Dossier 25 de Abril.05 de Abril

05 DE ABRIL
 
foto carro em pé
Aumento de preços e luxos verbais
Cartas e telefonemas vão conhecer aumentos da ordem dos 50 por cento. Não há razões para espanto, diz "O Século", na sua primeira página: "Num período de alta e de inflação crescente seria, aliás, de esperar que até mesmo as empresas públicas (no caso os C.T.T. e os T.L.P.) não deixassem de ser obrigadas a seguir o exemplo generalizado." Os selos passarão, dentro de dias, de um escudo para 1$50 e as chamadas locais de cinco tostões para o dobro. Estes preços não eram alterados desde 1948, era ministro Duarte Pacheco, recorda o jornal.
Prosseguem, em ritmo praticamente diário, paralisações de protesto e greves em unidades dos principais centros operários do país. Hoje é a vez de duas empresas de material electrónico do Sabugo - a Siemens e a Motra. Os trabalhadores iniciam quatro dias de greve pelo cumprimento do respectivo Contrato Colectivo de Trabalho (CCT).
Na Residência Maria Guardiola da Mocidade Portuguesa Feminina, em Lisboa, Ana Paula Freitas é proclamada a Rapariga Ideal 1974. O concurso "constou de uma série de (difíceis) provas, iniciadas em Janeiro, nas delegacias distritais" da organização. "Presentes à sessão, que terminou com alegre convívio, o secretário de Estado da Juventude e Desportos, o director-geral da Educação do Ministério do Ultramar e diversas individualidades ligadas à M.P."
À mesma hora, na cooperativa Coordenadas, no Porto, decorria um colóquio subordinado ao tema "A situação da imprensa no Mundo". Orador: o estudante de Direito Alberto Arons de Carvalho.
Destaque fotográfico na imprensa lisboeta para a "posição insólita" em que ficou uma camioneta que procedia ao descarregamento de placas de cimento pré-fabricadas junto de um prédio na Pontinha.
"Começou por se chamar bola, tornou-se depois esférico (porque não esfera, o substantivo?), agora é couro. Mas cada novo termo não rejeitou o anterior, coexistem todos pacificamente. De qualquer modo: para quê três palavras, se a coisa designada é uma só?
"Haverá nisso influência brasileira, não sei (os brasileiros até falam em 'minina'). Mas sobretudo preocupações estéticas, preocupações de estilo. Os comentadores que descrevem os desafios de futebol (...) aceitam o princípio de que o emprego repetido da mesma palavra monotoniza o discurso (...).
"O mesmo princípio que leva muitos escritores a puxarem do dicionário de sinónimos - e que começam por falar em água, depois em líquido, pro fim em linfa (poder-se-á dizer um copo de linfa?). Mas é evidente que vão mal as coisas se um escritor precisa de tais artifícios (eu preciso, obviamente, farto-me de folhear o dicionário).
"Mesmo assim, protesto: se se pretende dar com exactidão o que se passa num campo de futebol, não se pode dar à mesma coisa nomes diferentes - e sobretudo à bola, esse objecto muito concreto em torno do qual tudo se desenvolve. É necessário criar no espírito de quem não assiste ao jogo que esse objecto é sempre o mesmo, que não há dois ou três objectos diferentes (ainda que toda a gente já saiba isto). Da mesma forma que não se pode dizer uma vezes Eusébio, outras Silva Ferreira, outras 'Pantera Negra' - porque tal luxo verbal perturbaria o bom entendimento do que se passa no campo (relvado, rectângulo, terreno)."
Augusto Abelaira, na sua crónica diária "Entrelinhas", em "O Século".