Dossier 25 de Abril.18 de Março

18 DE MARÇO
 
(FOTO: página 19 do "República" com o título:
Sporting, 2-Porto,0 "Quem travará os "'leões'"?)
Quem travará os leões?
Carlos Lopes ganha direito a fotografia ao vencer a estafeta Cascais-Lisboa. Funeral do jornalista Ferreira de Castro, tornado célebre na metrópole pelas suas crónicas aos microfones da Emissora Nacional sobre a evolução da guerra em Angola. "O Século" noticia o lançamento do livro "Nós nunca Seremos a Geração da Traição", historiando o I Congresso dos Combatentes, realizado em meados do ano anterior e que tanta indignação provocara em muitos oficiais.
Marcello Caetano concede uma entrevista à revista francesa "Le Point": "Não sei o que o futuro me reserva e é-me impossível prever a situação daqui a alguns anos."
Com Lisboa cheia de repórteres estrangeiros, despachados à pressa para descreverem o que se passa em Portugal, a edição desta manhã do jornal do regime "A Época" relata o "day after" num estilo melífluo muito característico: "Em Lisboa, como no resto do país, o domingo foi gozado ao sol e em paz, na tão falada 'pax lusitana' que fez abrir Portugal à admiração dos visitantes estrangeiros. (...) O mercado, o bem abastecido mercado das Caldas da Rainha, registou o movimento normal de forasteiros que ali habitualmente se deslocam para abastecimento, sobretudo de fruta, uma das melhores do país. E não só. Também nas pastelarias, onde se fabricam as apetitosas 'cavacas', não decresceu o movimento dos apreciadores (...). Em tudo, um domingo calmo, de sol, com a particularidade de ter sido, em todo o país, o último domingo de Inverno."
Do outro lado da barricada jornalística, o vespertino "República" aproveita a derrota do F.C. Porto no estádio do Sporting para construir um monumento de duplos sentidos e piscadelas de olho, próprias dum tempo em que a censura obrigava jornalistas e leitores a procurarem as mensagens nas entrelinhas: "Os muitos nortenhos que no fim-de-semana avançaram até Lisboa, sonhando com a vitória, acabaram por retirar, desiludidos pela derrota. O adversário da capital, mais bem organizado e apetrechado (sobretudo bem informado da sua estratégia, contando ainda com uma assistência fiel), fez abortar os intentos dos homens do Norte. Mas, parafraseando o que em tempos dissera um astuto comandante, 'perdeu-se uma batalha, mas não se perdeu a guerra'."
Como acontecera meses antes com a fotografia do Templo de Diana, escolhida para capa da revista oposicionista "Seara Nova", logo a seguir ao seu encontro clandestino num monte das imediações, os "capitães" interpretam este primeiro parágrafo da crónica de Eugénio Alves como a resposta da "sociedade civil" às suas acções conspirativas. Escreverá Otelo Saraiva de Carvalho, anos mais tarde, no seu livro "Alvorada em Abril": "Lêmo-la como uma mensagem de confiança. Era optimista e estimulante."
Nessa noite, numa mesa do café Londres, o mesmo Otelo e Vítor Alves pedem a Melo Antunes (com partida marcada para 23 desse mês para os Açores) "a redacção tão rápida quanto possível" do programa político do MFA.
Documento
"18 Março (segunda). (...) O livro de Spínola alastrou numa revolta militar frustrada. O livro? Há um clima de inquietação, um cansaço do provisório em que vivemos. O difícil da questão é que solução alguma se nos impõe como boa. Há que escolher a menos má. Qual? A África é dos pretos que 'exploramos' há quinhentos anos. Exploramos? Só? Mas como aguentar o embate da separação? O recurso seria retroactivo: termo-nos preparado para isso. Mas Salazar, como certos bichos, o que segregou foi pedra. Dizem-me: o Marcelo quer aguentar a guerra até estarmos preparados. Mas o desgaste não vai mais depressa que a preparação? (...)" (Vergílio Ferreira, "Conta-Corrente", I, ed. Bertrand)