VASCO GONÇALVES NO CONGRESSO DOS SINDICATOS
(27/7/75)
Depois de tanto calor humano que tendes posto na vossa aliança Povo-MFA, eu espero ter a serenidade suficiente para dizer qualquer coisa.
Sei que este Congresso, em representação dos trabalhadores portugueses, é uma força fundamental da vanguarda da Revolução portuguesa.
E porque é que o fortalecimento da consciência de classe dos trabalhadores não é divisionista, mas é unitário na nossa pátria, neste momento?
É porque os interesses do futuro de Portugal estão intimamente ligados àquilo que vós fizerdes no concreto.
Ao contrário do que propalam os detractores da classe operária, este Congresso demonstra a nossa unidade, democraticamente assumida. A unidade sindical é fundamentalmente para nós. É a pedra-de-toque. O primeiro golpe que nós demos no capitalismo monopolista de Estado foi precisamente a aprovação da unidade sindical.
O momento que estamos atravessando é muito grave. Todas as revoluções atravessam momentos destes. Essa gente que tantas críticas faz, como se se pudesse ter resolvido, ao fim de quinze meses, os problemas da incompatibilidade, por exemplo, dos estratos sociais que devem estar aliados; os problemas da crise económica que estamos atravessando; os problemas das contradições todas que têm decorrido, ao longo deste processo, quer no seio das Forças Armadas quer fora do Movimento das Forças Armadas. Não há nenhuma revolução que não tenha contradições destas; que não passe por fases de estrangulamento.
(...)
Há uma questão muito importante. É que quando nós dizemos que optamos pelo socialismo, isso é muito grave. Isso representa uma grande responsabilidade. Há pessoas que dizem que optaram pelo socialismo, mas não fazem bem ideia do que estão a dizer nesse momento.
É preciso ter bem a consciência do que significa a entrega total de uma pessoa optar pelo socialismo. É preciso que vós tenhais bem essa consciência. Dada a situação em que nós vivemos, dado o papel que representais em relação à classe operária, em relação às classes trabalhadoras, quer do campo quer da cidade; uma vez que sois uma vanguarda desses trabalhadores, vós deveis ter presente que toda a vossa vida está dedicada à implantação do socialismo em Portugal. Isso obriga a uma entrega total, a um combate total pelo socialismo. Isso não se resolve com verbalismo, mas com uma actividade quotidiana, com firmeza, com serenidade e lucidez, com a cabeça à prova de todas as pressões, com a cabeça à prova de todas as tensões. Deveis, em cada instante, ter isso bem presente.
Não podeis perder a serenidade. Não podeis perder a lucidez. Deveis compreender que o período revolucionário é um período agitado. E quando virdes um camarada menos firme, um camarada mais triste, um camarada mais desanimado, deveis lançar-lhe imediatamente a mão, num abraço fraterno.
(...)
Deveis combater intensamente o divisionismo nas vossas fileiras. E eu tenho uma grande alegria, nós, que aqui estamos, temos uma grande alegria por sabermos que este congresso tem decorrido sob o signo da unidade. Pois nós pretendemos isso a todo o transe. A unidade das massas trabalhadoras portuguesas, a unidade com o Movimento das Forças Armadas, a unidade Povo-MFA. Isto não são palavras. Há muita gente que nos acusa de verbalismo. Mas estas frases têm de contribuir para a formação da consciência social de todos nós.
Nós temos um problema a resolver, que é pôr a consciência social de acordo com as transformações materiais que se têm operado na nossa sociedade. E ainda não conseguimos. Há um desfasamento entre a consciência social das transformações que se estão operando, daquilo que é preciso realizar, com o derrube, com golpe de grande alcance - o golpe mortal, diria eu - que demos no capitalismo. Nós demos um golpe mortal no capitalismo monopolista de Estado, a infra-estrutura económica está, de facto, ferida mortalmente. Mas, por outro lado, a consciência dos portugueses - mesmo dos trabalhadores - e, nomeadamente, a consciência da pequena burguesia e de certos estratos da média burguesia, que interessam também ao processo, não acompanha esses golpes.
(...)
Nós não podemos caminhar para o socialismo sem os trabalhadores estarem integrados na vanguarda deste processo. Há o Movimento das Forças Armadas e um movimento revolucionário autónomo composto pelos trabalhadores, quer do campo quer da cidade. E a esta aliança, a esta união, que cabe o papel de vanguarda neste processo.
Mas esta vanguarda revolucionária não pode caminhar isolada para a construção do socialismo. Ela necessita de alianças. É muito importante que tenhamos a consciência disto.
(...)
Nós devemos avançar com este processo com vanguardas, mas não devemos afastar camadas da população que deverão ser, na prática, nossos aliados. Isto tudo deve ser assumido conscientemente. Porque nós não estamos interessados em que ao longo do caminho para o socialismo se invertam as relações de classe. Não é isso que eu estou aqui a propor. Este processo tem uma vanguarda que o conduz. Essa vanguarda tem a consciência de que deve ter determinados aliados.
