de alguma maneira e isso abre a questão, então que modelo de sociedade. [Aventino Teixeira – Exactamente.] Como é que se situa nessa altura do ponto de vista do interior do MFA, da tropa, da tropa revolucionária, digamos assim, como é que se ligam os partidos a isto? Como é que. Pergunto-lhe isto a título do seguinte. Há na historiografia estrangeira   teses que defendem mais a pureza militar que os militares é que tomam a dianteira do processo e os partidos vão atrás e há quem diga que pelo contrário são os partidos que tomam... Como é que no seu ponto de vista se começa a partir daqui a   relação tropa/partidos políticos.
Aventino Teixeira - Como é que lhe eu responder a isso. Eu gostava realmente de ler aqui. É que há o poder político-militar, o poder político-militar depois do 25 de Abril. Portanto, este buzinão leva a que toda a gente tente impor as suas teses e tem que se juntar às forças políticas organizadas. Portanto, uns, isto na tropa. Uns juntam-se ao PCP, outros ao MRPP, outros aos nascentes, recentes PS, já com alguma força, e mais recente ainda PSD e portanto essa história o que é que prevalece, quem está à frente de quem, começa aqui a ser já um problema de interdependência danado. Repare, o poder político-militar sofreu várias metamorfoses. Da Junta de Salvação Nacional para o Conselho dos Vinte, deste para a troica e a troica logo ferida de asa porque o Otelo aderiu, numa primeira fase, ao Documento dos Nove. Da troica para o Conselho da Revolução. Ora bem, depois do 28 de Setembro, repare aqui a citação do meu próprio pensamento, a partir de 28 de Setembro, quando da derrota da “Maioria Silenciosa”, da derrota, do meu ponto de vista, definitiva do Spínola porque o 11 de Março é apenas o enterrar o morto. [Fernando Rosas – Claro.] Mais nada. De resto, todo o comportamento desesperado do Spínola, a partir do 28 de Setembro as forças políticas mais organizadas, nomeadamente, o Partido Comunista Português colocou no núcleo duro da Comissão Coordenadora que existiu sempre independentemente destas formas, destes órgãos formalmente constituídos, a Junta de Salvação Nacional, como sabe, foi só constituída no dia 26 de Abril e não no dia 25, o Conselho dos Vinte, todas essas relações e a partir do 28 de Setembro exigiram a constituição de um Conselho da Revolução. [Fernando Rosas - Logo desde o 28 de Setembro.] 28 de Setembro é quando começam a mandar pelo COPCON. Os mandatos de captura, os capitalistas fogem, prendem tipos que não são presidentes de clubes e não prendem os que são presidentes de clubes, quando o mandato é o mesmo pelas mesmas razões que não importa citar e aqui o Partido Comunista e muito bem começa a exigir a constituição de um Conselho da Revolução. Começa a exigir e a insinuar a nacionalização da banca e depois há portanto uma facção spinolista e uma facção mais moderada que está contra o Conselho da Revolução. O Firmino Miguel, começa a haver outra vez traulitada entre nós, embora nós sejamos realmente mais cavalheiros do que oficiais porque nunca nos pegamos à chapada, mas a ideia do Conselho da Revolução nasce precisamente com o 28 de Setembro.
As memórias do coronel Aventino Teixeira em conversa com Fernando Rosas continua na próxima semana.
Fizeram este programa, Esmeralda Serrano, Maria dos Anjos Pinheiro e Armando Pinho.

(Programa gravado da Antena 2 no dia 26 de Fevereiro de 1999)

2ª Parte
Fernando Rosas - [...] chamado campo do Grupo dos Nove, um movimento mais moderado e mais ligado aos...
Aventino Teixeira - Sim, eu acho que sistematicamente, nós precisamos realmente para ter um mínimo de entendimento destas coisas, ter um mínimo de racionalização esquemática [Fernando Rosas – Exacto.] e em termos esquemáticos acho que globalmente isso corresponde à verdade.
