COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO
DECRETO-LEI N.° 463/75, DE 27 DE AGOSTO
As antigas «comissões corporativas», às quais incumbia, entre outras funções, a realização de tentativa de conciliação prejudicial nos litígios individuais referentes às relações de trabalho, estão hoje, obviamente, neutralizadas e vazias de sentido e conteúdo.
Há, por outro lado que reconhecer as vantagens de que se reveste a efectivação daquela diligência por órgãos directamente ligados ao contexto real dos litígios - vantagens de celeridade processual e de autenticidade dos resultados.
Acresce a conveniência de se estabelecer um mecanismo processual simplificado para o julgamento das questões de menor valor, com a inerente redução do congestionamento de serviço que se verifica nos tribunais do trabalho.
Parece, ainda, particularmente oportuno experimentar um novo tipo de órgão jurisdicional, em que se achem representados os trabalhadores e as empresas, mesmo antes de estabelecida a indispensável reforma do Código de Processo do Trabalho, já em curso.
São, assim, criadas, com âmbito distrital, as comissões de conciliação e julgamento (CCJ), com uma composição tripartida - um presidente, nomeado pelo Ministro do Trabalho, e dois membros designados pelas partes signatárias das convenções colectivas correspondentes.
Compete-lhes, de um modo geral, tentar a conciliação em todas as questões individuais relacionadas com o cumprimento dos contratos de trabalho e julgar, sem recurso, aquelas cujo valor não exceda 20 000$, além das que, independentemente de valor, as partes, por acordo prévio, lhes submetam para julgamento. No diploma faz-se referência a várias alíneas do artigo 14.° do Código de Processo do Trabalho para explicitar que a competência das CCJ não se estende às questões resultantes de acidentes de trabalho, doenças profissionais, nem abrange os processos de previdência, as acções penais e outras.
Admitem, todavia, sempre recurso as decisões respeitantes ao valor da causa, dos incidentes ou procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor exceda a alçada das CCJ - 20000$. Admite igualmente o recurso o despacho que indefira a petição com fundamento em inaptidão da mesma, incompetência absoluta, falta de legitimidade, personalidade ou capacidade judiciária das partes, no facto de a acção ter sido proposta fora do tempo ou na evidente improcedência da pretensão do autor.
Pretende-se que as CCJ deliberem sempre com a presença de todos os seus membros, mas, para prevenir a morosidade processual - com os consequentes prejuízos para as partes -, possibilita-se que, em segunda convocação, funcionem com qualquer número de membros, desde que um deles seja o presidente.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea 3), da Lei Constitucional n.° 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
ARTIGO 1.°
No âmbito de cada instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, e em cada distrito por ele abrangido, são constituídas comissões de conciliação e julgamento (CCJ) destinadas a solucionar as questões resultantes das relações individuais de trabalho, previstas nas alíneas a), e), f), g) e h) do artigo 14.° do Código de Processo do Trabalho.
ARTIGO 2.º
1. As CCJ são constituídas por três membros, dos quais um, que será o presidente, nomeado pelo Ministro do Trabalho por período de um ano, renovável, e os restantes designados pelas partes signatárias da convenção colectiva ou pelos sindicatos e associações patronais ou empresas competentes.
2. As comissões consideram-se constituídas após a publicação, no Boletim do Ministério do Trabalho, da identidade dos seus componentes.
ARTIGO 3.º
1. Os presidentes serão escolhidos entre indivíduos licenciados em Direito, com experiência profissional no domínio das questões de trabalho.
2. A nomeação recairá, sempre que possível, em agentes do Ministério Público dos tribunais do trabalho ou delegados do procurador da República, em regime de requisição.
3. Quando o volume de serviços o permitir, poderá ser nomeado um presidente para várias comissões.
4. Aos presidentes das CCJ aplicam-se, com as necessárias adaptações, as normas relativas a garantias de imparcialidade previstas nos artigos 122.° e seguintes do Código de Processo Civil
ARTIGO 4.°
1. Os mandatos dos representantes dos sindicatos, associações patronais e empresas terão a duração de um ano, renovável, mas poderão ser revogados em qualquer momento pelas entidades representadas.
2. Juntamente com os representantes efectivos, serão designados suplentes para substituir aqueles em caso de impedimento.
ARTIGO 5.°
1. As despesas decorrentes da instalação e do funcionamento das CCJ serão suportadas pelo fundo comum das comissões de conciliação e julgamento, que terá sede no Ministério do Trabalho, em Lisboa, e será gerido por uma comissão administrativa que incluirá representantes das confederações nacionais de trabalhadores e de entidades patronais,
2. O fundo comum das CCJ será constituído pelas receitas provenientes das taxas e multas cobradas pelas comissões, pelas contribuições dos sindicatos e das associações patronais interessados e pelas dotações orçamentais respectivas.
3. O expediente das CCJ será assegurado por secretarias distritais, comuns às várias comissões existentes em cada distrito.
4. As condições de provimento e remuneração dos presidentes das CCJ, da comissão e prestação de serviço e acesso do pessoal das secretarias distritais, da fixação das contribuições dos sindicatos e associações patronais e das taxas e multas a cobrar nos termos do n.° 2, bem como do funcionamento das comissões, serão definidas em regulamento a aprovar por portaria do Ministro do Trabalho, do Ministro da Administração Interna e do Ministro da Justiça, sob proposta da comissão a que se refere o artigo 15.°
ARTIGO 6.º
1. Compete às CCJ:
a) Tentar a conciliação em todas as questões emergentes das relações individuais de trabalho;
b) Julgar as questões emergentes das relações individuais de trabalho cujo valor não exceda 20000$, bem como aquelas, que, independentemente do valor, lhes sejam submetidas por acordo das partes.
