Carlos Fabião

Entrevistas conduzidas por Maria João Avilez -  "Público" (1994)

ENTREVISTA COM CARLOS FABIÃO
 
Maria João Avillez
Uma entrevista perturbadora: foi como se, durante algumas horas, a conversa tivesse tido como interlocutor um homem dividido. Primeiro, o guerreiro que cumpria missões no terreno; mais tarde, o militar que parece ter perdido o pé nos meandros da revolução. Entre uma coisa e outra, fez a descolonização da Guiné - onde foi o último governador. Duas atitudes, dois discursos, distintos sempre, porventura, por vezes, mesmo antagónicos.
Carlos Fabião, 63 anos, coronel reformado do Exército português, foi em diversas comissões de serviço em Angola e na Guiné um herói de guerra - e, por isso, promovido, louvado e condecorado. Era um dos "sete magníficos" que rodeavam Spínola, um grupo que, durante anos, trouxe aos ombros as esperanças e o orgulho do general nas savanas africanas.
Disso falou Fabião, deixando vir à tona da conversa, intacto, o seu instinto de guerreiro e, à memória, a fé no general desses tempos.
No resto - Portugal depois de Abril -, houve sempre o peso - da contradição? da impossibilidade? - e a sombra, indisfarçável, da amargura a tingirem todas as suas palavras.
PÚBLICO - Antes de entrar na matéria... Porque escolheu a carreira militar?
CARLOS FABIÃO - Desejava ser aviador e ir para a Aeronáutica. Entrei para a Academia, tirei os preparatórios e reprovei no exame médico do primeiro ano. Já que estava lá metido, continuei a carreira militar. Aliás, foi a que gostei de seguir.
P. - Qual foi a primeira vez que foi a África?
R. - Fui como voluntário... Eu tinha um grande apreço por África, desde garoto. Houve como que um chamamento. Nasci aqui nesta casa, vê-se o rio e o cais, fui sempre atraído pelo mar. Assim que pude, ofereci-me como voluntário. E fui para a Guiné.
P. - Que idade tinha?
R. - Tinha 24 anos.
P. - Só conheceu a Guiné?
R. - Não, estive também em Angola.
P. - Qual foi a primeira marca deixada por África? É interessante - já que foi o descolonizador da Guiné - tentar saber as coisas desde o princípio e, se possível, "de dentro"...
R. - Ficou-me uma paixão que ainda hoje subsiste. Eu gostava de tudo, desde o tipo de vida à actividade física que ali se proporcionava e àquele mundo novo, quase virgem.
P. - E a partir de quando é que, em relação à nossa África, começa a reflectir de outra maneira? A guerra foi determinante ou o 25 de Abril é que foi?
R. - Vamos lá a ver. Houve mais que um olhar: nos primeiros tempos, a minha visão era a de um homem que vivia numa boa casa, com ar condicionado, boa comida, comodidades. Nesses tempos até olhávamos com alguma sobranceria para as populações, eu ainda não me tinha apercebido de que os negros talvez não fossem afinal uns selvagens, tinham era uma cultura diferente... Depois, foi na guerra, quando tive de penetrar no mato e andar pelas bolanhas da Guiné ou pelas savanas de Angola, quando descobri povoações isoladas, etc., que passei de facto a conhecer África.
P. - Onde estava quando começaram os massacres em Angola?
R. - Estava na Guiné. Vim para Portugal, onde passei dois meses, e embarquei para Angola.
P. - Para se bater?
R. - Sim, ia até com uma forte dose de revanchismo português e marialva.
P. - Porque diz "marialva" e não "patriótico" quando se sabe que, nessa altura, era isso que pensava o "soldado" Fabião?
R. - Não tenho dúvidas em dizer patriótico! O que queria dizer é que íamos com um determinado conceito... Chegámos lá, desfilámos pela Avenida Marginal e depois as coisas foram amadurecendo... Mas eu fui-me apaixonando pela guerra subversiva que ia fazer, como profissional, no campo técnico. Não no campo humano, porque nós militares, quando jogamos no campo técnico, não olhamos ao campo humano. Nessa primeira fase fui tomando uma série de apontamentos e de ideias. E quando parti para a minha comissão seguinte, na guerra da Guiné...