Fernando Rosas – Corresponde à verdade. Agora diga-me uma coisa. O Grupo dos Nove e agora voltamos de facto ao Grupo dos Nove e ao documento dos Nove, finalmente em que conjuntura as forças moderadas resolvem formalizar a sua intervenção no Grupo dos Nove.
Aventino Teixeira - Ora muito bem. Agora vamos lá ver primeiro quem era o Grupo dos Nove.
Fernando Rosas – Exactamente.
Aventino Teixeira - Logo a seguir à extinção do Conselho da Revolução há três elementos fundamentais do processo anterior que não entram no Conselho da Revolução, isto é, a assembleia selvagem não os nomeia. O Melo Antunes, que além do mais pertencia à Comissão Coordenadora, o Vítor Alves e eu, almirante Crespo, e não me querem nomear sequer para a assembleia, a mim que tinha sido eleito para o Conselho da Revolução. Então dá-se uma luta danada primeiro para os pormos em moção, luta entre os militares. Eu por mim acusei, acusei o [...] para ser nomeado para a Assembleia do MFA. Disse a um dos encarregados da nomeação, o meu amigo, como é que vocês o chamavam, o penteadinho, o Sousa Castro, que não se iria o conhecimento do 11 de Março por parte do comandante Correia, não é nem o Jesuíno, nem o Ramiro, outro Correia. Tu sabes quem é, vocês sabem quem é, mas não me lembra agora o nome. É porque eu sabia porque me disseram vamos lá a acima porque já está a acontecer. Portanto eles sabiam do golpe quando eu tinha tentado, por todos os meios, evitado que se confrontassem na Assembleia do MFA, em conversas com gente ligada aos dois lados, pá. Aconselhei o Salgueiro Maia a não entrar naquilo e entretanto então não há dúvida nenhuma que vocês estão metidos nisto e com isto eu disse, vais mesmo lá e depois vais dizer como é. Nunca mais me perguntou como era. Os outros tinham algum poder também e acabaram por se impor e foram nomeados muito mais tarde pelo Conselho da Revolução. Muito depois, inclusivamente, de eu já estar na Assembleia do MFA. Ora repare que estes três elementos fundamentais que são um terço dos Nove não está no Conselho da Revolução no 11 de Março. Bom, nós reunimos portanto em casa do Gomes Mota, essencialmente em casa do Gomes Mota que funcionou no verão quente depois do 11 de Março relativamente à situação político-militar como o tal sótão do doutor Guterres, do engenheiro Guterres terá funcionado contra o Soares noutro contexto. Eu não sou tão Gomes Mota, não havia o Eanes, não haviam os que vinham depois a ser os Nove, nós utilizávamos portanto os serviços revolucionários dos TLP cujos trabalhadores estavam afectos, maioritariamente, ao MRPP. Isto é um parêntesis, mas eu acho um piadão quando o meu amigo Melo Antunes, camarada e amigo, disse aí numa entrevista com o pudor falsa Virgem que foi sempre contra as escutas, mas teve que se fazer. Eu não tenho nada a ver com isso, o Aventino é que era amigo do... Achei um piadão danado porque se não fossem as escutas nós não podíamos fazer nada, não podíamos telefonar como fizemos através dos TLP-CTT. O Otelo estava em Cuba a preparar a revolução, a democracia directa, com o Fidel, dizendo que se desvincula destes camelos, da troica, principalmente do Vasco. Ele chegou e desvinculou-se. Fez aquela célebre carta ao Vasco. Vá descansar... O Otelo, repare, está no 25 de Novembro. Sem o Otelo não havia 25 de Novembro, só na parte final é que o documento COPCON e os esquerdistas muito bem apoiados pelo PCP que depois tirou o tapete é que o Otelo, coitadinho, bom actor mas mau cantor, vai para aquela estupidez.
Fernando Rosas - Mesmo assim recusou-se a comandar as operações.
