23 DE MARÇO
 
[foto Miss Portugal]
Querida RTP
Tensão em Viseu, onde se aguarda o funeral das vítimas de um rixa entre ciganos. A Gulbenkian abre as suas portas e torna público o ensaio do seu Requiem de Mozart. Uma brigada da Inspecção-Geral das Actividades Económicas impede alguns cafés de subirem o preço da bica para 2$50. Na Dinastia, chega aos 245 contos um óleo sobre tela de Alves Cardoso; um desenho aguarelado de Bernardo Marques atinge os 57 contos; Carlos Botelho, com "Casario", alcança os 50; "o conhecido Manuel Cargaleiro, com composição", vai aos 47.500$00 e um nu de Manuel Ribeiro Pavia aos 29.500$00. "Por falta de interesse", é retirada uma gravura de Sonya Delaunay.
O vespertino "A Capital", que todos os dias divulga a fotografia de mais uma candidata aos títulos de Miss Portugal e Miss Jovem, dá a conhecer hoje a lista provisória de prémios com que as vencedoras serão obsequiadas. Para além de um automóvel - "magnífico modelo com dois carburadores duplos", no valor de 107 contos -, destacam-se um também "magnífico blusão de pele de leopardo" no valor de 25 mil escudos e um "terno de 'maples'" (na foto de promoção) para cada uma.
Nenhum sinal, nas emissões da RTP, sobre o momento que o país atravessa. O crítico de televisão Correia da Fonseca aproveita a emissão de um pormenorizado documentário sobre os problemas dos bichos e de um programa de José Mensurado sobre a ditadura de Hailé Selassié, na Etiópia, para ironizar: "Ao contrário do que alguns sugerem, temos ao nosso dispor uma televisão sem papas na língua. Atenta. E não apenas ao que acontece com os bichos. Também ao que acontece com os etíopes."
Um outro crítico, Francisco Mata, dirige a sua indignação, na revista semanal "Cinéfilo", para a última emissão de 25 Milhões de Portugueses - um programa nesta semana dedicado a Bragança e que vem suscitando uma rara unanimidade entre os críticos. "Creio que não há um só país no mundo que se declare feliz. Mesmo os suecos, que têm, socialmente, o nível de vida mais elevado do mundo. Eles suicidam-se tanto! Mas nós, a julgar pelo que se mostra em 25 Milhões de Portugueses, somos felicíssimos em Bragança, Santarém, Aveiro e Paio Pires. Andam todos a cantar, a banda toca, as meninas sorriem, há piedosas devoções a santos distritais, estoiram foguetes nas romarias."
Na mesma revista, dominada pela análise do filme "Os Meus Amigos", de Cunha Telles ("uma desilusão"), Eduardo Prado Coelho escreve uma "carta aberta" a Vasco Pulido Valente, com cujas ideias diz ser "fácil estar de acordo, porque ele não tem muitas".
Os comandos militares anunciam que um capitão morreu na Guiné e um alferes em Moçambique, ambos "por acidente de viação", e que cinco outros militares morreram em combate, também nestas duas províncias.
"Ao contrário do que tem sido noticiado no estrangeiro", escreve a ANI em telegrama para as redacções, "não foi 'expulsa' de Moçambique a irmã Maria del Cali (...) apenas se verificou o facto de não haver sido renovado o visto de residência"... Esclarece um informador oficial que a freira italiana subscrevera uma carta que criticava a acção do bispo de Tete e "certo documento capturado pelas forças portuguesas a um terrorista" indicava-a como uma pessoal ideal para ser contactada pela Frelimo.
"Le Monde" considera, pela pena de Georges Dupuy, que a situação em Portugal "não pode senão radicalizar-se e conduzir, a mais ou menos longo prazo, a um golpe de estado militar", embora ache que "o movimento dos capitães está ainda demasiado verde para abalar um regime cujas instituições estão há tanto tempo estratificadas".
DOCUMENTO
"João Ventura (o Nabeiro), casado, pastor, de 63 anos, habitualmente apreciador do bom tinto, deslocou-se no passado dia 14 do corrente mês ao mercado mensal de Alfaiates, a fim de tratar ali de alguns assuntos da sua profissão.
Provou, gostou e atestou a vasilha. No regresso à sua habitação, deu algumas pequenas quedas, sendo necessário ampará-lo e conduzi-lo ao seu lar. Chegado ali, perdeu os seus conhecimentos. O médico diagnosticou, mas não foi possível salvá-lo. Passados três dias entregou a alma ao criador."
(Despacho do "solícito" correspondente no Souto, Sabugal, de "O Século"