Dossier 25 de Abril.30 de Março

30 DE MARÇO
 
O POVO É QUEM MAIS ORDENA
Foto Festa no Coliseu
"O verdadeiro genuíno [sic], grande festival da canção foi ontem no Coliseu", escreve o "República", que diz estar prevista a sua retransmissão, hoje à noite, no programa Limite da Rádio Renascença (esse mesmo, onde dentro de 26 dias Leite de Vasconcelos porá no ar a senha para o golpe militar).
Premonitoriamente também, "Grândola, Vila Morena" é a vedeta do espectáculo. Entoou-a um grupo de presentes, ainda antes do início e quando já só era possível adquirir bilhetes de ingresso (a 50 escudos, mais do dobro do preço oficial) no mercado negro. Foi com ela, cantada "a cinco mil vozes", que o espectáculo terminou. Na linguagem codificada do tempo, Regina Louro explicará dias depois, na "Flama" (ver texto em baixo), o porquê do seu sucesso.
Américo Thomaz visita as obras de ampliação do porto de Peniche e de dragagem da bacia de São Martinho do Porto.
Na assembleia geral da RTP, Ramiro Valadão reflecte sobre infiltrações também no teatro, a propósito da aquisição do Maria Matos: "Não faltam os que, nesta época, apenas têm os olhos voltados para o chamado teatro marginal, que, indevidamente, ainda os vão chamando de 'amadores'. Nada tenho em especial contra esse tipo de teatro mas desejaria que os mais ingénuos ou menos experientes nestes assuntos não confundissem os amadores de há meio século com o que, neste momento, aí se vai fazendo numa tentativa de demolição, solidamente apoiada por vários sectores, mas que não esperará da RTP qualquer espécie de colaboração."
Numa outra assembleia geral, a da Lusotur, promete-se que a marina de Vilamoura "será o maior e mais belo empreendimento tanto do país e talvez mesmo da Europa meridional".
Joaquim Agostinho é o 3º na Semana Catalã, ganha pelo holandês Zoetemelk.
Caixeiros discutiram ontem à noite, na Voz do Operário, em Lisboa, a semana das 44 horas, também conhecida por "semana inglesa".
No célebre (entre os leitores oposicionistas) suplemento "A Mosca", do DL, Stau Monteiro (sob o pseudónimo de Manuel Pedrosa) recorre ao seu vasto arsenal literário para elogiar o restaurante Tavares onde acabara de comer "as melhores lulas recheadas" de toda a sua vida.
DOCUMENTO:
"[A iniciativa da Casa da Imprensa foi um] Êxito que se deve não só à presença musical dos intérpretes que gratuitamente actuaram, mas também a uma certa sede, existente em certas pessoas, de ouvir certas canções e certas palavras, só possíveis em certos lugares.
(...) O cosmopolita conjunto de Marecos Resende (...) foi simplesmente ignorado (...), as vozes dos espectadores levantando-se para em 'Canta, amigo canta' abafarem o som que teimosamente saía pelo microfone. E assim os que estavam por detrás da cortina do palco tremeram violentamente pela primeira vez.
Fernando Tordo, cuja presença lembra irremediavelmente festivais da canção RTP - e a 'Tourada' lá estava para avivar a memória - recebeu vaias mal começou a cantar. Nem a presença dos 'puros' que, nessa altura, já estavam no palco, o salvou. Nem ele procurou salvar-se.
Ary dos Santos, também associado aos grandes acontecimentos festivaleiros (...) foi sucessivamente vaiado, escutado em silêncio, interrompido com aplausos que sublinhavam as 'tiradas mais fortes' (...) pelos mesmos que minutos antes o contestavam.
Carlos Paredes foi o único que entusiasmou sem palavras (...) . (...) O público já estava na fase de não deixar acabar assim o espectáculo. Exigiu mais [a Zeca Afonso, o último a actuar]. E só podia ser 'Grândola', outra vez. Mas dessa vez, havia cinco mil pessoas a cantar (...) braços dados, corpos acompanhando o ritmo, a força toda nesse gesto e nessas palavras. Até as luzes de gala se acenderam, para esse espectáculo-participação.
Era a grande apoteose (...). Quando ele acabou, estava saciada a sede que juntou as gentes ao pé da mesma fonte."
Regina Louro in "Flama", de 12/4/74