P. - ... já era outro Carlos Fabião?
R. - Sim e mais. Era outro Carlos Fabião, amadurecido e conhecedor de todos aqueles assuntos. Essa comissão correu muito bem, fui condecorado, promovido por distinção, passei a ser altamente conceituado. Voltei e fui fazer uma terceira comissão.
P. - Outra vez à Guiné?
R. - Sim, entre 68 e 70. Nessa última comissão, já vou num comando de agrupamento, isto é, já sem a parte do mato.
P. - É aí que conhece o general Spínola?
R. - É. Não o conhecia antes.
P. - Sabe-se que esse conhecimento foi determinante para si.
R. - Foi, sim senhor. Um dia, o tenente coronel Ricardo Durão - que fazia parte do "staff" do general -, agarra em mim e explica-me o projecto de Spínola. O projecto político-militar para a solução da guerra da Guiné que ele queria depois estender ao resto. O Durão, que já me conhecia, explicou-me o que se pretendia.
P. - E aderiu logo?
R. - Aderi completamente. Passados tempos, o general Spínola chama-me para ir comandar uma operação muito importante no Leste. A partir daí, levou-me para a sua equipa e fiquei com ele até ao fim.
P. - Além de Ricardo Durão, quem mais fazia parte desse grupo?
R. - O tenente-coronel Firmino Miguel, o major Pereira da Costa, o major Bruno, o major Carlos Azeredo e o major Carlos Morais. Posteriormente, o major Dias de Lima substituiu o Carlos Morais e o tenente-coronel Artur Baptista veio a substituir o Firmino Miguel. Juntou-se também a este grupo o capitão António Ramos. Era este o núcleo duro do "staff" do general. Na conduta operacional distinguiram-se também o Alcino - um pára-quedista e comandante de mão cheia -, o major Passos Ramos, um dos homens mais extraordinários que passaram pelo exército português - e o major Osório, um combatente muitíssimo bom e grande amigo meu. E ainda o major Pereira da Silva, um homem que já tinha duas comissões na Guiné e que conhecia de cor o terreno... Estes três majores vieram aliás a falecer em combate no Chão Manjaco, assassinados pelo PAIGC. De resto, quando muito mais tarde volto à Guiné já como governador, ninguém do PAIGC ousou pôr-me à frente o homem que os assassinara!
P. - Não era também Otelo que fazia parte desse grupo que estava com Spínola?
R. - Não, Otelo estava de facto na Guiné, mas colocado numa repartição.
P. - Como era o projecto do general Spínola?
R. - É necessário voltar um pouco atrás. O general Spínola correu a Guiné toda, tirou as suas conclusões e mandou embora uns tantos civis e militares que eram pouco competentes. É dessa altura o termo - que usávamos muito - "olha que levas um par de patins!". A dada altura, o general faz uma reunião com todos os oficiais, onde nos disse que a guerra subversiva não se ganhava militarmente. E com tal não nos pedia que ganhássemos a guerra, mas que não a perdêssemos e, sobretudo, que lhe déssemos tempo, a ele, Spínola, para, como governador, descobrir a forma política de acabar com a guerra.
P. - Depois, em 70, vem para a metrópole, fica um ano e volta à Guiné, em Abril do ano seguinte...
R. - Volto e, uma vez mais, a convite do general Spínola. Foi quando se incentivou o projecto dele. Enquanto eu estava em Lisboa, o general ainda tentou um golpe para ganhar a guerra, a "operação Mar Verde", a tal operação levada a cabo pelo Alpoim Calvão, em Novembro de 70, quando ele vai a Conacry.
P. - Porque é que um militar como o Alpoim Calvão perde uma operação dessas? Como é que vocês viram isso na altura?
R. - A operação pode ser discutida nalguns aspectos de condução, há sempre duas ou três soluções para um problema. Mas a que ele escolheu era, a meu ver, totalmente correcta. Eu teria feito exactamente o mesmo, tecnicamente a sua actuação foi perfeita. Hoje não tenho dúvidas de que a responsabilidade desse fracasso coube inteiramente à PIDE, todas as informações que prestou eram falsas. O Calvão actuou com dados errados. O general ficou aborrecido e o inspector da PIDE Matos Rodrigues, responsável pelas informações, acaba por se vir embora, sendo substituído por um rapaz chamado Fragoso Alas...
