Dossier 25 de Abril.16 de Março


16 DE MARÇO
 
Novos ministros e golpe das Caldas
Duas realidades se cruzam, incompatíveis, neste dia português. Aquela que os jornais da manhã proclamam, nas suas primeiras páginas, e uma outra, cujos sinais só mais tarde virão a ser entendidos no seu significado total.
Marcello Caetano discursa na tomada de posse dos novos ministros (Mário de Oliveira, Mota Campos, Daniel Ribeiro), secretários e subsecretários de Estado; Américo Thomaz dá posse à comissão de revisão de contas da Fundação Salazar, composta entre outras personalidades pelo banqueiro Manuel Ricardo Espírito Santo e pela directora-geral da Acção Social, Raquel Ribeiro; o deputado Aníbal de Oliveira comemora mais um aniversário da "eclosão do terrorismo em Angola", dizendo na Assembleia Nacional que a luta "está praticamente reduzida a raras infiltrações de terroristas, de muito menor amplitude do que aquelas que se verificam em qualquer parte do chamado mundo civilizado".
Quem entre em Lisboa pela Rotunda do Relógio depara, contudo, com forte aparato militar (Exército, GNR, Legião, PIDE-DGS), cujas razões só perceberá se ouvir a emissão em português da BBC, nessa noite: uma coluna motorizada com duas centenas de homens transpusera às quatro da madrugada os portões do RI 5, das Caldas da Rainha, em direcção a Lisboa, para derrubar o Governo. Retrocederia horas depois, a três quilómetros da portagem, após perceber que nenhuma outra unidade saíra, como esperava. A primeira acção do Movimento dos Capitães termina com a prisão de quase duas centenas de oficiais, sargentos e praças.
Uma nota sobre o despedimento de Paradela de Abreu da editora Arcádia, comprada recentemente pelo grupo CUF, sobressai na primeira página do jornal oposicionista "República". O vespertino dirigido por Raul Rego faz a ligação óbvia entre o despedimento e o papel de Paradela de Abreu na edição do livro "Portugal e o Futuro", do general António de Spínola - primeiros dois mil exemplares postos à venda a cem escudos ao meio-dia de 22 de Fevereiro, na livraria do Apolo 70, e esgotados pelas 15 horas.
Nas páginas interiores de "O Século", os generais Costa Gomes e António de Spínola olham, enlevados, para os emblemas de ouro que acabam de receber na qualidade de antigos alunos do Colégio Militar. Marcello demitira-os, no dia anterior, da chefia do Estado-Maior General das Forças Armadas. Dentro de pouco mais de um mês, Spínola (a figura mais mediática da época) receberá a rendição de Marcello.
A "série de êxitos populares" no Coliseu termina com chave de ouro, oferecendo aos frequentadores do Coliseu a "Sétima" de Beethoven e a "Fantástica" de Berlioz, executadas pela Ópera de Paris, sob a direcção de Georg Solti (esse mesmo que, 20 anos depois, veio de novo ao - agora mais ruidoso, efeito da falta de hábito de ouvir a grande música - Coliseu inaugurar Lisboa, Capital da Cultura). Leva "sete meses de êxito", com "25 lindas mulheres", a revista "Tudo a nu", em que contracenam Anabela, Nicholson, Rui Mendes, Henrique Viana e Helena Isabel. O filme "Pipi das Meias Altas" exibe-se amanhã de manhã, no 444.
Documento
"Atentado (apedrejamento?) à residência, na Chamusca, do presidente da Assembleia Nacional - proibido. "O Capital", de Karl Marx - anúncios proibidos. Conferência no conselho distrital do Porto da Ordem dos Advogados sobre 'Liberdade de imprensa' - proibido o título. Coronel Roma Torres." "Atentado à casa de Amaral Neto. Parece que atiraram lá para dentro um pano a arder - proibido. Demissão de Costa Gomes e António Spínola - embargo até às 5 horas da manhã. Se o jornal sair antes, não pode publicar! Capitão Correia de Barros."
"O caso de Lamego é para proibir. Quanto ao caso das Caldas da Rainha, parece que o senhor director do Exame Prévio vai autorizar mais qualquer coisa do que a nota oficiosa. Mas ainda não se sabe o que é. Ele ainda está a ler os papéis todos e depois é que dirá. Portanto, mandem o que têm." "Rebentou uma mina entre Viseu e Lamego - feriu um soldado e matou outro. É para proibir. Jornais de Lisboa falam do aumento do preço das viaturas automóveis de aluguer. A notícia pode dar-se. Mas é proibido enumerar os preços concretamente. Coronel Saraiva."
(Telegramas de 16/3/74 da Comissão de Exame Prévio do Porto para o "Jornal de Notícias", in "Os Segredos da Censura", de César Príncipe, ed. Caminho)