Dossier 25 de Abril.31 de Março

31 DE MARÇO
 
FOTO: Eusébio e Marcello
A dolorosa ausência
Marcelino dos Santos (Frelimo), Aristides Pereira e Luís Cabral (PAIGC) rejeitam a tese federalista apresentada pelo general Spínola no livro "Portugal e o Futuro", que continua no centro das discussões políticas no país. Grossa surpresa espera, porém, os oposicionistas que se deslocam, esta tarde, ao estádio do Sporting, em Lisboa: a assistência, que enche o recinto, irrompe em tremenda ovação à chegada de Marcello Caetano (ver foto e textos em baixo).
O primeiro-ministro, que duas semanas antes tivera que procurar refúgio em Monsanto perante a ameaça de duas centenas de militares sublevados vindos das Caldas da Rainha, não quis perder o clássico Sporting-Benfica, "na moldura impressionante do Estádio de Alvalade". O jogo, discorrem os analistas, pode significar o fim (se os "leões" ganharem, pois dispõem de quatro pontos de avanço) ou o princípio da temporada (se for o Benfica a pontuar, como vem a acontecer, provocando manifestações de alegria "encarnada" ao longo da noite).
Única sombra, na euforia futebolística, a "dolorosa ausência" de Eusébio, rendido por Toni, no Benfica, ele que já não fora convocado por José Maria Pedroto para o próximo encontro com a Inglaterra. "Não há que censurar o treinador pela sua decisão, que foi corajosa", escreveu Luís Alves, na altura, em "O Século". Eusébio já há tempos que vinha sendo, apenas, "mais um factor psicológico do que unidade efectiva", no Benfica.
Tudo aquilo, porém, que ele deu ao país não foi saldado ainda. É que, recordava o articulista, "o maior jogador português" contribuiu, só por si, "para suavizar muitas arestas vivas que feriam, no descontrolamento tablado da política internacional, os interesses nacionais" e levou "alguns dos mais desassombrados inimigos de Portugal" a fazerem uma pausa "nas suas hostilidades para um acto de vassalagem, à passagem de Eusébio". Proposta do jornalista: que Eusébio, contratado pela Secretaria da Juventude e Desportos, passasse a andar "por esse País fora, pelas ilhas e pelo Ultramar" a incentivar a prática do futebol juvenil.
"Foi também no dia 31 de Março, apenas 25 dias antes do 25 de Abril, que o doutor Marcello, acompanhado do ministro de Estado Adjunto, grande adepto do Sport Lisboa e Benfica, e do ministro da Educação Nacional, assistiu, no Estádio de Alvalade, ao desafio de futebol entre o Sporting e o Benfica, com o estádio repleto de público. Foi recebido com uma entusiástica manifestação de simpatia (só por ter comparecido?) da multidão presente. E não se tratou de uma mentira, pois não se estava no dia 1 de Abril."
Américo Thomaz, in "Últimas Décadas de Portugal", vol. IV, ed. FP, 1983
"Quando o alto-falante anunciou que eu me achava no camarote principal, a assistência, calculada em 80.000 espectadores, como que movida por mola oculta levantou-se a tributar-me quente e demorada ovação que a TV transmitiu a todo o País. E note que, tendo saído do estádio quinze minutos antes do fim do desafio, não houve ninguém nas duas longas filas de pessoas que, como eu, procuravam evitar a confusão do final e por entre as quais passei que não me desse palmas - o que às pessoas que me acompanhavam pareceu ainda mais expressivo que a manifestação colectiva. E as informações que chegavam ao governo também garantiam sossego geral e apoio ao regime."
Marcello Caetano, entrevista ao semanário "Mundo Português", do Brasil, 2/7/76
"Por essa altura, em fins de Março, eu reunia açodadamente elementos para o tal estudo de situação a sério. Em princípios de Abril, já de posse de alguns, comecei a escrever, página a página, sujeito a todas as alterações que necessariamente lhe teriam de ser introduzidas por via dos dados que ainda iria obter nos dias seguintes, um documento fundamental e basilar para a vitória alcançada em 25 de Abril: a 'Ordem de Operações', que se alongaria por vinte e seis páginas manuscritas e que encimei com o título PLANO GERAL DAS OPERAÇÕES (VIRAGEM HISTÓRICA)."
Otelo Saraiva de Carvalho, in "Alvorada em Abril", Livraria Bertrand