Coleções - Legislação - Novo salário mínimo ( Dec.-Lei 292/75 de 15 de Junho)

NOVO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL

DECRETO-LEI 292/75, DE 16 DE JUNHO


A caminho de um socialismo português, há que repensar e reestruturar a dinâmica das relações de trabalho. Em ordem, antes de mais, à valorização do próprio trabalho, como factor político de crescente projecção e influência.
Está na ordem do dia a batalha da produção, que passa pela mobilização dos trabalhadores para as grandes tarefas da reconstrução do País.
Medidas de justiça laboral dirigidas nomeadamente à correcção das distorções salariais próprias da economia capitalista e à disciplina da contratação individual e colectiva, passando por um esquema de regalias sociais não discriminatórias, para além do seu valor intrínseco, constituem o melhor estímulo ao empenhamento dos trabalhadores na melhoria do rendimento nacional e na equidade da sua distribuição.
Com metas já definidas pelo Conselho Superior da Revolução, há que tentar uma aproximação delas sem recuo, ainda que contemporizando transitoriamente com situação e dificuldades de conjuntura.
Nesse contexto se insere o presente diploma, que, sendo um passo em frente, não é ainda a caminhada. Mas não seria razoável que se adiassem medidas, que podem ser tomadas desde já, com base na consideração de que constituem apenas a parte de um todo que seria impossível accionar neste momento.
Entretanto, vai-se atendendo à situação em que se encontram as camadas mais desfavorecidas da classe trabalhadora, quanto a salários e férias, corrigindo distorções e eliminando disparidades. Estabelece-se o congelamento, necessariamente temporário em tempo de inflação, dos ordenados superiores a 12 000$. Eleva-se para 4000$ o salário mínimo nacional. Fixa-se um tecto salarial à remuneração do trabalho, em termos que hão-de ser regulamentados. Optou-se pelo valor da ordem do que ganham os Ministros do Governo, assim se estendendo a todas as empresas um limite que já vigora para as empresas públicas. O leque salarial herdado do fascismo, de amplitude sem limite, fica assim, e desde já, reduzido a um ângulo que começa a não envergonhar.
Com ser relativamente mais limitado, não deixa, contudo, de continuar a possibilitar desvios chocantes do princípio de que a trabalho igual deve, tanto quanto possível, corresponder salário igual. Reconhecem-se sem esforço manchas degradadas e sectores privilegiados que há que reconduzir a termos de mais equilibrada justiça salarial. Lá chegaremos.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.°, n.° l, alínea 3), da Lei Constitucional n.° 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

CAPÍTULO I

Salários

ARTIGO l.º

1. A todos os trabalhadores por conta de outrem ê garantida uma remuneração de montante mensal não inferior a 4000$, com efeitos a partir de l de Junho de 1975, ressalvadas as situações previstas no artigo 2.°
2. A remuneração indicada no número anterior não abrange quaisquer subsídios, gratificações ou prémios, e entende-se como referente a trabalho em tempo completo.
3. Para aplicação do disposto no n.° l, a remuneração dos trabalhadores em regime de tempo parcial, ou pagos à quinzena, à semana ou ao dia, será calculada multiplicando o valor da remuneração horária pelo número de horas mensais, quinzenais, semanais ou diárias de serviço prestado.
4. O valor da remuneração horária garantida calcula-se pela fórmula 4000$ X 12 , sendo n o número de horas correspondente ao período normal de 52 X n
trabalho semanal.

ARTIGO 2.º

1. Não se aplica o disposto no artigo anterior:

a) Aos funcionários públicos e administrativos, cuja situação será contemplada em diploma próprio;
b) Aos trabalhadores rurais e empregados domésticos, que ficarão sujeitos a legislação especial;
c) Aos menores de 20 anos, sem prejuízo do princípio de que, na mesma empresa, a trabalho igual deve corresponder salário igual;
d) As empresas com dez ou menos trabalhadores, quando se verifique a inviabilidade económica da remuneração prevista no artigo 1.°.

