Dossier 25 de Abril.22 de Abril

22 DE ABRIL
 
Escolha de "Grândola"
Futebol e bacalhoeiros, na imprensa matutina. O Sporting empatou com o Beira-Mar, ao passo que o Benfica venceu por cinco bolas a zero a Académica de Coimbra, fazendo ganhar um novo interesse ao campeonato. A bênção dos bacalhoeiros que partem em busca do "fiel amigo" (cada vez mais "para Norte", queixam-se armadores e pescadores) constituiu uma vez mais "luzida cerimónia". O "Diário de Lisboa" alarma-se com a capacidade de circulação na ponte sobre o Tejo, "quase saturada" (ver foto).
Abriu na FIL, em Lisboa, a Feira de Antiguidades, onde há "tudo o que os olhos podem ambicionar ver" nesta área, promete "A Capital" na legenda a uma foto que domina a sua primeira página.
"Nada do que é humano pode ser alheio ao magistério episcopal", proclama D. António Ribeiro, na sagração do novo bispo do Funchal, Francisco Santana. "Se a alguns falta pão para a boca, se muitos não têm casa para viver, se as condições de trabalho embrutecem e despersonalizam, se o dinheiro ou o poder desrespeitam a dignidade e os direitos fundamentais da pessoa humana (...) deverá certamente o bispo emprestar a sua voz àqueles que a não têm e clamam pela justiça de Deus."
As unidades revoltosas entram em alerta desde o primeiro minuto deste dia. Garcia dos Santos, nomeado "oficial de transmissões do estado-maior revoltoso", conclui e policopia "um impecável 'Anexo de Tm' [transmissões]" que será distribuído por cada unidade interveniente a partir da noite de amanhã. Chega entretanto à Escola Prática de Transmissões (EPTm), em Sapadores, a resposta positiva a um pedido de autorização para a montagem de um cabo telefónico directo entre esta unidade e o Regimento de Engenharia, na Pontinha, numa distância de quatro quilómetros. As vantagens são enormes, pois permite aos revoltosos - através da escuta montada às redes rádio da GNR, PSP, DGS e LP e às conversações telefónicas dos diferentes ministros - "a informação verdadeira e actualizada sobre os movimentos e as intenções das forças adversas".
No restaurante do "drugstore" Apolo 70, em Lisboa, Otelo Saraiva de Carvalho, acompanhado de Costa Neves e Costa Martins (dois oficiais da Força Aérea), encontra-se com João Paulo Dinis (JPD), a quem requisitara, nos tempos da Guiné, para locutor do Programa das Forças Armadas. Zeca Afonso está sentado, por acaso, com um casal amigo numa mesa perto. Os conjurados querem emitir um sinal no dia 24, através do Rádio Clube Português, mas JPD diz-lhes que está de serviço, nessa noite, nos Emissores Associados de Lisboa (EAL). Desiste-se do RCP por razões de segurança - JPD não conhece bem o jornalista de serviço no RCP, embora o ache "um tipo fixe". Combina-se que JPD dirá a seguinte frase inócua, através dos EAL: "Faltam cinco minutos para a meia-noite e convosco fica Paulo de Carvalho com 'E depois do Adeus'."
"A saída fracassada de 16 de Março de 1974 provocou na maior parte dos oficiais do Movimento uma perigosa fobia em relação a 'saídas em falso'. Vários sugeriram então, designadamente da província, que fosse dado um sinal rádio determinante do início das operações. (...) Chegou-se a pensar que esse sinal poderia ser dado parando os emissores de FM do RCP, RR e EN (...) durante alguns minutos. Como tal acção se mostrasse impraticável, surgiu a ideia [que o proponente vira no livro branco editado pela ditadura chilena, após o golpe de 11 de Setembro de 1973] que consistia na transmissão a certas horas, em determinada emissora, duma pré-estabelecida sequência musical. (...) Álvaro Guerra, encarregado da ligação com a imprensa, (...) afirmou ter possibilidades de passar a tal sequência musical. (...) Santos Coelho comunicou tal escolha [da canção 'Venham mais cinco", de José Afonso] a Álvaro Guerra cerca das 13 horas da tarde. [Álvaro Guerra] pôs entretanto obstáculos à sua missão, uma vez que tal canção estava proibida na Rádio Renascença. (...) Nessa altura, Almada Contreiras sugeriu 'Grândola', proposta que Álvaro Guerra achou viável. Santos Coelho partiu então imediatamente, para fazer a alteração na página da Ordem de Operações (...)."
Diniz de Almeida, in "Origens e Evolução do Movimento dos Capitães", Edições Sociais