Aventino Teixeira - Bom, recusou-se a comandar as operações, mas em Belém, no 25 de Novembro estava lá eu à paisana e o Costa Gomes disse vai outra vez para o COPCON. Não vai não porque está sequestrado. E ficou ali sequestrado e obrigou-se a demitir-se o Chefe de Estado Maior da Armada. Enfim, foi tudo denunciado ali. É evidente. Bom, de qualquer forma, de qualquer forma, onde é que nós íamos?
Fernando Rosas - Estávamos a falar da génese do Grupo dos Nove.
Aventino Teixeira – Do Grupo dos Nove. Portanto, em casa do Gomes Mota, mais propriamente no sótão, nós reuníamos para ver como era porque eles começaram a ser retaliados, isto é, os membros do Conselho da Revolução que não alinhavam com aquilo que nós chamamos agora historicamente gonçalvismo começaram a ser retaliados, de resto lembro-me perfeitamente do Vasco Lourenço numa assembleia em que o outro lhe tira, o outro é o Vasco Gonçalves, lhe tirou toda a solidariedade, ele muito justamente, como uma regra revolucionária, pôs-se a chorar e dizia que ia para a clandestinidade para a Serra da Estrela. Eu disse, não vás porque vi há pouco a agitação e vê-se logo que tu és gordo, és grande. Eu ponho umas barbas e vou para a clandestinidade. Não vás, pá, porque lá te vão dizer: Lá vai o Vasco Lourenço de barbas. Curiosamente, isto é contado no livro d’A resistência, porque depois me pediram um episódio. Estávamos nós no sótão, isto agora é um parêntesis, mas estes parêntesis podem fazer história. Estávamos nós no sótão, depois dele me ter dito que ia para a clandestinidade naqueles termos e que ia pôr barbas. Eu disse, Não vás, tu vais mas é ao Arnaldo Matos e levei-o à Bruxa da Buraca, como eu lhe chamava. Estás a perceber, levava lá os gajos que estavam desentendidos, tinha que lhes dar injecções de ideologia, então ia ter com o grande educador da classe operária. Só não levei o Melo Antunes porque não quis, mas levei lá o Crespo, foi lá o Sousa Castro, foram lá todos e o Vasco Lourenço veio conformado. Conformado já, pensava eu, sem necessidade de barbas, mas estávamos um dia na conspiração no sótão do Gomes Mota e chegam dois que eu chamava o Dupont e o Dupont que eram o delegado da Força Aérea, o Parente e o Tomás Rosa e o Tomás Rosa diz assim: Oh Vasco tens aqui aquilo que me pediste e deu-lhe uma caixinha que podia ter bombons lá dentro ou pastéis de nata e eu disse: Aposto que são umas barbas e abri e eram umas barbas com um nariz postiço. Ora bem, isto é demais. Mas foi por ingenuidade que pediu. Como é que obteve as barbas? Como é que o Tomás Rosa lhe vai dar as barbas? Bom, vim a saber depois pelo Arons de Carvalho. Quem comprou as barbas num adelo foi a Avilez, como é que ela se chama? [Fernando Rosas - Maria João Avilez.] A Maria João Avilez comprou-lhe as barbas num adelo com dinheiro dado pelo Arons de Carvalho, estás a perceber, foi o PS que lhe forneceu as barbas. Eles estavam ligados, enfim, andam ainda na clandestinidade. Enfim, de qualquer forma isto é um episódio que eu contei aliás no livro A resistência. Os Nove nascem desta perseguição individual. Portanto, nós ouvíamos através dos secretos do Aventino Teixeira que era quem se dava com o MRPP, ouvimos que o Ministro da Educação, um tal Emídio qualquer coisa, major de engenharia, tinha tido uma conversa com o Álvaro Cunhal. Ouvimos, vieram dizer-nos. Isto é, vieram-nos dizer que ouviram. A conversa é amanhã na assembleia do exército, está tudo controlado, está à vontade. E então, com este elemento, nós recomeçámos a pensar como é que vamos desbloquear isto. E estava eu sentado à lareira e eles estavam todos aflitos e eu disse: Não, não amanhã, no dia da Assembleia do MFA, vocês vão todos para o Ministério dos