Dossier 25 de Abril.18 de Abril

18 DE ABRIL
 
"Deus nos valha"
"Dentro de quatro anos acabam as cheias nos campos do Mondego", titulam os jornais, a propósito da visita do chefe do estado às obras do aproveitamento da Aguieira. Uma portaria do Ministério das Comunicações determina que as provas teóricas dos exames de condução de automóveis deixam de ser feitas oralmente e passam a ser prestadas através de testes escritos. O desporto é vedeta nas primeiras páginas dos vespertinos lisboetas. Joaquim Agostinho mostra-se em forma para a "Vuelta", tranquiliza o "Popular", enquanto em "A Capital" (ver foto) a renovação do contrato de Simões com o Benfica, a continuação de Pietra em "Os Belenenses" e a ida do sportinguista Yazalde a Munique integrado na selecção argentina .
Dados da OCDE dizem que Portugal teve uma inflacção de 19 , 3 por cento (valores só suplantados pela Grécia, Islândia e Japão).
Otelo Saraiva de Carvalho encontra-se com o "excelente major de Artilharia Alexandre Aragão", colocado na secção de Milícias do Quartel General do contingente da Guiné. Este viera expressamente a Lisboa para se avistar com Spínola, que lhe afiançara desconhecer a data do golpe mas que "tinha a certeza de que se preparava qualquer coisa e para breve". O general aconselha-o a procurar Otelo. Aragão descreve a Otelo um plano gizado na Guiné para neutralizar todos os comandos desafectos ao MFA. Combinam que se o golpe falhar na metrópole, o MFA na Guiné lançará uma ofensiva 24 horas depois, tomando o poder naquele território " e impondo condições ao governo central, de modo a provocar a sua queda.
De partida para o Brasil, onde constataria que o livro de Spínola "era vendido em todas a livrarias e quiosques", o professor Rodrigues Lapa confidencia a amigos que, no regresso, daí a poucos dias, está convencido que encontrará "um Portugal diferente".
DOCUMENTO
"Homenagem a Óscar Lopes - PROIBIDO. Confraternização de antigos alunos do Colégio Militar - PROIBIDAS indicações de nomes dos oficiais que fizeram parte dos cursos X ou do curso Y. (...) Julgamento da ARA (Acção Revolucionária Armada) - MANDAR para REDUZIR à expressão mais simples. Julgamento das "Três Marias": TUDO CORTADO"
Telegramas de da Comissão de Exame Prévio do Porto para o Jornal de Notícias, in Os segredos da Censura, de César Príncipe, ed. Caminho
" [Marcello Caetano] acrescentou que a situação política se degradara nas últimas semanas, devido a movimentações de ordem militar de que o Governo tinha conhecimento. 'Estamos sobre um barril de pólvora', disse-me, mas o ministro [do Exército] Andrade e Silva e o secretário de Estado Viana de Lemos estavam conscientes da situação e decididos a enfrentá-la. Ousei perguntar se estava iminente algum golpe como o do 16 de Março, ao que respondeu que as informações obtidas apontavam uma data ao redor de 10 de Maio: 'mas estamos atentos e havemos de vencer a nova ameaça, não só contra o regime, mas contra o próprio País'.
Pela confiança em mim depositada, eu senti estar a viver junto de Marcello Caetano um momento único na vida. Para iludir o problema que me pusera [ convite para Ministro da Educação, no lugar de Veiga Simão], ousei ainda perguntar-lhe: 'E não pode o Senhor Presidente fazer nada para restabelecer a nossa confiança?' De novo me fixou e com a voz nimbada de tristeza respondeu: 'Que se pode fazer num país que ainda dispõe de energias próprias e prefere a voz das sereias encantadas? Reina em todas as classes a demissão, a fraqueza, o aviltamento. Os militares (...) andam em reuniões de fim mercenário apenas para chamar a si a entrega das províncias ultramarinas. A Igreja (...) deixou-se apossar de um progressismo militante que vai ao ponto de identificar Cristo e Marx. Os universitários (...) preferem incitar os alunos à contestação. Os novos burgueses (...) apostam na mudança política para se manterem na crista da onda. Resta o povo anónimo, que é bom e fiel, mas se deixa manobrar pelos palradores de ocasião(...). Estamos atentos e havemos de lutar, mas precisamos acima de tudo que Deus nos valha."
Veríssimo Serrão, "Marcello Caetano, Confidências no Exílio", ed. Verbo