Dossier 25 de Abril.03 de Abril

03 DE ABRIL
 
Amizade e balança de pagamentos
Lord Mayor de Londres - a mais importante figura dentro da City, a seguir à Rainha - regressa hoje ao seu país, depois de uma visita oficial de quatro dias que os jornais não deixaram de descrever com minúcia, desde um encontro com Marcello Caetano ao chá tomado ontem em Seteais, "eram precisamente cinco horas da tarde". No Palácio das Galveias celebra-se a "velha amizade" entre portugueses e ingleses. Sir Hugh Wontner, na hora de responder ao seu homólogo coronel Silva Sebastião, decide usar, contudo, de franqueza verdadeiramente saxónica para explicar a persistência desta ligação multissecular: "Julgo que não existe país algum no mundo em que o habitante médio gaste maior proporção do seu rendimento na compra de produtos do meu país do que em Portugal. Se outras nações lhe seguissem o exemplo, a nossa balança de pagamentos rapidamente alcançaria proporções mais controláveis e seria então mais fácil resolver os nossos problemas."
Há escassez de bacalhau, queixam-se os armadores. As capturas diminuem desde 1969 e a frota pesqueira já só atinge 47 por cento das necessidades de consumo. O Governo decide entretanto oferecer um pequeno folar aos portugueses e manda o ministro da Indústria e Energia anunciar a suspensão do racionamento da gasolina nos próximos dias 13 e 14 (sábado e Domingo de Páscoa).
Greve de um dia dos trabalhadores do sector de distribuição da UCAL, que lutam por um aumento salarial de 30 escudos/dia e pelo pagamento do trabalho nocturno.
A Rádio Renascença (RR) despede o jornalista Rui Pedro. Em carta assinada pelo director da estação, padre Américo Brás da Costa, o conselho de gerência invoca como justa causa uma entrevista publicada semanas antes na revista "Cinéfilo", na qual o jornalista tomou uma "posição de desobediência e desrespeito à entidade patronal", causando com isso "manifesto prejuízo moral, social e material à Rádio Renascença" (ver texto em baixo). A carta refere-se em concreto à parte da entrevista de sete páginas em que Rui Pedro explica o significado de estar no serviço de noticiários da RR: "Entricheirar-me numa estação de rádio, evitando assim que um inimigo ocupe aquele espaço de tempo." A necessidade de ocupar aquele espaço é explicada pela dependência em que a rádio está das agências noticiosas, a que se soma a existência de "vários filtros" (expressão que significa "censura", no código da época).
Rui Pedro, que se prepara para regressar à sua actividade como actor, na Companhia de Luzia Maria Martins, elogia as pessoas que estão naquele momento à frente da emissora católica portuguesa, mas diz que se anuncia "trovoada e mar encrespado", numa alusão a pressões sobre a equipa do serviço de noticiários, criada um ano antes. Denuncia, por fim, "pressões inqualificáveis sobre as pessoas que se empenham em tratar da nossa realidade", algumas delas, por isso, sem trabalho na rádio.
A carta da RR será publicada na íntegra pelo próximo número do "Cinéfilo" que, para além de reparos de carácter formal, chamará a atenção para o facto de Rui Pedro ter sido recentemente promovido a redactor-locutor principal, "como reconhecimento da eficiência do trabalho por ele realizado ao longo de 1973".
"Atendendo a que já por várias vezes foi admoestado por transgredir as normas disciplinares que regem o trabalho do noticiário da Rádio Renascença que lhe foi confiado; atendendo a que veio agora a público, numa entrevista, revelar as intenções que o levaram a introduzir-se neste serviço da estação de rádio, manifestamente contrárias à sua directriz e disciplina, que bem conhece, e a que publicamente declara que está na disposição de não aceitar as normas e a disciplina de que a estação não pode abdicar, tomando assim uma posição de desobediência e de desrespeito à entidade patronal e causando manifesto prejuízo moral, social e material à Rádio Renascença, o conselho de gerência, tendo presente o artº 20, da lei geral do contrato de trabalho, ao abrigo do artº 101, comunica-lhe que a partir de agora fica despedido do seu lugar de funcionário, com justa causa."
Carta da Rádio Renascença a Rui Pedro, datada de 29/2 e citada hoje no jornal "República"
"DEMORADO o relatório da Companhia de S. Pedro da Cova. Fizeram asneira em mandá-lo, porque não há ordem para mandar os relatórios. Estes não podem ser vistos no Porto. Têm de ir a Lisboa. Capitão Correia de Barros."
Telegrama da Comissão de Exame Prévio do Porto para o "Jornal de Notícias", in "Os Segredos da Censura", de César Príncipe, ed. Caminho