17 DE ABRIL
 
Música em dó e Jesus Cristo Superstar
A Assembleia Nacional retomou ontem os seus trabalhos, após nova interrupção de dez dias, motivada pelas férias da Páscoa, informa O Século na primeira página. Sete discursos preencheram o funcionamento da "concorrida sessão", em que prosseguiu a discussão na generalidade de uma proposta de lei relativa a transplantações de tecidos ou orgãos de pessoas vivas. Antes do período da ordem do dia, entre outros assuntos, deputados levaram ao hemiciclo o problema dos ruídos causados pelos aviões e a actividade da Orquestra Sinfónica do Porto.
Há prisioneiros portugueses nas mãos do "movimento terrorista MPLA", confirma um informador do MNE. O MPLA anunciou ontem em Brazaville que iria apresentar em breve aos jornalistas militares e funcionários civis portugueses, capturados em 22 do mês passado.
Em vários jornais reproduzem-se igualmente excertos de crónicas de Alves Pinheiro para o "Globo", do Rio de Janeiro , nas quais o jornalista brasileiro diz ter andado por toda a parte "do que no mundo se chama Guiné-Bissau, isto é, a república da mentira que só existe no incrível mapa editado pela ONU" e não ter visto "a menor parcela do território da invicta província", ocupada pelo PAIGC.
Pedro Alvim assina uma belíssima crónica no DL, sobre alguém que - "ao peito uma caixa de folha com uma ranhura" - tira de um acordão, numa esquina, "um melodia simples, equivalente às palavras simples de quem pede para comer." perdida, hesitante, a música acaba por ser atropelada "pelos pneus indiferentes do trânsito" e morrer, "enfim, no pó, em derrradeira nota: dó".
Diversas pessoas avistam, às primeiras horas da madrugada, em Beja, um corpo icandestcente com cerca de três metros de diâmetro, vermelho ao centro, envolvido num círculo laranja, deslizando de Norte para Sul.
Amália Rodrigues participa no programa "25 milhões de portugueses", dedicado ao Fundão, donde são oriundos os seus pais, revela A Capital. A RTP pensa emitir o programa no próximo dia 26 de Abril...
"Coimbra, 17 de Abril de 1974 - Jesus Cristo Super Star. Que preverso aproveitamento se faz hoje do inconsciente cristão que, quer queiramos quer não, é uma herança de todos nós! Ao sair do espectáculo, até o mais ateu alardeava o ar iluminado e desobrigado de quem acabava de cumprir honestamente um preceito. Preceito tão público como o da missa, acobertado, porém, da crítica do livre pensamento por nobres razões estéticas. Necessitada de sagrado, mas envergonhada dessa fraqueza, a multidão corria ao cinema e saía dele aliviada e divertida como quem sai de um casino. Viesse um apóstolo pregar na praça a boa nova, e toda aquela gente passaria ao lado, embaraçada com o escândalo da verdade em carne viva.(...)"
Miguel Torga in Diário XII, Coimbra