Dossier 25 de Abril.02 de Abril

02 DE ABRIL
 
Passou-se alguma coisa em Portugal?
Sorri na primeira página da "Época", a olhar para o fotógrafo. Aterrou ontem em Barajas ("recepção cordial e expressivamente acolhedora") e as perguntas do repórter da televisão espanhola, mais interessado na crise política e militar do que nos motivos da sua visita, transformam a improvisada conferência de imprensa do ministro das Corporações e Segurança Social, Silva Pinto, num acontecimento que ocupará largo espaço em matutinos e vespertinos. "Não sei se realmente se produziu recentemente em Portugal algum acontecimento que mereça a qualificação de especial", respondeu o ministro português quando o repórter lhe pediu que se referisse aos "acontecimentos especiais" recentemente ocorridos no seu país.
A (também elaboradíssima) resposta seguinte, contendo a sua opinião sobre o livro de Spínola, virá transcrita em todos os jornais, à excepção do "República", a quem a Censura decide cortar, na íntegra, a peça "Portugal, o futuro e o ministro", da autoria de Álvaro Guerra, em que se reproduziam as declarações ministeriais tal qual "O Século" as transcrevera nessa mesma manhã (ver texto em baixo). Fotocópias deste e de outros dois cortes da Censura foram enviados, na altura, ao general Spínola, que escreverá, em cartão para os autores dos textos (Raul Rego, Vítor Direito e Álvaro Guerra): "Agradece penhorado a fotocópia recebida, a revelar à evidência a triste situação em que se vive."
O Porto perdeu em Olhão e os jornais sentenciam que a derrota constituiu o seu definitivo adeus ao título. No rescaldo da derrota sportinguista frente aos rivais "encarnados", só Damas figura entre os convocados para a selecção nacional que a meio da semana defrontará a Inglaterra.
Aldegalega, o "melhor português nas longas distâncias", alcança a sua nona vitória na maratona Lisboa-Cascais-Lisboa, com 2h21m56,4s. Apenas outros seis fundistas se apresentaram na corrida.
Anuncia-se um Verão sem água, sobretudo nos concelhos limítrofes de Lisboa. A Póvoa do Varzim vai ter um edifício de 27 andares, noticia o "República" na 1ª página, enquanto o "DL" concede destaque semelhante ao alerta do perito em combate a incêndios, Simon Nizzy, após um passeio por Lisboa: "O desejo do lucro desenfreado está na origem de muitas tragédias".
Um outro periódico dá notícia da aprovação do relatório da Câmara de Bragança, referente a 1973, que apresenta um saldo positivo de 6300 contos. Para além do início das obras de construção do Estádio Municipal, pavilhão gimnodesportivo e piscinas, confere-se especial realce à electrificação de "várias aldeias" e à abertura de "quatro caminhos municipais", bem como ao começo da construção de uma piscina fluvial em Gimonde e ao aumento "da propaganda turística da região".
"Assediado pelos jornalistas madrilenos, o dr. Silva Pinto, ministro das Corporações, pronunciou-se ontem sobre o livro 'Portugal e o Futuro', da autoria do general António de Spínola, ex-governador da Guiné e ex-vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Sobre as teses defendidas pelo prestigioso cabo de guerra - Segundo [sic] o matutino 'O Século' - disse o ministro:
'Julgo que o livro de que tanto se fala, mas que talvez não seja tão lido como parece, poderá dividir-se em duas partes. A primeira, constituindo um diagnóstico da situação militar e das condições sócio-políticas do Ultramar Português. Em minha opinião, esse diagnóstico não corresponde às grandes realidades militares e político-sociais das populações dos Estados e províncias. Quanto à segunda parte do livro, propõe a adopção de uma eventual solução evolutiva desses territórios e populações, no sentido de uma federação de estados. Não passa, porém, de uma tese meramente teórica, porventura suscitadora de discussões e debates, mas de qualquer modo sem o apoio das realidades e tradições histórico-políticas'."
"Ponto crítico", de Álvaro Guerra, para a edição de 2/4/74 do jornal "República", cortado pela Censura