Dossier 25 de Abril.08 de Abril

08 de ABRIL
 
Não há direito pá
Fernando Mamede pulveriza o recorde ibérico dos dois mil metros, com 5m e 8,8s, menos quatro 4,4s que o viguense Salgado. A sede do ABC Cine Clube, em Lisboa, é visitada por dois agentes da 7ª brigada da secção de justiça. Contará um comunicado aos sócios, daqui a dias, que os polícias, "invocando oralmente um mandato do Governo Civil, pretendiam um exemplar dos estatutos do cine clube (...). Foi identificado o tesoureiro da direcção."
Na primeira página do "República" a mesma impressionante foto que há dias o "Lisboa" publicara. Uma anciã, vergada sob um molho de carqueja que apanhou nos montes, caminha em direcção a Castro Daire. Aparentemente, as duas filhas que a pobre senhora presume encontrarem-se em Lisboa não lêem nem um nem outro jornal, e por isso Arminda de Jesus Paiva estará condenada, passados os 80 anos, a continuar a vencer semanalmente os 20 quilómetros de ir da Granja (Mões) a Castro Daire e voltar, para conseguir os 12 escudos e 50 centavos que o carregamento de lenha lhe rende.
Dois factos ocorridos no sábado antes continuam a ecoar na escrita de colunistas deste jornal, que não se publica ao domingo. Correia da Fonseca diz que "Brighton começa aqui, todas as semanas, em Domingo à Noite e Vinte e cinco Milhões de Portugueses", dois dos programas da RTP mais atacados pelos críticos de televisão da época. "Brighton é o festival certo para as canções que a RTP acarinha. Não é com cantigas, de resto, que podemos melhorar a nossa imagem aos olhos do mundo", justifica o crítico.
Também a propósito da presença de Paulo de Carvalho no festival, Vítor Direito glosa, no seu De vez em quando, um certo modo de falar que há-de ficar na memória colectiva (afinal injustamente, a avaliar por este exemplo) como um dos símbolos dos revolucionários do PREC (ver texto em baixo).
Por fim, Raul Rego regressa à figura de Manuel Cabanas, que designa como "um homem do povo que soube manter-se direito". Uma das frases-homenagem, seleccionada por tudo aquilo que tem de típico de uma certa forma de escrever, condicionada pelo lápis azul da censura: "[Manuel Cabanas] jamais se afastou das suas desditas nem hesitou em reclamar a quanto um homem tem direito por mais contraditas que levante a sua firmeza." Dito para leitores de hoje, não habituados às entrelinhas da escrita sujeita ao Exame Prévio: nunca renunciou ao seu meio e combateu sempre o fascismo, apesar de isso implicar perseguições e a prisão.
"'Tu compreendes pá eu gostava de ter pá satisfeito os que confiaram em mim pá mas já vês pá a BBC fez-nos aquela partida indecente pá está-se mesmo a ver que foi para nos prejudicar pá pois a nossa era bem melhor que as outras pá e eu fiz os possíveis pá mas eles não nos gramam nem com molho de tomate pá são uns tipos indecentes todos eles menos os espanhóis e os suíços que esses sim é que 'percebem' de música pá não há direito pá mas não faz mal porque eu vou continuar a cantar mesmo depois do adeus pá' (Reprodução de uma possível entrevista na RTP a um cantor (!) muito em voga)."
Vítor Direito, De vez em quando, "República", 8/4