Coleções - Legislação - Vasco Gonçalves em Lourenço Marques (26/6/75)

VASCO GONÇALVES EM LOURENÇO MARQUES

(26/6/75)


Desejo transmitir a todos, e em especial ao camarada Samora Machel - permita-me que o trate desta maneira - e aos destacados dirigentes da FRELIMO toda a alegria que nos vai no coração de portugueses, por assistirmos hoje à independência do território de Moçambique. Esta alegria veio connosco desde que embarcámos no avião, em Lisboa, a caminho de Moçambique. Não vos deveis admirar por estarmos tão alegres. É que, quando Moçambique ascende à independência, tal como a Guiné-Bissau, tal como, de sexta-feira a oito dias, Cabo Verde, tal como Angola e os outros territórios, nós, os portugueses, libertamo-nos mais da canga do colonialismo.
«As mesmas forças que oprimiram os povos dos antigos territórios sob a Administração portuguesa oprimiram também o Povo Português. E com toda a modéstia e com toda a humildade, nós devemos dizer, sem ambiguidades, que a luta dos povos coloniais contra o fascismo português, também nos ajudou a libertar desse mesmo fascismo.
Por paradoxal que possa parecer - mas não o é para quem tenha a lucidez suficiente - a guerra injusta que o governo fascista impôs aos militares portugueses, e em particular aos oficiais, confrontados à justa luta dos povos colonizados contra esse fascismo, contribuiu para o esclarecimento desses jovens oficiais, levando-os a libertarem Portugal. Não estou a pronunciar simples palavras de retórica, basta olhar para a cara dos portugueses que aqui se encontram e que vêm representar a nossa pátria, para ver como é profunda a nossa alegria, por Moçambique se ter tornado um pais independente.
A nossa luta é comum contra as forças repressivas, contra as forças do obscurantismo, contra as forças que não permitem ao homem, e em especial às classes trabalhadoras, libertarem todo o poder criativo que existe no ser humano.
Desde a Revolução do 25 de Abril nós temos dado passos irreversíveis para enterrarmos o colonialismo, para cicatrizarmos as feridas.
Porque nós queremos ver, e ter, nos povos com quem estivemos em guerra, povos-irmãos, povos Com quem tenhamos as mais fraternais relações, povos que possamos olhar cara a cara, sem ódios, sem espírito de vingança nem ressentimentos.
Não nos devem considerar estultos, por termos um profundo orgulho e um profundo sentimento, quando criamos relações de um novo tipo, entre os povos colonizadores e os povos colonizados. Desde o 25 de Abril, temos sempre defendido que o neocolonialismo deve ser banido de todos os territórios da Terra.
Nós procuramos construir, procuramos edificar, com todos os povos que estiveram sob a administração portuguesa, novas relações fraternais de íntima cooperação, de ajuda mútua, de interesse recíproco. Relações onde não haja, de maneira nenhuma, qualquer vestígio de neocolonialismo. Eu penso que os passos dados desde o 25 de Abril nos dão direito a que tenhamos esse crédito.
Eu não desejo alongar-me mais. Desejo apenas, em nome da minha Pátria, saudar o povo moçambicano, saudar a República Popular de Moçambique. E desejo mais uma vez afirmar que, depois do 25 de Abril, o povo português está em condições de ter relações abertas com todos os países do Mundo, independentemente dos seus sistemas políticos, económicos e sociais, ou dos seus credos religiosos.
Mas peço a vossa compreensão - que acheis natural - que olhemos com particular carinho as relações que pretendemos estabelecer - e que estamos estabelecendo - com os povos sob a antiga administração portuguesa. Como disse o camarada SamoraMachel nós temos um destino comum, os povos de Portugal e de Moçambique. Temos bem a consciência de que os êxitos do povo moçambicano, na sua luta pelo progresso e pela realização de todas as suas potencialidades, são também êxitos do povo português.
O Mundo é só um. Tudo o que se passa num país, tem reflexos nos outros países. A luta pela liberdade e pelo progresso num país tem reflexos nos outros países. Quando se está lutando pelo progresso num determinado país, está-se lutando pelo progresso da Humanidade.
Eu desejo agradecer as palavras de confiança para Portugal, que teve o sr. presidente da Organização da Unidade Africana e as palavras de confiança que também teve para com o Povo Português, o camarada Samora Machel.
Nunca poderei esquecer na minha vida o dia de hoje e as palavras extremamente afectuosas e cordiais com que o camarada Chissano se referiu a mim. Tão-pouco poderei esquecer a alegria indescritível quando agradeci os aplausos dos moçambicanos, da varanda da Câmara Municipal de Lourenço Marques.
Permitam-me os camaradas da FRELIMO, que eu brinde por uma profunda aspiração do Povo Português:
Pela unidade inquebrantável entre o Povo Moçambicano e o Povo Português.
Que um futuro radioso se abra na frente do Povo Moçambicano, sob a direcção da FRELIMO, nos caminhos do progresso, no caminho da realização de todas as potencialidades que os africanos têm.
Nós não somos racistas. Nós somos anti-racistas. O racismo é um álibi, é uma máscara de uma outra coisa muito mais profunda, que é a luta de classes, que é a exploração do homem pelo homem. Contra essa exploração do homem pelo homem, o Povo Moçambicano e o Povo Português estão irmanados nos mesmos propósitos. Por isso, brindo mais uma vez pela inquebrantável amizade entre os nossos dois povos.
Viva a República de Moçambique!