Dossier 25 de Abril.07 de Abril

07 DE ABRIL
 
Fotos: Plataforma petrolífera ou Paulo de Carvalho?
Vitória moral em Brighton
Paulo de Carvalho fica em último lugar no Festival da Eurovisão, ganho pelos Abba. Para não variar, a canção portuguesa era das melhores. "Estes factos não bastaram para ganharmos mais de três votos, mas justificaram os únicos 'bravos' entusiásticos que se ouviram ontem à noite em Brighton, dirigidos a Paulo de Carvalho e a José Carvalho - que curiosamente tinham sido recebidos com uma boa ovação, só inferior à de Olivia Newton-John", escreve o enviado especial de um matutinos. "A política prejudicou a canção", dirá outro, citando Paulo de Carvalho, desconhecedor de que "a política" reserva um lugar histórico à sua canção, dentro de 18 dias.
O momento é de euforia na Figueira da Foz, em cujo mar se iniciam os trabalhos de prospecção de petróleo numa das 12 concessões atribuídas pelo Governo a empresas petrolíferas internacionais. A primeira plataforma a operar veio da Holanda, tem 67 metros, e é visível da cidade desde ontem, depois das neblinas se terem diluído, conta o repórter de "O Século". O optimismo leva a admitir que os resultados da prospecção "podem vir a alterar profundamente a nossa vida económica", embora o jornalista se aperceba da existência na cidade de "algumas vozes discordantes".
Reaparece o "Sempre Fixe", semanário em cuja primeira fase colaboraram Almada Negreiros e Stuart de Carvalhais. Editado pela Renascença Gráfica (proprietária do "Diário de Lisboa"), o novo jornal sairá aos sábados, ao preço de cinco escudos.
Eduardo Gageiro continua a coleccionar prémios. Desta vez quase fez o pleno: uma medalha de ouro, outra de bronze e uma menção honrosa para três das quatro fotografias - todas elas publicadas em "O Século" ou nas restantes publicações da Sociedade Nacional de Tipografia - por si enviadas a concurso para o Salão Internacional de Fotografia de Washington. A medalha de ouro premeia um "instantâneo logrado no exacto momento em que se fazia sentir um sismo de grau sete" na ilha do Pico (foto acima).
Com um comovente discurso (ver texto em baixo), Manuel Cabanas faz a entrega da sua arte ao povo de Vila Real de Santo António - um sonho de trinta e cinco anos agora concretizado numa galeria municipal especialmente concebida para receber um legado que inclui, além de numerosos trabalhos de xilogravura seus, um original de Cândido Portinari.
Figura de proa da oposição (fundador do Partido Socialista, foi preso numerosas vezes e manteve-se na linha da frente do combate contra a ditadura desde a revolução de 7 de Fevereiro de 1927), este antigo ferroviário ocupara já no dia anterior cinco colunas de uma das páginas interiores de "O Século" a quem explicara a decisão: "Sou um homem do povo e é com o povo que me identifico. A ele lego aquilo que representa grande parte da minha vida. (...) Aos meus sobrinhos deixo-lhes as amendoeiras, as alfarrobeiras e a terra para suarem."
Documentos
"Pois, pois, Napoleão teve de ir a Waterloo.
Mas, porém, por outras linhas se lhe cosia o destino.
Eu, desde que te encontrei, bem me parece
Que a história se repete:
- Waterloo
Vencida já me rendo.
- Waterloo
Prometo amar-te com alegria.
- Waterloo
E sinto que tudo é autêntico.
- Waterloo
Tu és o meu destino, o meu Waterloo
(Wa, Wa, Wa, Wa.)
- Waterloo
Tu és o meu destino, o meu Waterloo.
(...) É como se eu ouvisse uma canção
E até me parece que o amor baila no ar.
Waterloo..."
Letra "em versão livre" da canção vencedora do Eurofestival, "O Século", 7/4/74
"Um dia, levado pela minha curiosidade, debrucei-me sobre uma mesa e dispus-me a trabalhar. Quando levantei a cabeça, vi que estava velho. Compreendo que a minha missão terminou. Não quero que aquilo que tanto amei em vida fique disperso. Não ofereço nada ao povo. Devolvo-lhe aquilo a que tem direito: a minha arte. Foi ele exclusivamente que a alimentou. E se esta arte é, como sei, humilde, nem por isso representa menos para mim, porque foi o melhor que eu pude fazer, porque é toda a minha vida."
Manuel Cabanas, na inauguração do Museu Municipal de Vila Real de Santo António, "O Século", 7/4/74