VI GOVERNO TOMA POSSE
(19/9/75) Discurso de Costa Gomes
Fechamos hoje um período critico da nossa Revolução. As crises têm sempre saldos negativos, em descrença, em angústia, em dúvida, em erosão da sanidade económico-financeira do Estado e até em erosão de figuras e soluções políticas.
Deixarei aqui uma referência à capacidade de trabalho e abnegação dos responsáveis do V Governo.
Poderemos discutir os objectivos que prosseguiram, como Governo de gestão de duração delimitada.
Não regatearam esforços, militância e coragem. A luz das realidades consequentes nos revelará o seu verdadeiro perfil projectado em termos de eficácia revolucionária.
Depois de alguns dias de vazio governamental, cumpro para os Portugueses a cerimónia de tornar presente o VT Governo Provisório.
Neste preciso momento político, ser Governo não é tarefa simples.
A nossa sociedade não está ainda adaptada a um estilo novo de vivência em liberdade.
A mutação brusca provocada pelo 25 de Abril fez irromper uma multidão de forças e fraquezas, de entusiasmo e angústias, de verdades e mitos.
A sedimentação estável de tantos factores sociais antagónicos não está feita, e as características salientes da nossa sociedade de hoje são a sua hipersensibilidade e confusão perante o fenómeno político.
Nesta situação, todas as decisões de um governante são sempre urgentes e marcadas por um risco político importante.
A inspiração, o talento e a decisão são agora mais importantes do que a prudência e os estudos exaustivos de cada situação.
A batalha económico-financeira e a consolidação das conquistas revolucionárias alcançadas são as coordenadas fundamentais neste momento do processo em curso.
Autoridade, estabilização social, relançamento da economia, paz, segurança, ordem e liberdade são anseios profundos do povo português, cuja vontade é soberana.
A defesa das classes desfavorecidas exige de todos o maior pragmatismo e a coerência das atitudes mais construtivas.
Porque o aspecto sociológico das afirmações anteriores é uma evidência, muitos desejaram crer que seria simples a formação deste VI Governo.
Não foram simples as negociações com os partidos políticos até à redacção de um programa de definição política.
Registemos aqui a actividade notável, a incansável persistência do senhor almirante Pinheiro de Azevedo, que partiu da fecunda originalidade de obter esta plataforma prévia de compromisso pluripartidário.
Também não foi simples a fase seguinte, de definição da estrutura governamental e de distribuir Governo e mudar personalidades pelos postos governamentais.
Só depois foi possível entrar na concretização das personalidades havidas como melhores para o desempenho de funções governativas em situação tão espinhosa.
Debelada esta crise, sinto ainda o clamor dos impacientes políticos que entenderiam fácil alterar Governos e mudar personalidades e órgãos em termos simplistas.
Foi longa a obtenção de uma muito ponderada solução capaz de mobilizar a vontade da maioria do povo português.
Temos de construir um Portugal socialista com dimensão tão ampla que nele caibamos todos os portugueses, defendendo no percurso as classes mais desfavorecidas até à sociedade sem classes.
Durante o percurso, que é longo, espera-nos mais trabalho do que palavras, mais realismo do que idealismo, mais objectivismo do que subjectivismo.
As revoluções são fenómenos concretos, emanações de povos reais que existem em termos mutáveis, mas com vontade própria.
Finalizo com uma declaração de esperança no povo português, cujo instinto político admiro e cuja vontade respeito.
Eu, o Conselho da Revolução e o novo Governo vamos trabalhar dedicadamente para merecer a confiança do povo que também somos.
Socialismo é trabalho. Vamos todos trabalhar rumo ao socialismo.
Discurso de Pinheiro de Azevedo
Todos temos consciência da situação de justificado descontentamento que envolve amplas camadas desfavorecidas da população e da consequente perturbação política e social, que, habilmente aproveitada por forças contra-revolucionárias, põe em perigo o processo revolucionário e as conquistas tão duramente alcançadas pelo povo português, E sabemos que se torna imperioso encontrar solução para os problemas que nos afectam: ordem pública, autoridade, disciplina e coesão das Forças Armadas, descolonização, economia e relações externas.
Herdámos do regime anterior ao 25 de Abril um país pobre, corrompido, dependente do estrangeiro.
Alguns milhões de contos que existiam no Banco de Portugal, pouca ajuda prestam quando um povo se defronta com o analfabetismo, a miséria dos campos, a difícil situação das pescas, a ausência de serviços públicos minimamente satisfatórios, a fragilidade da indústria, a exploração das classes trabalhadoras, a tristeza e o luto das guerras coloniais.
Iniciámos em 25 de Abril um caminho longo e difícil.
Não é fácil descolonizar territórios onde, na sequência de exploração colonial, a guerra se travou asperamente durante 14 anos.
Não é fácil substituir um sistema económico monopolista e latifundiário por uma economia ao serviço de todo o povo português.
Não é fácil percorrer os caminhos da independência nacional.
São tarefas que exigem lucidez, serenidade, firmeza, determinação, unidade.