2. A competência para a apreciação das situações previstas na alínea d) do número anterior cabe ao Ministério do Trabalho e ao Ministério responsável pelo sector de actividade em que se integrem as empresas interessadas.
3. Nas empresas de qualquer dimensão em que se tenha verificado intervenção ou assistência do Estado, designadamente nos termos do Decreto-Lei n.° 660/74, de 25 de Novembro, o Ministro responsável pelo sector de actividades em que se integram as mesmas empresas e o Ministro do Trabalho definirão, por despacho conjunto, as condições de aplicabilidade do disposto no artigo 1.°, tendo em conta a situação económico-financeira dessas unidades produtivas.
4. O Governo poderá designar sectores ou áreas geográficas em crise, o que implicará a inaplicabilidade temporária da remuneração mínima garantida pelo artigo 1.°, a adopção de medidas de recuperação ou reconversão económica e as formas de intervenção ou assistência que as circunstancias aconselharem.
5. Nas situações a que se refere o número anterior, o Ministro do Trabalho e o Ministro responsável pelo sector económico ou pela área de actividade em causa definirão, por portaria conjunta, as regras a observar no tocante à determinação dos salários e outras condições de trabalho.

ARTIGO 3.º

1. Todas as (remunerações iguais ou superiores a 12 000$ mensais não poderão ser alteradas antes de 31 de Dezembro de 1975.
2. Considera-se violação ao congelamento estabelecido no número anterior a atribuição de eficácia retroactiva às cláusulas salariais negociadas ou publicadas após a data ali mencionada.
3. O disposto no n.° l aplica-se aos vencimentos e a todas as outras formas de remuneração de administradores, gerentes, directores ou membros dos órgãos sociais ou similares de quaisquer sociedades ou empresas, privadas ou públicas.
4. Não poderão ser aumentados os quantitativos dos prémios, gratificações e outras formas de retribuição percebidas por aqueles que aufiram as remunerações previstas no n.° 1.
5. Com ressalva do disposto nos números anteriores, o âmbito de aplicação da regra de congelamento estabelecida neste artigo corresponde ao da remuneração mínima garantida pelo artigo 1.°

ARTIGO 4.º

É fixado em 48 900$ por mês o salário máximo nacional de quaisquer trabalhadores ao serviço de empresas públicas ou privadas e das nacionalizadas, para vigorar nos termos e com as excepções que vierem a ser regulamentados dentro do prazo não superior a trinta dias e a partir da data da entrada em vigor do diploma regulamentar.

ARTIGO 5.º

l. Os instrumentos de regulamentação colectiva, em qualquer modalidade, e os contratos individuais de trabalho só poderão estabelecer, como contrapartida do trabalho prestado, a retribuição a pagar regularmente em cada mês, quinzena, semana ou dia de serviço efectivo.
2. Exceptuam-se ao disposto no número anterior, exclusivamente, o subsídio de férias e o subsídio de Natal, desde que não exceda, qualquer deles, a importância correspondente, nos termos daquele preceito, a um mês de retribuição.

ARTIGO 6.º

Serão nulas, na parte correspondente, as cláusulas que infrinjam o disposto no artigo anterior, ARTIGO 7.º

As regras constantes dos artigos anteriores não prejudicam a validade dos contratos em vigor, mas as importâncias nestes fixadas, que excedam os limites estabelecidos pelo artigo 5.°, serão integradas, por fracções iguais, nas prestações previstas no mesmo artigo.

ARTIGO 8.°

1. As entidades patronais que violarem o estabelecido no artigo anterior incorrem na aplicação de multas de montante equivalente ao dobro da prestação irregularmente paga.
2. O produto das multas reverterá para o Fundo de Desemprego.

ARTIGO 9.°

É obrigatória, em todas as empresas com trabalhadores ao seu serviço, a afixação do quadro de pessoal, com as correspondentes remunerações, em local bem visível das Instalações ou estabelecimento em que se exerça a sua actividade.

CAPÍTULO II

Contratação colectiva

ARTIGO 10.°

1. Até 31 de Dezembro de 1975, será publicado um diploma regulador das relações colectivas de trabalho.
2. Enquanto não for publicado o diploma referido no número anterior, a contratação colectiva obedecerá às disposições constantes dos artigos seguintes.

