Dossier 25 de Abril.01 de Abril

01 DE ABRIL
 
(Cartoon de Sam, na Seara Nova)
Portugueses de saco às costas
O Benfica ganha, afinal, ao Sporting, por um retumbante 5-3, e fica apenas a dois pontos do "eterno" rival, "ratificando as suas legítimas aspirações ao título", como escreve "O Primeiro de Janeiro". "É sempre assim: aparecem aquelas camisolas vermelhas pela frente e não sabem o que fazer", queixa-se um desolado empregado dos balneários dos "leões" ao repórter do "República".
Os atrasos na automotora que faz a ligação entre o Porto e Vigo ("e só nesse sentido", sublinham os correspondentes) estão ultimamente a tornar-se "mais frequentes e longos".
"Sinto-me na metrópole como se estivesse em Angola", diz à agência ANI Saloge Mucanda, elemento dos Grupos Especiais (GE), na hora do regresso a Luanda, após uma visita à metrópole na sequência do Prémio Governador-Geral de Angola, de que foi vencedor. Um outro GE, também distinguido, confessa-se maravilhado com o verde dos campos, a comida e o vinho.
Dois helicópteros chocam, nos céus do Luso, provocando cinco mortos, um dos quais capitão.
Com uma gralha na capa (Março em vez de Abril), sai o número 1542 da revista oposicionista "Seara Nova", em cujas instalações se registaram nas últimas semanas contactos entre jornalistas, sobretudo estrangeiros, e elementos do "movimento dos capitães". Para além de uma polémica sobre Marx e Marcuse, entre Vital Moreira e António Reis (este último, oficial miliciano na unidade que dentro de 25 dias ocupará os estúdios do Lumiar da RTP), a revista dá relevo de primeira página ao livro "Portugal e o Futuro".
A revista simula uma entrevista com o general, extraindo do livro as respostas a um conjunto de perguntas, de modo a contribuir "para enquadrar devidamente o alcance e as motivações do seu ideário". O resultado, como se sublinha, é a acentuação "em intencional desfavor de outras", de certas posições "suficientemente importantes para não serem substimadas", e das quais ressalta a postura conservadora e federalista do autor do livro.
Na "Seara", ainda, um texto-reportagem de Urbano Tavares Rodrigues sobre emigrantes ("As tensões sociais em França e o português de saco às costas"), ilustrado com um "cartoon" de Sam (reproduzido acima).
O Sindicato das Indústrias Químicas protesta contra o despedimento de um trabalhador da Petroquímica, responsabilizado pela greve parcial que paralisara, dois dias antes, a fábrica de Cabo Ruivo durante mais de uma hora. Os trabalhadores, que exigiam um aumento salarial de um conto e quinhentos, assumem-se colectivamente responsáveis, argumentando: "Propositada ou não, esta paragem traduziu a vontade da maioria."
"1-Abril (segunda). Encontro há dias no Café Monte Carlo com H. Hélder. Palavras circunstanciais. Digo não sei a que propósito: 'Há dois grandes poetas vivos hoje - você e o Ramos Rosa. Prefiro o Rosa, embora temperamentalmente me aproxime mais de você.' Rosa vigia mais a sua poesia. Lucidez, discrição. Dois produtos de uma dupla raiz que vem de Mallarmé/Rimbaud, Cézanne/Van Gogh, Pessoa/Sá Carneiro, Braque/Picasso, talvez Bartok/Stravinsky, ou, na nossa medida, Lopes Graça/Joly Braga Santos. Hélder aceitou. Apareceu depois o Nuno Júdice, jovem poeta, seu discípulo (e de Holderin, Álvaro de Campos e algo mais que possa ser). Digo-lhe: 'É grave começar-se logo bem. V. começou.' Ele sorri. É o seu modo de conversar. Foi meu aluno de Grego. Digo-lho. Ele confirma, ainda se lembra. Os antigos alunos esquecem-nos tão cedo."
Vergílio Ferreira, "Conta Corrente 1", ed. Livraria Bertrand