COSTA GOMES NA POSSE DO V GOVERNO
(8/8/75)
Cumpre-me apresentar-vos em termos reais a solução encontrada para ultrapassar esta longa crise política, cujos custos materiais e sobretudo humanos necessitamos de reconhecer e de lamentar.
No momento actual estamos mais pobres, mais radicalizados e menos tolerantes; demos passos que nos afastaram da liberdade e da construção do socialismo que o povo deseja e merece.
Foi uma experiência dolorosa, cujo único saldo positivo será aprender uma lição colectiva de maturidade política; os indivíduos e as forças políticas necessitam meditar nesta experiência que, pela negativa, demonstrou que o respeito mútuo é a essência da liberdade e que a tolerância é o cerne de uma vivência social pacífica.
Tornou-se meridianamente claro que quando homens e partidos substituem a luta política e ideológica legítima pela ambição do poder intoxicam a sociedade com o vírus da violência e da convulsão.
A solução que hoje vos apresento é uma medida transitória, um Governo de passagem, que espero seja a pausa política para em clima de ordem, disciplina e trabalho, se poder construir algo de mais definitivo.
O Directório, no qual o Conselho da Revolução voluntariamente concentrou os seus poderes de decisão, poderá ser acusado de falta de inspiração, mas não de falta de generosidade no esforço e na dedicação em bem servir o povo a que pertence.
Rejeitada desde sempre a hipótese de uma ditadura militar, apresenta-se uma solução viável para o período a que se destina; a que se considerou melhor, no emaranhado dos condicionamentos delicados que emergem de uma revolução, rumo ao socialismo.
Tanto na génese como no desenvolvimento desta crise, cujos focos de responsabilidade são muitos, criaram-se condições que não permitiam soluções mais fundas e definitivas, ao cancelar-se a pesquisa fértil, no campo das soluções governamentaispluripartidárias.
Emposso um Governo de homens que tiveram a coragem e a dedicação de servir o País, no período difícil que vivemos, e que cumprirão bem, ao pautar, apartidariamente, os seus procedimentos, afinando as suas decisões apenas pela vontade e interesses do povo.
Aos membros deste V Governo é-lhes reconhecida, à partida, a sua competência técnica e a nossa confiança política, no seu espírito de militância e sacrifício, traduzidos na aceitação patriótica desta difícil missão.
Em termos de futuro imediato seguir-se-á um período de acção governamental que desejamos dinâmica e fértil, dentro das linhas de actuação que adiante se referem.
Paralela e simultaneamente, o Directório e as forças políticas progressistas que em tal estiverem empenhadas haverão de estudar e construir uma solução mais duradoura e adequada.
Há muito que repensar. Os sistemas políticos ou oprimem ou servem os povos respeitando a sua vontade e interesses.
Nós, como representantes do M. F. A., não temos vocação nem condições para realizar a opressão, queremos e teremos de servir o Povo.
Os povos, como os homens, devem evoluir para patamares superiores da dignidade humana; se nos não queremos violentar, teremos de respeitar a nossa vontade individual e colectiva, orientando a nossa revolução no sentido de interesses superiores.
Os povos são grandes na alma e na sua vontade soberana, mas também na sua inércia evolutiva.
O nosso povo afirmou desejar o socialismo, mas tem uma alma, uma vontade e uma inércia que condiciona o ritmo da revolução socialista.
Um homem, um partido, um M. F. A., um directório são autenticamente revolucionários quando, respeitando a vontade e o ritmo do povo que servem, contribuam consciente e firmemente para a evolução positiva no sentido do socialismo.
Construir um plano de transição, uma linha de curso, não é tarefa de poucos, nem tarefa de poucas horas.
O V Governo, na sua eficácia gestora, haverá de ser a pausa para meditar e o tempo para construir com o Povo-M. F. A. e todas as forças políticas interessadas, o plano viável para o socialismo português, plano pragmático e inexorável mas moderado para ser seguro e poder resistir às reacções internas e externas que a velocidade gera.
Este V Governo não tem uma tarefa espectacular, mas sim a marca generosa do sacrifício de quem quer um socialismo ao serviço do povo.
Não esperamos dos novos membros a marcação de eruditas linhas governamentais mas o trabalho árduo, sem repouso, de quem, ao serviço do povo, se proponha a resolver com senso e firmeza os múltiplos problemas da administração corrente, com o sentido exacto do gestor eficaz.
As grandes linhas haverão de ser reservadas a órgãos da maior continuidade e envolverão a colaboração de outras forças, incluindo os partidos interessados.
É evidente que o novo Governo haverá de considerar os textos que hoje são constituição e o «plano de acção política», último documento com força legítima. Ninguém pode esquecer que o povo exige e está bem definido que a nossa via para o socialismo será pluralista, com respeito pelas forças políticas partidárias, interessadas ou da oposição.
A crise económica terá de ser vista em dois planos, no primeiro dos quais as medidas de urgência e de austeridade competirão ao presente elenco.
As relações económicas externas e a política Internacional que entendo viável afirmei-as publicamente há pouco tempo.
Haveremos de resolver a crise de autoridade e restabelecer um clima de confiança na poupança, e em certos tipos de investimento privado.
No plano psicossociológico, há muita gente a transformar e a utilizar nesta revolução, pessoas que a conjuntura e o verbalismo pseudo-revolucionário tem marginalizado.
Criar confiança, modificar ideias e comportamentos é obra serena e pacífica em que a dureza dos actos ou das palavras deve ser usada comedidamente.
A comunicação social com a apetência e tensão existentes é um fenómeno da maior delicadeza onde é essencial o equilíbrio, a boa vontade e o criticismo.
Desejaria ver equilíbrio nos autores das declarações, boa vontade nos meios de suporte que devem mantê-las nas devidas proporções e criticismo da opinião pública quanto à matéria, à forma e à representatividade das posições assumidas.
Termino, em nome do M. F. A. e do Directório com três esperanças:
A primeira dedico-a ao povo a que pertenço para que sejam evitadas situações de confrontações, violência, nervosismo e tensões emocionais. Ninguém é dono da revolução, ninguém é detentor da verdade absoluta; sejamos firmes mas suaves, combativos mas tolerantes nas lutas políticas que traçarão o rumo da revolução socialista portuguesa.
A segunda deposito-a nas Forças Armadas cuja coesão e patriotismo e apartidarismo são essenciais ao processo em curso.
Sem prioridades, citarei, em último a esperança nos partidos políticos.
Contamos com eles, aliados ou da oposição, desde que significativos, para a colaboração e responsabilidade no desenvolvimento do processo em curso, no qual o povo terá de ser o princípio imanente e o fim último.
Coleções - Legislação - Costa Gomes na posse do V Governo (8/8/75)