29 DE MARÇO
 
(And then) after love
 
Os jornais reservam o seu melhor e mais dilatado espaço para a "conversa em família" de Marcello Caetano ontem à noite, através da RTP e das rádios. A África sob domínio português ocupa o grosso das preocupações do primeiro-ministro, neste seu último "encontro" com o povo português. É na situação que lá se vive que fundamenta a intransigência do seu governo em dialogar. O último parágrafo da sua comunicação adquire um significado especial, contudo, analisado à luz das revelações de José Pedro Castanheira, nas duas últimas edições do semanário "Expresso", sobre a realização de um encontro secreto, em Londres, entre um enviado diplomático português e dirigentes do PAIGC nos dois dias imediatamente anteriores (ver texto em baixo).
Adjudicada ontem por cinco milhões de contos a empreitada de construção da refinaria de Sines, que alguém define como "a primeira pedra da transformação do 'hinterland' alentejano e fonte de riqueza para o país".
O relatório e contas da gerência do Sindicato dos Jornalistas é dado a público. Refere-se a 21 jornalistas e 131 outros empregados despedidos no "Diário do Norte", que deixou de se publicar.
Greves nas empresas Gremetal, Sociedade Industrial de Vila Franca, casa Hipólito e Petroquímica. Concentração de empregados de seguros, em Lisboa.
Novos incidentes na Cantina da Cidade Universitária, em Lisboa, noticia "O Primeiro de Janeiro", ao mesmo tempo que a generalidade da imprensa divulga o comunicado oficial da reitoria da Universidade Técnica de Lisboa sobre os incidentes, já relatados, do passado dia 26, no Instituto Superior de Economia (ISE). O comunicado justifica a chamada da polícia ao Instituto com base num crescendo de actos praticados por uma "minoria de estudantes" que recorreram "ao chamado 'aparelho técnico' da Associação de Estudantes", e que naquele dia praticaram "nova e mais grave agressão pondo em risco a vida e a integridade física do Director [Gonçalves de Proença] e de um funcionário superior que o acompanhava".
Américo Thomaz visita habitações e equipamento social para realojamento em Vale Fundão, pedindo generosidade "para a melhoria da vida daqueles que não têm, naturalmente, por qualquer razão, possibilidades grandes na terra". Acompanham-no o cardeal-patriarca, o ministro das Corporações, Silva Pinto, e o secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, Nogueira de Brito.
Os representantes de Paulo de Carvalho, vencedor do Grande Prémio da Canção, com "E depois do adeus", dão notícia das iniciativas lançadas para promover o concorrente português ao Festival da Eurovisão, dentro de dias. A influente revista "Billboard" vai conceder uma página, diz-se, e até "a extraordinária cantora Ella Fitzgerald", impressionada com a versão em inglês - "(And then) after love", segundo os jornais -, promete estudar a hipótese de a gravar.
Sob forte aparato policial, decorre à noite, no Coliseu, em Lisboa, o I Encontro da Canção Portuguesa, durante o qual a Casa da Imprensa entregará os tradicionais prémios atribuídos este ano, entre outros, a Carlos Trincheiras (bailado), Jorge Peixinho (música erudita) e António Ramos Rosa (literatura), representado por José Afonso. O acontecimento vem sendo anunciado há semanas na imprensa oposicionista.
"Há por aí frequentes queixumes de que não temos por cá informação completa. Nada, porém, do que de verdadeiro se passa e que ao público interesse deixa de ser trazido ao conhecimento dele. (...) É inegável que entre a mera curiosidade de alguns senhoritos, que gostam de saber novidades, enquanto tomam o seu café, e a vida dos nossos colonos e dos nossos soldados, não há que hesitar.
(...) Enquanto ocupar este lugar não deixarei de os ter presentes, aos portugueses do Ultramar, no pensamento e no coração. Procuremos as fórmulas justas e possíveis para a evolução das províncias ultramarinas, de acordo com os progressos que façam e as circunstâncias do mundo: mas com uma condição, a de que a África portuguesa continue a ter alma portuguesa e que nela prossiga a vida e a obra de quantos se honram e orgulham de portugueses ser!"
Última "conversa em família" de Marcello Caetano, 28/3/74