2. A tentativa de conciliação pode ter lugar a todo o tempo por iniciativa comum das partes e duas vezes por iniciativa da própria comissão.,
ARTIGO 7.º
1. Nas acções referidas na alínea b) do n.° 1 do artigo anterior não é admissível recurso, salvo o disposto nos números seguintes.
2. O recurso é admissível, independentemente do valor da causa, se tiver por fundamento a violação das regras de competência internacional, em razão da matéria e da hierarquia, ou a ofensa de caso julgado.
3. Admitem sempre recurso também as decisões a que alude o n.° 3 do artigo 678.° do Código de Processo Civil.
4. É igualmente passível de recurso o despacho liminar que indefira a petição inicial com fundamento em qualquer das alíneas do n.° 1 do artigo 474.° do Código de Processo Civil.
5. Se, no domínio da mesma legislação, a CCJ proferir duas decisões que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas, pode recorrer-se da decisão proferida em último lugar para o tribunal do trabalho, que também será o competente para conhecer dos restantes recursos.
ARTIGO 8.°
A decisão final das CCJ, bem como o auto de conciliação valem para todos os efeitos como títulos executivos perante os tribunais do trabalho.
ARTIGO 9.°
1. A instrução e julgamento do processo rege-se pelas normas em vigor para o processo sumário, com as devidas adaptações.
2. A CCJ deve realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, requeridas ou não pelas partes.
ARTIGO 10.°
Ao presidente das CCJ compete orientar o seu funcionamento e expediente e ordenar as diligências deliberadas para o bom andamento dos processos, cabendo-lhe ainda voto de qualidade em caso de empate nas decisões.
ARTIGO 11.º
1. As deliberações só podem ser tomadas em primeira convocação com a presença de todos os membros da comissão.
2. Em segunda convocação, na falta de qualquer dos assessores, a comissão funciona com qualquer número de membros, salvo quando se verifique caso de força maior na pessoa de algum deles.
ARTIGO 12.º
O trabalhador poderá ser representado na tentativa de conciliação pelo respectivo sindicato, se este estiver habilitado pelo primeiro com poderes expressos para o obrigar.
ARTIGO 13.º
1. Os debates das CCJ são rigorosamente secretos, não podendo qualquer dos seus membros revelar o que neles ocorrer ou emitir publicamente opinião a tal respeito.
2. A violação do disposto no número anterior determinará, conforme os casos, a exoneração do presidente ou a cessação do mandato do membro infractor.
ARTIGO 14.º
1. São desde já integrados, sem outras formalidades, no fundo comum das comissões de conciliação e julgamento os valores constitutivos do fundo comum das comissões corporativas.
2. O pessoal das secretarias distritais das comissões corporativas transitam, sem mais formalidades, para as secretarias distritais das CCJ, assim como o direito ao arrendamento das respectivas instalações.
ARTIGO 15.º
O Ministro do Trabalho designará, por despacho, uma comissão instaladora das comissões de conciliação e julgamento para, no prazo de trinta dias a contar da data do mencionado despacho, preparar o regulamento a que se refere o n.° 4 do artigo 5.° erealizar as diligências necessárias à constituição, instalação e início de funcionamento das mencionadas comissões.
ARTIGO 16.º
Desde a data da entrada em vigor deste diploma até ao termo do período indicado no artigo anterior:
a) Ficam suspensos os processos emergentes de relações individuais de trabalho, pendentes de tentativa de conciliação extrajudicial, seja qual for a entidade a que estejam afectos, e ainda os que obedeçam à forma sumaríssima, mantendo-se suspenso, durante o mesmo período, o prazo de prescrição de direito e da caducidade da respectiva acção
b) Não poderão ser formulados novos pedidos para tentativa de conciliação extrajudicial nem interpostas quaisquer outras acções nos tribunais do trabalho, ficando suspensos, durante o mesmo período, os prazos de prescrição de direito e da caducidade da acção.
ARTIGO 17.º
Até à revisão o Código de Processo do Trabalho, mantém-se em vigor, em tudo o que não contrarie o disposto neste decreto-lei, e com as necessárias adaptações, o artigo 50.° daquele Código e o Decreto-Lei n.° 54/74, de 15 de Fevereiro.
Disposições transitórias
ARTIGO 18.°
1. Os representantes dos sindicatos, associações patronais e empresas deverão ser designados e indicados à comissão prevista no artigo 15.°, no prazo de quinze dias a contar da entrada em vigor do presente diploma.
2. Em caso de inobservância do preceituado no número anterior ou quando não existirem organismos representativos dos interessados, a designação dos representantes caberá ao Ministério do Trabalho.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves - Álvaro Cunhal - Joaquim Jorge Magalhães Mota - Mário Alberto Nobre Lopes Soares - Francisco José Cruz Pereira de Moura - António Carlos Magalhães Arnão Metelo - Francisco Salgado Zenha - José Joaquim Fragoso - José Inácio da Costa Martins.
Promulgado em 10 de Julho de 1975.
Publique-se.
O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.