PINHEIRO DE AZEVEDO ORDENA OCUPAÇÃO DE EMISSORAS
(29/9/75)
O País tomou conhecimento de que, em face da verdadeira situação em que os acontecimentos dos últimos dias o colocaram, nomeadamente a capital, ordenei, na qualidade de Primeiro-Ministro e de Presidente da República em exercício, com o aval do Conselho da Revolução e do Governo, a ocupação militar das estações de rádio e da TV.
Trata-se, como é evidente, de uma medida de excepção, destinada a evitar a declaração do estado de emergência, que, em rigor, no caso cabia.
Entendi que é meu dever evitar aquela declaração, na medida em que envolve uma restrição indesejável do exercício normal das liberdades cívicas. A situação determinante da referida medida de excepção é de tal modo grave que, a não ser travada no seu movimento tendencial, acabaria a curto prazo por pôr em causa, não só a subsistência de uma autoridade legítima, mas a própria independência nacional. O MFA e o Governo já demonstraram, por forma inequívoca, o seu horror à violência e a sua determinação de prosseguir o seu programa de realização do socialismo e de salvaguarda da independência nacional. Se dúvidas houvesse, tê-las-ia desfeito o grau de contenção com que vêm encarando formas de luta social de outro modo inconsentíveis. Simplesmente os acontecimentos dos últimos dias, com destaque para a ocupação da Emissora Nacional, para o ataque à Embaixada e Consulado de Espanha com destruição pelo fogo de todo o seu recheio, e para a tentativa de aprisionamento, pela violência, do próprio Governo, ultrapassam todos os limites de tolerância, e põem em causa a subsistência, não já de uma autoridade eficaz, mas de toda e qualquer autoridade, senão mesmo da própria nação como estado independente.
Como facilmente se compreenderá, não posso nem devo explicitar aqui todos os riscos potenciais da situação emergente. Mais importante é que garanta ao povo português, cuja ansiedade não desconheço, a minha determinação, e a determinação do MPA, de pôr cobro à escalada de desestabilização política, social e económica a que vimos assistindo.
A medida agora ordenada insere-se na linha de uma tenaz defesa da Revolução portuguesa, com destaque para os dois pontos essenciais do seu programa político: a defesa da independência nacional e a realização do socialismo.
Definido o seu principal inimigo - as forças da reacção - seria, no entanto, irrealista uma quebra de vigilância em face dos grupos que por aquelas se deixam manipular, ou que, inconscientemente, fazem o seu jogo, ainda que animadas dos mais salutares intuitos.
Exemplo de manipulação política são as formas de que acabou por se revestir a luta, basicamente justa, dos deficientes das Forças Armadas. Todos estamos conscientes de que eles foram as grandes vítimas das guerras coloniais e de que lhes é devida uma justa reparação. Simplesmente uma coisa é isso, outra a exploração demagógica da sua razão, para além da justiça relativa imposta pela relatividade dos meios financeiros de que o País dispõe. O Governo não pode continuar a governar sob a pressão de grupos políticos empenhados em destruí-lo, mesmo pelo preço da destruição da própria nação.
O povo português compreende e sabe que um Governo não é mais Governo se se deixar encarcerar até que ceda às forças de pressão que dele exigem um decreto, indiferentes às suas consequências financeiras. Como compreende que não haverá Governo possível sem o mínimo de autoridade e de capacidade de intervenção obstativa da depredação física e moral dos valores mais respeitáveis.
Os últimos acontecimentos, longe de terem deparado com a pedagógica reprovação dos órgãos de informação, contaram com a sua conivência e o seu apoio. Talvez, em alguns casos, esse apoio tenha tido na base sentimentos respeitáveis. Nem por isso deixaram de ser graves os resultados a que conduziram.
Apelos à indisciplina militar, aliciamentos para acções sediciosas, formas de informação propositadamente deturpada, campanhas que criam ao Governo e ao País dificuldades e responsabilidades de difícil remoção e reparação, não definem uma informação livre, progressista e patriótica. Bem ao contrário, servem a contra-revolução e encomendam o regresso do totalitarismo fascista. Em termos de Governo, não são só os nobres sentimentos que contam; conta também o realismo que põe num prato da balança a justiça ideal e no outro a justiça possível, reconduzindo as medidas governativas a prosaicos termos de equilíbrio entre o que se pode e o que se deve.
Em breve terei oportunidade de esclarecer o País sobre a situação das contas públicas e das limitações que determina. Então se concluirá até que ponto é irrealista amontoar reivindicações de satisfação impossível, e irresponsável secundá-las sem conhecimento das suas consequências. Ver-se-á também em que medida pode constituir um erro de funestos resultados atacar os alicerces da autoridade, da disciplina e da ordem, exactamente numa situação e num momento em que, mais do que nunca, a continuidade da Revolução e talvez o País, delas depende.
Reconhecemos o papel fundamental que, nesse domínio, podem desempenhar os órgãos de informação. Temos no entanto de reconhecer também que alguns deles o têm desempenhado de forma corrosiva da autoridade, da ordem e da disciplina indispensáveis a consumação da Revolução socialista que propusemos ao povo português. Daí a necessidade da medida agora ordenada, naturalmente de natureza excepcional, repito, e de duração limitada ao bastante para que os órgãos de informação possam, sem perigosas manipulações, desempenhar o seu papel de verdadeiros agentes do processo revolucionário em curso.
Finalizarei com um apelo ao povo português para uma verdadeira consciência revolucionária, que se exprima em luta social mas também em trabalho, em fervor ideológico mas também em solidariedade humana.