Estrangeiros, vão ter com o Melo Antunes. O Vasco Lourenço não estava nessa reunião. Eu disse: E tu, Vítor Alves, vais comigo ao Vasco Lourenço. Bom, vocês fazem, a gente vê o que se passa lá e quando começarem a exigir a vossa presença, o vosso saneamento, mandamos dizer e vocês fazem um documento a denunciar a situação, um documento político. E disseram-me logo: Vamos fazer aqui, não, amanhã. E ficou o Vítor Alves de ir ter com o Vasco Lourenço a Oeiras, dizer a estratégia do documento que havia de sair se eles levantassem cabelo na Assembleia do MFA e fui com o Vítor Alves ao Costa Gomes pô-lo dentro da situação. O Costa Gomes, não entrei, foi só o Vítor Alves, esperei. Pronto, no dia seguinte, o Costa Gomes estava prevenido, nós estávamos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, nas Necessidades, o Vasco Lourenço no seu posto, mas os outros nas Necessidades e então perguntaram e estes onde é que estão? Só lhes faltou chamar de reaccionários, de traidores à pátria e o Costa Gomes disse: Estão impedidos, por razões particulares, de estarem aqui. Cada um deles escreveu-me uma carta particular. Isto é, não quiseram fazer o documento conjunto que era logo ali e de tal forma que depois para se fazer o raio do documento foi preciso pressões e então como é hábito um documento de natureza política transforma-se noutro programa. Estás a perceber, mas não tem nada que ver com isso. Repare, o documento tem três vias. É o documento assinado pelos Nove, é o documento dos Dezassete que é o mais importante e o documento de todas as unidades. Mais importante ainda que nem chegou a ser assinado porque estava toda a tropa levantada contra aquilo. Ora o Vasco Lourenço quando se leva o documento na minha presença diz, assinou e diz: Nem preciso de o ler. Assinou sem ler. Não precisava porque o documento em si é a denúncia da situação política. A ideia foi do tal major Aventino, não foi do Arnaldo Matos, nem do Fernando Rosas. Bom, porque não tinha procuração minha. [Fernando Rosas - Minha não foi de certeza.] Não foi e também não foi do outro. De qualquer forma, de qualquer forma o documento foi redigido pelo Melo Antunes, mas foi assinado sem ser lido e o que preocupou-o foram os Dezassete, era o Jaime Neves, era o Garcia dos Santos, era.. enfim era o Rocha Vieira. [Fernando Rosas - O Garcia parece que estava no Norte.] Não estava ainda, o Garcia dos Santos foi de [...] por ignorância, não estava no Conselho da Revolução nessa altura. Pronto e é a origem, é a génese do documento dos Nove, está a perceber. E às tantas os jornais, porque o Melo Antunes tinha grande apoio do Jornal Novo, os jornais procuraram para aquilo, foram para ele, enfim é o Melo Antunes, absolutamente indecente. É o documento dos Nove. [Fernando Rosas – Claro.] Para não dizer que é de mais gente porque houve três vias no mesmo documento e houve pessoas do Norte que o assinaram sem o lerem, mas que estavam com ele. Portanto a génese do documento é esta, a eficácia do documento é que só esta.
Fernando Rosas - Transforma-se de qualquer maneira num documento programático.
Aventino Teixeira - Completamente, do derrube daquela facção política. Programático, mas não tem, não retoma, repare, não retoma o problema económico, é programático em termos...
Fernando Rosas - É menos programático do que os outros dois.
Aventino Teixeira – Claro, é denúncia política e ideológica. [Fernando Rosas – Claro.] Não é? Por isso é que eles caem nas assembleias do Exército em Tancos.
Fernando Rosas - De qualquer maneira, a situação surge um pouco como esta: dum lado o pólo gonçalvista, do outro lado o pólo dos Nove. E depois o pólo COPCON, o pólo Otelo, um pouco a bailar entre os dois. Verdade ou mentira?
