Dossier 25 de Abril.23 de Abril

23 DE ABRIL
 
(foto Agostinho)
"Dias muito confusos"
Começa a "Vuelta". Sem o supercampeão Merckz, e com Joaquim Agostinho em grande forma. O governador de Moçambique, Rebelo de Sousa, escolhe a cidade da Beira para aí comemorar o Dia da Comunidade Lusíada. O serviço de informação pública das Forças Armadas anuncia a morte de dez militares: quatro na Guiné e três em Moçambique, em combates; e três, um dos quais capitão, "por doença", em Angola.
Uma nota na imprensa avisa os alunos do ISE que queiram "prosseguir os estudos" (a faculdade mantém-se encerrada desde os incidentes com o director) e com nomes próprios de A a L de que devem comparecer munidos do respectivo "cartão de identidade no anexo do Instituto" no próximo dia 25. É adiado para 15 de Maio, por falta de testemunhas, o julgamento de Maria Helena Vidal, acusada de ter feito parte do comando que assaltou um avião da TAP, em 1961, espalhando panfletos contra o regime sobre Lisboa e outras cidades. Do comando faziam parte, entre outros, Hermínio da Palma Inácio e Camilo Mortágua. Ao tempo com 18 anos, a ré fora condenada à revelia em 14 anos de prisão, mas veio a ser descoberta e presa no Porto.
A ANP (o partido único do regime) prepara "ainda para esta semana" uma reunião em Lisboa das suas comissões distritais.
O embaixador britânico entrega as suas credenciais, o norte-americano está de visita aos Açores, e Bona anuncia que o seu novo representante deverá chegar a Portugal em meados de Junho ou Julho.
Entre as 18 e as 20 horas, num banco do Parque Eduardo VII, em Lisboa, Otelo distribui os sobrescritos com a Ordem de Operações aos delegados que os hão-de distribuir pelas unidades revoltosas. "As equipas são formadas por dois elementos", conta este militar no seu livro, que temos vindo a seguir ao longo desta evocação jornalística, iniciada em 16 de Março. Cada um seguirá na sua viatura, "percorrendo, se possível, itinerários diferentes". Deste modo, "se um fosse apanhado, o outro poderia vir a cumprir a missão".
O frio obriga Otelo a recolher-se no carro, estacionado na Avenida Sidónio Pais. Com os sobrescritos vai um exemplar do jornal marcelista "Época", que funciona, por ironia dos golpistas, como identificador dos elementos de ligação.
Os fuzileiros fazem saber que no mínimo serão neutrais, para alívio dos conjurados. A informação é dada por um eufórico Vítor Crespo a Vítor Alves e Otelo, que, em casa do primeiro, efectuam uma rápida reunião com elementos da Armada. A hora H fora entretanto marcada, em definitivo, para as três da madrugada.
"O mês de Abril, tal como sucedera com o de Março, foi, praticamente todo ele, constituído por dias muito confusos. (...) Sentiu o chefe do Estado o perigo e a possibilidade de que alguma coisa de mais grave poderia suceder, embora longe de supor o que, de facto, viria a acontecer. Transmitia frequentemente (...) a sua inquietação e as suas apreensões a quem estava governando o País e não só. Mas apenas em meia dúzia de pessoas, quando muito, encontrava pleno acordo para esse seu estado de espírito. (...) De quanto estaria em curso, o chefe do Estado sentia que o maior risco vinha do chamado movimento dos capitães, cuja evolução no sentido político se tinha acentuado. (...) Os alarmes que chegavam ao chefe do Estado vinham em maior grau do jornalista Luís Lupi e, também, do almirante Henrique Tenreiro, mas, além desses, chegavam-lhe também doutras fontes, sobretudo os oriundos do general Kaúlza de Arriaga e do professor Soares Martinez. Acontecia, porém, que os governantes mais responsáveis pela política e pela defesa da ordem e da Nação lhe afirmavam que o que mais temiam era um golpe da direita e não da esquerda! E encabeçavam esse golpe (...) na pessoa do general Kaúlza de Arriaga e de alguns outros oficiais generais seus amigos, entre os quais o general Luz Cunha, seu cunhado (...)"