ARTIGO 11.°

1. Deverá ser remetida ao Ministério do Trabalho cópia de qualquer proposta de convenção colectiva de trabalho em curso ou que seja apresentada à entidade destinatária após a entrada em vigor deste diploma.
2. Deverá ser igualmente dado conhecimento ao Ministério do Trabalho do teor das contrapropostas que a entidade destinatária formule.


ARTIGO 12.º

O Ministério do Trabalho poderá fornecer às partes um ou mais projectos de solução do conflito, nomeadamente no respeitante a retribuições e categorias profissionais, e promover outras diligências adequadas à resolução do diferendo.

ARTIGO 13.°

1. Por acordo das partes, poderá ser constituída uma comissão arbitrai para solucionar o conflito.
2. A comissão será sempre presidida por um delegado do Governo e deverá deliberar no prazo máximo de vinte dias.
3. O recurso à arbitragem implica o compromisso de aceitação da decisão arbitrai como solução definitiva do conflito.

ARTIGO 14.º

1. Quer as propostas e contrapropostas, quer os projectos de solução apresentados pelo Ministério do Trabalho, quer as negociações entre as partes, quer as decisões arbitrais, deverão, em qualquer caso, dar a primazia à determinação do montante global a afectar ao acréscimo de retribuições, em função da capacidade económica das empresas ou sectores de actividade e do aumento do custo de vida.
2. O montante global destinado à actualização de retribuições constará obrigatoriamente de cláusula própria de cada instrumento de regulamentação colectiva, sem o que será denegada a sua publicação, nos termos do artigo 16.°.
3. Esgotadas as possibilidades de acordo quanto à fixação do montante global referido neste artigo, poderá o Ministério do Trabalho, ouvido o Conselho Económico, estabelecê-lo, a título definitivo, de harmonia com os critérios indicados no n.° l e com as exigências da economia nacional.
4. O montante referido no n.° l não poderá, em caso algum, exceder o resultante de limites fixados ou critérios estabelecidos pelo Governo, genericamente ou por sectores de actividade.
5. No caso de fixação pela via referida no n.° 3, serão nulas e de nenhum efeito as cláusulas através das quais esse limite seja excedido, havendo lugar às consequências previstas no artigo 16.°.
6. Na distribuição do montante global de aumento não poderão ser fixadas novas remunerações acima de 12000$.
7. Tanto no cálculo a que se refere o n.° l como na determinação de retribuições por categorias, nomeadamente para aplicação do limite de 12000$ fixado no n.° 6, serão computadas, para além do salário base, todas as quantias pagas pela entidade patronal ao trabalhador, excepto as que directamente correspondam a deslocações em serviço.
8. Determinado o montante global referido no n.° l, os critérios da sua distribuição pelos trabalhadores só serão objecto de mediação ou arbitragem se os interessados se não puserem de acordo, dentro de prazo previamente acordado, ou fixado, se for caso disso, pelo Ministério do Trabalho, acerca da forma como essa distribuição deva ser feita.

ARTIGO 15.º

1. É vedada a atribuição de eficácia retroactiva, para data anterior à da apresentação da proposta de convenção, a qualquer das suas cláusulas.
2. É igualmente proibida a fixação de acréscimos salariais diferidos para data posterior a 31 de Dezembro de 1975.
3. O prazo mínimo de vigência das convenções colectivas é fixado em um ano.

ARTIGO 16.º

1. As cláusulas das convenções colectivas de trabalho na parte em que violem o disposto neste diploma são nulas e de nenhum efeito, podendo ser denegada, com esse fundamento, a sua publicação no Boletim do Ministério do Trabalho.
2. A publicação de cláusulas nulas não implica que a sua ilegalidade fique sanada, permanecendo assim a improcedência de quaisquer pretensões individuais que nelas se fundamentem.
3. A nulidade das cláusulas não prejudica a sua redução, nos termos do artigo 292.° do Código Civil.
4. As normas do presente capitulo aplicam-se a todos os processos de contratação colectiva a nível de empresa, dependendo a eficácia e validade dos acordos a esse nível celebrados de prévia publicação no Boletim do Ministério do Trabalho.

