CONSTRUIR UM ESTADO SOCIALISTA
(Boletim do MFA - 24/7/75)
O nosso objectivo fundamental é a construção de uma democracia socialista, um tipo de sociedade como nunca existiu na nossa pátria. Ao incentivar as organizações unitárias de base (comissões de trabalhadores, comissões de moradores, conselhos de aldeia, etc.) procura apenas lançar-se os alicerces de um poder novo - o poder popular, o poder do povo - os alicerces de uma democracia profunda e real; procura-se apenas construir uma sociedade nova sem exploração, uma sociedade para benefício de todo o nosso povo trabalhador.
Porquê um Poder novo, porquê o Poder Popular?
Em primeiro lugar porque se derrubámos um poder organizado de modo a que uma minoria explorasse a grande maioria do nosso povo, e se esse poder que derrubámos tem as suas leis e a sua máquina administrativa concebidas para explorar - só um Poder novo, cujas leis e cuja máquina administrativa sejam concebidos para servir as massas as servirá «de facto».
Em segundo lugar, porque só se as massas criarem novas formas de poder - a todos os níveis, ainda que de um modo progressivo; só se, e quando, as massas assumirem a defesa de um Poder («do seu poder») se sentirão mobilizadas para assumir os maiores sacrifícios nas tarefas da reconstrução nacional e da edificação de uma sociedade nova.
Para que as massas sintam esse poder como seu, para que elas sintam ser a razão de uma nova sociedade que se cria é necessário, desde o início, preservar as organizações populares de quaisquer interferências dirigistas - nomeadamente as que resultam da transplantação (em termos de manipulação) das querelas partidárias para o seio das massas. Referimo-nos às tentativas de criar órgãos fictícios de poder popular que mais não são que novas estruturas burocratizadas de partidos burocratizados - e não, como é óbvio, ao debate ideológico, realizado «em torno de uma prática» no seio do povo, o qual não apenas é desejável como enriquecedor.
Aos militantes locais do MFA cabe pois a tarefa de esclarecimento claro dos objectivos dos organismos unitários de base. E, nesta base, a eles caberá a tarefa de investigar da representatividade das comissões e conselhos que se vão formando, porque a decisão de formar os organismos populares representativos deve ser largamente democrática. É necessário partir da democracia real exercida no seio das massas, da verdadeira liberdade de expressão e opinião, da discussão profunda acerca dos problemas, para que as decisões correspondam sempre aos interesses reais das massas. Se as massas não sentirem a decisão como sua, se nela lhes aparecer como tomada de cima para baixo, o poder democrático das massas não se exercerá, constituirá uma burla.
Deste modo, quaisquer organizações autopromovidas para servir não as massas mas interesses partidários definidos - como comissões de moradores e de trabalhadores fantasmas que alguns partidos querem fazer passar por órgãos representativos das massas - não devem ser reconhecidas e, através de uma explicação clara às largas massas, estas devem ser levadas a escolher os seus representantes segundo os princípios da escolha democrática. Deverá ser rigorosamente desmascarado todo o golpismodentro do processo de desenvolvimento dos órgãos do poder popular, sobre pena do afastamento das massas do processo democrático. O que pode significar que, em vez de um Estado democrático socialista, estejamos a erigir um Estado burocrático que nada terá a ver com uma revolução integralmente socialista.
Para levarmos a cabo esta verdadeira ofensiva de democratização da sociedade devemos ter sempre presente, no desenvolvimento do nosso trabalho político, que o poder pertence ao povo, que o motor da Revolução é o povo e de que nós (MFA) temos apenas por tarefa o garantir a autenticidade da expressão e afirmação populares.
Há que ter sempre em mente que (todos somos igualmente oprimidos, humilhados, vendidos e explorados, que somos irmãos da mesma classe com uma mesma missão: servir o povo. E esta a base da nossa unidade, o ponto de partida da nossa democracia» (S. M.).
A livre discussão e participação na elaboração da decisão, a submissão da minoria à maioria, a responsabilidade colectiva, a crítica e autocrítica do trabalho efectuado e do comportamento - são princípios básicos fundamentais que devem reger o exercício do Poder popular que agora emerge. A decisão burocrática - ou seja, a que é tomada pelo chefe ou direcção em nome das massas - não deve ter lugar, porque é o debate e a explicação que os mobiliza e torna participantes e que os leva a aplicar e defender a linha justa. Além disso, se a decisão não corresponde ao nível de compreensão das massas pode tornar-se irrealista e arrastar as massas para o alheamento e, até, para a oposição a um processo que, à partida, se dirigia à satisfação dos seus anseios e necessidades.
A democracia no seio das organizações populares de massas é condição indispensável para que elas se sintam engajadas num processo que é o seu e responsáveis por uma decisão e uma situação por elas determinadas. Os militantes de base - como todos os outros, de resto - devem fomentar a discussão, mesmo que algumas opiniões exprimam ideias erradas. Se a ideia errada se expressa livremente há possibilidade de, através da discussão, compreender porque ela é errada e onde reside o erro. Os erros cometidos, individual e colectivamente, devem ser discutidos por todos, não apenas para evitar as divisões que se manifestam fatalmente quando a discussão democrática se não exerce com toda a liberdade (e isto é válido para o militante de base como para o dirigente, nenhum deles devendo ser considerado como impassível de crítica), mas sobretudo porque o exercício da crítica e autocrítica, porque o reconhecimento dos erros aprofundam a consciência política de cada um e porque entregamos deste modo às massas, ao povo, a defesa da linha justa e da disciplina revolucionária - da qual apenas o povo é proprietário.
A tendência para esconder dos camaradas e das massas os erros cometidos - sobretudo se esses erros foram cometidos pelos mais responsáveis - é sinal de falta de democracia política e, sobretudo, de falta de confiança nas massas. E não há socialismo (ou socialistas) onde não há confiança nas massas.
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