Dossier 25 de Abril.28 de Março

28 DE MARÇO
 
Bispos contra bispo
A TAP aumenta as suas tarifas para África em cerca de 15 por cento. Na assembleia geral da Torralta, a que preside, o almirante Sarmento Rodrigues mostra-se orgulhoso por pertencer a uma empresa "que tem contribuído para o aproveitamento e valorização dos bens naturais e para o progresso nacional". O relatório anual da empresa fala na criação de mais de 10 mil empregos.
A Conferência Episcopal de Moçambique e a diocese de Quelimane digladiam-se em comunicados. Quelimane, à frente da qual se encontra o bispo Manuel Vieira Pinto, tido por "progressista", estranha que a resposta da Conferência Episcopal a um documento expondo "algumas das mais graves questões que surgem no contexto de Moçambique" tenha sido uma ordem de expulsão dada pela polícia política a seis padres combonianos (cinco dos quais italianos).
Os bispos replicam, manifestando "o seu profundo desgosto" com as acusações, que classificam de caluniosas e acusam a diocese de utilizar métodos "desleais".
O Chefe do Estado oferece a meio da tarde um "chá íntimo" ao embaixador brasileiro Gama e Silva. Entre os raros convidados, o ministro do Interior, Moreira Baptista e o almirante Henrique Tenreiro.
Informa-se que Marcello irá esta noite à RTP. É a sua última "conversa em família", em que surgirá irritado com o entusiasmo com que os meios de informação de tantos países "seguiram e avolumaram o episódio militar que a irreflexão e talvez a ingenuidade de alguns oficiais lamentavelmente produziu há poucos dias nas Caldas".
Esperemos, no entanto, pela imprensa da manhã de amanhã, para sabermos com maior pormenor o que disse. Por agora é ainda o entusiasmo futebolístico, com o cada dia mais badalado Sporting-Benfica. A concorrência jornalística leva o vespertino "A Capital" a inventar um frente-a -frente entre as mulheres de Eusébio e da vedeta leonina do momento, Yazalde (ver foto), também elas "nervosas antes do 'derby'".
Documento
"Ao fim da tarde, o Paulo Gomes veio direito da estação ao Café. (...) Com muitas cautelas tirou da algibeira da gabardina um exemplar amarrotado do "Le Monde" com data de 23 de Março. Pô-lo debaixo dos olhos do advogado, meio embrulhado no 'Diário Popular'.
- Leia isto, doutor...
'Um processo de degradação que poderá resultar num golpe de estado militar'. Era o título.
Desidério, espreitando sobre o ombro do dr. Mourão:
- É pólvora!...
- Oxalá não seja pólvora seca como nas Caldas... - rosnou o causídico. (...) Com avidez, leram a transcrição de passagens significativas de um manifesto dos capitães publicado já depois do 16 de Março. E a conclusão, '... a situação não pode senão radicalizar-se e desembocar a mais ou menos longo prazo num golpe de estado militar (...)'
- Ó doutor, afinal a coisa parece que não acabou com o mijarete das Caldas da Rainha! - proclamou triunfante Desidério Passos.
- De facto... Ainda ontem estive em Lisboa com o Raul Rego, e ele disse-me uma coisas..."
Álvaro Guerra, "Café Central" (folhetim do mundo vivido em Vila Velha 1945-1974), pp. 408 a 410, ed. O Jornal