É nesse sentido que se pode falar também na aliança Povo-MFA. Eu vejo nesta aliança Povo-MFA uma vanguarda constituída pelas classes trabalhadoras e pelo MFA, movimento revolucionário autónomo das Forças Armadas, aliado aos pequenos industriais, aos pequenos comerciantes, aos pequenos e médios agricultores, porque essa gente também era trucidada e explorada pelo capitalismo monopolista de Estado. E num sistema de transição que nós consideramos, de facto, pôr em prática e executar, essas camadas serão progressivamente conquistadas para a Revolução. E, conquistadas para a Revolução, terão de futuro o seu lugar assegurado, e chegará o tempo em que a sociedade sem classes, sem exploração do homem pelo homem, será atingida.
É preciso termos a consciência suficiente de que neste momento nós não poderíamos nacionalizar totalmente a propriedade privada que existe no nosso pais. Lá se chegará. Haverá um período intermédio que teremos de percorrer com os nossos aliados, mas sempre com a consciência de quem deve marcar o passo ao processo. E depois, ao fim desse período intermédio, nós atingiremos a sociedade que procuramos realizar na prática e que aqui foi definida pelo vosso camarada, a sociedade sem classes, uma sociedade em que termine a exploração do homem pelo homem.
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O poder popular não é nenhum papão senão para aqueles que não estão com as massas trabalhadoras.
O poder popular constrói-se a céu aberto, à vista de todos, sem sofisticações, na unidade das massas trabalhadoras e das outras suas aliadas com o Movimento das Forças Armadas. O poder popular é assim que se constrói. Quotidianamente, é nele que podemos realizar essa unidade e esse alargamento da base.
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Eu quereria, então, apontar aqui muito ligeiramente as tarefas fundamentais que nos cumprem no combate à reacção. Devemos fazer avançar imediatamente medidas de carácter económico que vão ao encontro das aspirações profundas das camadas que deverão ser nossas aliadas e das camadas dos trabalhadores.
Isso, de resto, foi aqui apontado. Eu não estou aqui a dizer nada de novo. Isso mostra o amadurecimento da consciência das classes trabalhadoras. Eu não estou aqui a dar novidade nenhuma. Vós ali, naqueles trabalhos que tendes feito, dizeis isto. Isto mostra que as classes trabalhadoras vão amadurecendo. De resto, eu desejaria dizer também o seguinte: vós deveis instruir-vos e discutir isto cada vez mais. Porque é entre vós que vão ser escolhidos os futuros dirigentes desta Revolução. São os trabalhadores que devem ser promovidos. É o espírito revolucionário que deve ser promovido. E vós deveis ser os futuros dirigentes desta Revolução. Vós e os vossos filhos.
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Há pessoas que nos criticam porque a gente tomou medidas de nacionalização, etc. E a revolução cultural?... Como se a revolução cultural se pudesse fazer do pé para a mão; como se a gente pudesse ter feito uma revolução cultural sistematizada antes do 28 de Setembro, antes do 11 de Março; como se não tivessem passado só quatro meses depois do 11 de Março.
Eu pergunto: quantos anos depois de a China ter conquistado o poder começou lá a fazer a sua revolução cultural. E que condições têm eles com 700 milhões de habitantes, com larguíssimas fronteiras, com níveis de vida até diferentes dos nossos?
As revoluções culturais não se improvisam. Mas para aqueles que não andam de olhos fechados, eles deverão perceber que, desde o 25 de Abril, começou uma grande revolução cultural no nosso país.
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Portanto, a responsabilidade deste congresso no seu conjunto deve ser empenhar-se nestas tarefas que eu muito ligeiramente adiantei e que os senhores têm consciência e que até pormenorizaram mais neste trabalho que foi lido pelo vosso camarada e nosso camarada Manuel Lopes.
O reforço da unidade de todos os trabalhadores, a reconstrução económica, o esclarecimento da importância que tem para a classe operária a aliança com a pequena burguesia e certos sectores mesmo da média burguesia, As conclusões deste Congresso devem servir para a unidade de todos os trabalhadores. Vós deveis discutir essas conclusões a todos os níveis da classe trabalhadora, com persistência, com insistência. Porque dessa discussão sairá uma maior consciência de todos os trabalhadores.
Vós, como vanguarda dos trabalhadores, não vos podeis destacar do conjunto da classe trabalhadora. Vós tendes é que levar aos vossos camaradas essas ideias de vanguarda para que a vanguarda seja cada vez maior, mais poderosa. E deveis ter o cuidado de não vos deslocardes dessa vanguarda.
É nesse sentido que devemos estar sempre com atenção às relações entre a vanguarda e os estratos que apoiam essa vanguarda. Isso é muito importante e faz parte do «bê-á-bá» de qualquer revolução. Não nos afastarmos daqueles que nos apoiam.
(...)
O MFA está convosco. Ë convosco que pensa que deve ser construído o socialismo.(...)
O nosso povo não é reaccionário. Mesmo quando se fala dos homens do Norte e tudo isso. Não tenhamos ilusões. O povo não é reaccionário. Pode é ser utilizado pelas forças da reacção.
Nós, MFA, estamos, portanto, empenhados em que esta vanguarda se consolide, porque sem uma vanguarda forte nós não construiremos o socialismo.
Coleções - Legislação - Vasco Gonçalves no Congresso dos Sindicatos (27/7/75)