Aventino Teixeira - Ouve lá, eu tenho a impressão de quem... É evidente que pode dizer-se assim. O COPCON bailava entre os dois, como já tinha bailado entre uma situação e outra o próprio Otelo. Você há bocado disse-me que sem o Otelo não se tinha feito o 25 de Novembro. Se o Otelo alinha mesmo na coisa não se tinha feito naqueles termos, entendamo-nos. Podia ter-se feito até em termos dramáticos porque era irreversível a resposta, é evidente. Não podes por mais massificação que faças na propaganda ideológica com as sessões de esclarecimento do MFA, não consegues convencer porque tu repara. Às tantas, os militares, havia militares que pensavam que o Marx era russo. De maneira que... É uma coisa incrível. Eu tive várias vezes que denunciar isso. Portanto, os militares queriam uma forma de utilizar as armas uma vez até, para se defenderem até eles próprios, já tinham que ter ideologia porque havia militares, por exemplo, que estavam sempre dentro. Eu quando fui a Argel com o Melo Antunes, a 9 de Março, recebi uma chamada de um amigo meu a dizer: Não vás porque no dia 11 vai saltar o golpe. E eu porra, agora vou mesmo a Argel, quer conhecer o Boumedienne, estou farto de lutar contra isso. Olha que se lixem, mas às nove da manhã do dia do embarque, telefonou ao Almeida Bruno. A mulher disse-me: O João está a dormir. Acorde-o! Precisamente por se ter deitado tarde é que eu quero falar com ele. Ouve lá, oh João, eu vou agora com o Melo a Argel e venho no dia 12 ou 13. Não quero vir outra vez, chegar cá e estares dentro, como já aconteceu da outra vez. Passo a vida a tirar-te. Não te metas em spinoladas. Não tenho nada que ver com isso! Não tens nada a ver com isso. Vamos ver. Quando cheguei estava dentro. Portanto, as pessoas já se defendiam, com armas, da própria prisão e houve pessoas que entraram em pânico. Eu não. Eu nunca entrei em pânico, eu ria-me disto tudo. Eu achava que eles não tinham força nem ideológica, nem popular para fazer aquilo que ameaçavam. Faziam modificações nos órgãos de soberania, no Conselho da Revolução...
Fernando Rosas - De qualquer maneira, aparentemente, chamemo-lhes assim, o crescimento do gonçalvismo aparentemente é travado com a assembleia de Tancos.
Aventino Teixeira - Sim, nas assembleias do Exército. Aparentemente não, ele já estava apeado, praticamente.
Fernando Rosas - Sim, mas depois ainda, mas essa pressão vai crescer ainda até ao 25 de Novembro e eu faço-lhe esta questão pelo seguinte. Há quem defenda que o Partido Comunista realmente trava a situação a seguir aos desaires que culminam em Tancos e que o assalto ou a movimentação do 25 de Novembro é uma coisa mais do sector radical político-militar em que o Partido Comunista tem...
Aventino Teixeira - Sim, o Partido Comunista, ainda ontem falei com um amigo meu que é grande responsável, não posso mencioná-lo, grande responsável do Partido Comunista e ele disse-me, foi dificílimo travar determinadas acções, mesmo de camaradas do Partido Comunista Português e eu sei que foi. Por exemplo, em Mafra, houve uma tipografia que imprimiu impressos, panfletos a incitar os militares, toda a gente, a fazer o 25 de Novembro e depois, isso faz parte do nosso relatório de investigação, e depois retirou tudo, partiu tudo e acabou por tirar o tapete àqueles que dalgum modo incentivou o Partido Comunista no seu conjunto. É evidente que apesar de muito unitário, apesar de uma organização danada, é evidente que era difícil, mesmo ao Partido Comunista controlar tudo, mas não há dúvida nenhuma que estavam dentro do assunto ao ponto de desmobilizar no próprio 25 de Novembro, desmobilizam. Vai o Contreiras e outro tipo desmobilizar os fuzileiros na véspera e eu disse lá no Conselho da Revolução em Belém. Porque é que vocês estão denunciados, deixam sair. Não há problema nenhum, ficava tudo esclarecido. Portanto estavam metidos, mas depois, muito habilidosamente, não são parvos nenhuns, e porque havia tipos também ferozes, os gajos queriam liquidar os gajos do PC, não sei a que propósito, a caça às bruxas e aí o medo histórico do Melo Antunes e eu não concordei com ele. Acho que devia ser outro a dizer aquilo.