ARTIGO 17.º

1. O disposto neste capítulo aplica-se igualmente aos processos de contratação colectiva pendentes.
2. Porém, nos processos de contratação em que já tenha havido ou esteja em curso a mediação do Ministério do Trabalho, o Governo poderá autorizar a não aplicação de todas ou algumas das normas deste capítulo que estabelecem limites ao objecto da contratação.

CAPÍTULO III

Férias e feriados

ARTIGO 18.º

1. É assegurado aos trabalhadores por conta de outrem o mínimo de quinze dias consecutivos de férias remuneradas.
2. Em caso algum poderão ser atribuídas a qualquer trabalhador férias de duração superior a trinta dias, incluindo domingos e feriados iniciais, Intermédios ou finais, mesmo se gozadas interpoladamente,
3. Os trabalhadores abrangidos por este artigo têm direito a um subsídio de férias equivalente ao da remuneração do respectivo período de férias.

ARTIGO 19.º

Nas empresas públicas e nacionalizadas, bem como nas empresas privadas, apenas poderão ser observados, a titulo de feriados, além do feriado municipal da localidade, os legalmente obrigatórios, a Sexta-Feira Santa ou a segunda-feira posterior ao Domingo de Páscoa e o dia 24 de Dezembro.

ARTIGO 20.º

l. O disposto no artigo 18.° não se aplica ao trabalho rural, ao serviço doméstico, ao trabalho portuário e ao trabalho de bordo, que serão regidos por legislação especial.
2. Os trabalhadores eventuais e sazonais têm direito a um dia de férias remuneradas por cada mês completo de serviço.

CAPÍTULO IV

Despedimentos

ARTIGO 31.º

Fica suspensa, pelo prazo de trinta dias, a faculdade de fazer cessar o contrato individual de trabalho, por decisão unilateral, que o regime jurídico desse contrato reconhece às entidades patronais.

ARTIGO 22.º

No prazo referido no artigo anterior será publicada nova legislação sobre a cessação do contrato de trabalho e sobre os despedimentos colectivos,


ARTIGO 23.°

1. O disposto mo artigo 21.° não se aplica à rescisão por justa causa, desde que nela concorram as seguintes condições:

a) Ser a causa alegada uma infracção disciplinar grave;
b) Ter sido verificada a infracção através de procedimento disciplinar reduzido a escrito, de que constem, pelo menos, o envio de nota de culpa ao trabalhador arguido e a audiência deste.

2. Não se aplica também o preceituado no artigo 21.° aos casos de caducidade do contrato de trabalho devida ao esgotamento de prazo certo ou à verificação de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, da prestação de trabalho, desde que, nesta última situação, ambos os contraentes conheçam ou devam conhecer o facto determinante da impossibilidade.
3. São igualmente exceptuados do âmbito de aplicação deste diploma os trabalhadores eventuais e sazonais, desde que esta qualidade corresponda à natureza do seu trabalho.

ARTIGO 24.º

Os actos extintivos promovidos pela entidade patronal contra o disposto neste decreto-lei são nulos e de nenhum efeito.

CAPÍTULO V

Disposições finais

ARTIGO 25.º

1. Os administradores, gerentes ou directores das empresas que autorizem ou promovam acréscimos salariais com inobservância do limite fixado no n.° l do artigo 3.° incorrem na pena prevista para o crime de desobediência.
2. A sanção indicada no número anterior não prejudica a obrigação de reposição das quantias indevidamente pagas.

ARTIGO 26.º

Lei especial a publicar no prazo máximo de trinta dias adaptará, nos termos previstos no n.° 4 do artigo 2.°, as normas referentes ao salário mínimo à situação económica e social da Madeira e dos Açores, áreas geográficas cuja crise é já evidente,

RTIGO 27.°

Este decreto-lei entra imediatamente em vigor.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves - Álvaro Cunhal - Francisco José Cruz Pereira de Moura - Joaquim Jorge Magalhães Mota - Mário Alberto Nobre Lopes Soares- Mário Luís da Silva Murteira - José Joaquim Fragoso - José Inácio da Costa Martins.

Promulgado em 4 de Junho de 1975. 

Publique-se. 

O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.