Uma revolução socialista constrói-se, dia a dia, com a participação de todos os que se encontram num horizonte comum de liberdade, de dignidade humana, de justiça social.
Como o senhor Presidente da República, também eu rejeito a social-democracia, como objectivo final da Revolução.
Pretendo incluir-me num esforço conjunto, consciente e responsável, centrado na edificação da República Socialista Portuguesa.
Os sectarismos, os oportunismos as fugas às responsabilidades, por parte de organizações e entidades, que se têm registado, não serão tolerados, e, de imediato, os desmascararei perante a Nação.
Torna-se necessário construir, desde já, um clima de ordem pública e de respeito pela autoridade.
Não me refiro a uma ordem qualquer, a uma autoridade qualquer.
A ordem democrática e autoridade revolucionária são imprescindíveis para, com serenidade e firmeza, se consolidarem as vitórias do povo português, repensando a Revolução, reformulando os serviços melhorando a vida do homem e da colectividade.
Defendemos a via do socialismo e da democracia pluralista para atingirmos a sociedade socialista.
O que exige uma clara e firme direcção política.
Admitimos partidos que defendam a social-democracia, com os quais consideramos ser necessário e útil colaborar, sem no entanto lhes permitir tomar a direcção política do processo revolucionário. Permitimos outros partidos capitalistas definindo-os, desde já, como oposição ao socialismo que pretendemos, e não transigindo com acções contra-revolucionárias.
Veremos com satisfação a convergência das forças socialistas num projecto consequente de transformação da sociedade portuguesa.
As Forças Armadas, onde se iniciou a Revolução, encontram-se perturbadas com a complexa situação política e, ultimamente, com procedimentos menos correctos da parte de alguns militares, e terão de reencontrar rapidamente o necessário equilíbrio.
A coesão do MFA e a disciplina das Forças Armadas são factores fundamentais que determinam o sucesso ou a derrota da Revolução.
Coesão obtida num real e eficiente entendimento político.
Disciplina consciente, responsável, que permita dar resposta ao que a Nação exige das actuais Forças Armadas, e muito sabemos ser.
Nos últimos tempos, por razões várias, houve uma real degradação da situação político-militar.
Todos os homens honestos deste País, militares ou civis, devem analisar o que foi feito, sem anátemas nem agressões estéreis, e reencontrar os caminhos da unidade revolucionária, na construção de uma sociedade justa e independente, onde viver, seja um contínuo exercício de dignidade humana.
Estou certo que o povo português, em cujas reais qualidades confio Inteiramente, estará à altura do desafio da História.
Em Angola e Timor passámos por uma fase muito difícil de um processo de descolonização que, é preciso não esquecer, constitui, na globalidade, uma das concretizações de maior mérito da Revolução portuguesa.
Procuraremos, com decisão, garantir aos povos angolano e timorense o acesso à independência, à liberdade e ao progresso porque tanto lutaram, evitando, sempre que possível, mais sacrifícios e mais dor.
Aos nossos compatriotas que honestamente trabalharam durante gerações nas ex-colónias, asseguramos que tudo faremos para salvaguardar os seus legítimos interesses, e que os acompanharemos com total fraternidade nas horas difíceis que estamos sofrendo, procurando solucionar os problemas concretos com que se debatem.
Aos camaradas que durante as trágicas guerras coloniais se viram diminuídos física e psiquicamente, asseguro que tudo farei para que seja possível enriquecer o País com o contributo válido que as suas potencialidades asseguram.
Para os nossos compatriotas emigrantes, trabalhadores que sofreram a humilhação máxima de serem obrigados a abandonar a terra onde nasceram, para garantir condições mínimas de vida às suas famílias, vai a nossa profunda identificação com o patriotismo que em todas as circunstâncias e de forma inequívoca sempre demonstraram. Contamos convosco e sabemos que estão solidários com os objectivos da Revolução Portuguesa.
Umas palavras finais, que considero de extrema importância, referentes ao VI Governo Provisório a que tenho a honra de presidir:
É um Governo que tem o mérito de procurar, num determinado momento histórico, encontrar a saída para uma grave crise política, económica e social, através de uma definição política conjunta dos três principais partidos políticos.
Não é um Governo de coligação de partidos, mas sim um Governo de unidade, obtida no desenvolvimento e concretização das medidas aprovadas.
Acredito que o patriotismo, a lucidez, a real capacidade de todos os elementos que compõem o VI Governo Provisório se afirmarão ao longo do tempo e justificarão as esperanças que o povo português neste momento em nós deposita.
Ao senhor Presidente da República, general Costa Gomes, companheiro de luta desde o primeiro dia da Revolução, quero manifestar a minha profunda estima e reconhecimento pelo empenho e pela ajuda preciosa que me dispensou, e que permitiram ultrapassar as dificuldades e constituir o VI Governo.
Por mim, com humildade revolucionária, mas com toda a firmeza, declaro que tudo farei para corresponder à confiança que me concederam os camaradas do MFA, e lutarei para resolver os problemas concretos que aflijam ou ameacem a nossa Pátria.
Coleções - Legislação - VI Governo toma posse (19/9/75)