Fernando Rosas - Porquê, porquê?
Aventino Teixeira – Porque ele tinha dito oito dias antes no ‘Témoignage Chrétien’ que o PC é que era o grande mau da fita e ao pôr-se contra o PC daquela forma radical, uma coisa é ser radical com berrinhos e com a arma ao lado e outra é ser radical, concitando toda a gente contra o PC, acusando-o de tudo oito dias antes ou quinze. Estás a perceber? Isso era necessário. Há quem defenda que foi ele quem acusou. Estou a ver isto agora na política. É preciso recuperar o Portas porque ele chamou todos os nomes à Leonor e ao outro, não é. Portanto, há quem defenda essa táctica, digamos, essa metodologia. Este é que disse, este é que vai dizer o contrário. Eu penso que não, o Movimento é que devia dizer, por outra voz, mas ele era inteligentíssimo e portanto com isso safou-se historicamente. Mas eu fiquei fulo com isso.
Fernando Rosas - Havia riscos, na sua opinião, de uma dinâmica contra-revolucionária que pudesse fazer perigar a democracia.
Aventino Teixeira - Completamente. É evidente que se não é travado com estas razões todas, se não é travado, acho que sim, acho que sim, que o PC já não podia evitar, não podia evitar, era impossível. As campanhas de mobilização não deram, não eram, era impossível. De resto, repare, que uma das coisas que mais me irritou nesta bodega toda. Eu não tenho nada que ver com o MDLP, sou contra bombismos de esquerda e de direita e depois do 25 de Novembro justifica-se que aquela camelagem continue a pôr bombas nas sedes do PC, a matar gente ou não. Sim pelo menos do ponto de vista político são responsáveis por alguns abatimentos, aluimentos pelo menos. Bom, e portanto o 25 de Novembro, relativamente à progressão do Partido Comunista e os temores dele, do comunismo e o diabo, tinha sido travado. A propósito, era outro surto de causismo qualquer, mas era um surto de agora queremos nós o poder e impor. É como nas guerras no terreno. Depois abraçam-se como o Mané e o Nino Vieira, mas para se abraçarem cada um deita mais bombas, não é. E aquilo é absolutamente indecente continuarem a pôr bombas depois do 25 de Novembro. Isto para lhe responder à sua pergunta. Havia esse perigo, claro que havia. Portanto, o 25 de Novembro é um golpe, um contra-golpe militar de contenção, de moderados, percebes a ideia? Mais, os seus autores, os da contenção do golpe, com um plano de operações que o adversário conhecia e ainda por cima com alguns dos porta-vozes, como é o meu caso, a dizer: Vocês não saiam por isto assim, assim, porque vocês vão levar na touca, estão a fazer o contrário da outra vez. Portanto, de resto, veja só. Quando o Otelo, quando o major Tomé vai para Belém, se entrega em Belém, podia ter feito isto antes, evitava a morte do tenente Coimbra, se entrega em Belém, eu estou lá em Belém, no dia 26 de Novembro. Eu cometi realmente uma maldade danada. Estava a chorar, fui traído. Demos-lhe o pequeno almoço, no dia 26 ou 27, não sei bem, o pequeno almoço e eu disse-lhe: Olha, tu agora vais para Custóias, com uma série de camaradas à volta e suponho que nenhum deles morreu, agora vais para Custóias, vai-te fornecer as obras completas de Marx e quando souberes és libertado, isto é prisão perpétua, meu palerma. Mas espera, calma aí. Mas passado um mês, ele foi efectivamente para Custóias, estava muito frio, em Dezembro, nesse ano fez muito frio, eu pedi autorização ao Pires Veloso que era o Comandante da Região Militar Norte, brigadeiro, com autorização do Chefe do Estado Maior do Exército. De qualquer forma, disse ao general Ramalho Eanes que era então Chefe do Estado Maior do Exército que ia ver os militares e fui a Custóias, era muito frio. Fui a Custóias e fui ter com o Tomé e ele estava na realidade sem qualquer força biológica, já estava na enfermaria, o Azevedo também, não tinham jornais... Então vim ter com o Eanes e disse-lhe: Eles não têm força ideológica e aquilo faz muito frio e nós não podemos fazer aos tipos que estão presos pelo 25 de Novembro o que fizeram ao teu cunhado no 11 de Março. Isto é, saírem só no próximo golpe. De maneira que faz os inquéritos, julguem-nos, mas tirem-nos de lá que faz muito frio, eles não têm resistência ideológica para estar lá.
Fernando Rosas - Vou-te fazer uma última pergunta que decorre um pouco da sua lógica de abordagem do 25 de Abril, do 25 de Novembro. A democracia que hoje temos, no seu ponto de vista, é mais tributária do 25 de Abril ou do 25 de Novembro?
Aventino Teixeira - Essa é gira. Eu considero o 25 de Novembro, o 25 de Abril, isto é, eu entendo, sou contra a apropriação privada do 25 de Abril exactamente porque reconheço que antes do 25 de Abril houve outros movimentos até a capela do Rato e até o 16 de Março e depois houve o importantíssimo 25 de Novembro. Se nós não integramos o 25 de Novembro no 25 de Abril é a apropriação do 25 de Abril, nós somos tributários do 25 de Abril e porque não do 25 de Novembro que rectifica, do meu ponto de vista, os desvios do 25 de Abril. É que você repare ou repare, tu, como queiras, o 25 de Abril, a apropriação privada do 25 de Abril é de tal maneira esgadanhada que as forças políticas que estão no poder apropriam-se sempre do 25 de Abril, não há 25 de Novembro porque formalmente um historiador há o 25 de Abril, o resto são efemérides. Portanto, nós temos que nos ater ao que diz a vox populi, isto é, o 25 de Abril é que marca. Efectivamente, o 25 de Abril é a data, é o arranque, mas a apropriação privada do 25 de Abril é de tal ordem que omitem o 25 de Novembro. Como eu disse há bocado, o próprio Vasco Lourenço disse, era o 25 de Abril, não o 25 de Novembro, mas repare, se não fosse o 25 de Novembro ele não podia dizer que era o 25 de Abril na medida em que ele podia ter sido saneado pelo próprio poder. Isto é de estranhar portanto eu entendo que o 25 de Abril tem que ser celebrado, mas não apropriado. Eu entendo que o 25 de Abril é um golpe de estado militar falhado. Ao contrário do que pensam os que tiveram nele não são os proprietários, é mesmo um movimento de militares que têm os seus parâmetros definidos, têm as suas razões de ordem... Houve um militar que se formou em sociologia para perceber o que fez. Disse-me a mim. Só depois de me ter formado em sociologia é que percebi porque é que estava no cargo. Portanto, não deixou de perceber o que militarmente estava lá a fazer. Entendamo-nos. Portanto, é sempre bom, é extremamente visível. É claro numa perspectiva de datas e tem que haver datas é evidente que é o 25 de Abril, mas curiosamente não vejo nenhum Álvaro de Pais no 25 de Abril, mas vejo muitos candidatos a condestáveis e a Mestre de Avis.
Com a visão muito própria do coronel Aventino Teixeira, terminámos os depoimentos militares. Na próxima semana vamos entrar no período conhecido pelo PREC civil. O primeiro convidado de Fernando Rosas é o doutor Almeida Santos.
Fizeram este programa Esmeralda Serrano, Maria dos Anjos Pinheiro e Armando Pinho.

(Programa gravado da Antena 2 no dia 5 de Março de 1999)
 
Transcrição: Ireneu Batista