P. - Aliás julgo que foi esse Fragoso Alas o autor de uma ideia...
R. - ... era a essa ideia que eu queria chegar: o Fragoso era extraordinário para fazer serviço de espionagem. Tinha estado dois anos na embaixada portuguesa de Kinshasa, disfarçado de adido comercial ou cultural... O certo é que conhecia bem - e influenciava - o Mobutu. É então ele que consegue mexer-se para pôr em contacto o Senghor, Presidente do Senegal, com o general Spínola...
P. - ... que não se conheciam ainda?
R. - Não. E julgo saber que o general Spínola, no livro dele, se inspirou bastante no projecto que o Senghor tinha para a África francesa. Como aliás o próprio Senghor também se deixou influenciar pelos discursos feitos pelo general Spínola e pelos seus planos. Esta influência recíproca é um dado que ainda hoje é muito interessante.
P. - E esse encontro entre os dois?
R. - Como já referi, foi conseguido pelo Fragoso Alas. E no dia marcado, o Spínola vai ao Senegal, acompanhado pela sua equipa, conferenciar com o Presidente Senghor.
P. - Quem era a equipa?
R. - Ia eu, o capitão Nunes Barata - hoje nosso embaixador em Roma - e o Fragoso Alas. Levávamos dois helicópteros, com uma operação devidamente montada para se houvesse algum azar: pára-quedistas avançados, jactos na estratosfera, etc.
P. - Onde foi o encontro?
R. - Num Clube Mediterranée, que havia perto da fronteira com a Guiné. Na sala estavam apenas o general Spínola, o Alas e o Nunes Barata. Eu fiquei em cima, junto dos helicópteros, cabendo-me a decisão de fazer avançar ou não as tropas. Em caso de azar, o nosso ponto de honra era que eles não apanhassem o general Spínola vivo...
P. - Eles, quem?
R. - O PAIGC ou forças do próprio Senegal, no caso, sempre possível, de uma traição.
P. - E então?
R. - O que estava combinado por nós - se as coisas corressem mal - era eu mandar bombardear a zona e fazer avançar o batalhão de pára-quedistas para recolher os corpos, vivos ou mortos. Não foi preciso, tudo correu bem e fomos andando com aquilo... Marcou-se uma segunda volta e entrou-se na fase da execução. Lembro-me, a propósito (ri), que o major Bruno era, de todos nós, o mais céptico! Nunca acreditou na sinceridade do governo de Lisboa quando autorizava estas conversas! Estava sempre desconfiado, levava o tempo a dizer: "Vão ver que eles, à última hora, cortam-se!".
P. - Bem, à luz de hoje, tinha muita razão!
R. - Bem, cada um tem a sua opinião, mas ele de facto era o mais descrente. Após a segunda reunião entre Spínola e Senghor, iríamos passar, como disse, à fase da execução.
P. - Que era exactamente o quê?
R. - Era um cessar-fogo e a criação de uma conferência sem pontos prévios em que, de um lado, estariam os portugueses e, do outro, todos os movimentos de libertação da Guiné-Bissau: o PAIGC e uma tal FLING. Acordou-se que durante dez anos se faria a regionalização dos quadros - isto é, a sua formação com vista à futura administração do país -, e no termo desse prazo o país guineense escolheria a forma como queria estar com Portugal: independência total; comunidade, federações, ligação de Estados, etc.
P. - Na sua opinião, o que fez abortar tudo isso?
R. - O Marcello Caetano. Quando o general Spínola veio a Lisboa pedir autorização, o Marcello proibiu tudo e exigiu imediatamente o fim desses contactos. E disse ao Spínola que se na Guiné se poderia vir a admitir um desastre militar, nunca ele admitiria uma cedência política!
P. - Foi o fim da ilusão?
R. - O fim de todas as ilusões e um desgosto tremendo... Mas, entretanto, já há uns dois ou três anos que um grupo de oficiais da Guiné conspirava num projecto que tinha como objectivo a tentativa de derrube do Governo... A ideia era precisamente darmos o melhor de todos nós na Guiné de tal modo que, a partir da acção de Spínola e dos seus sucessos na Guiné, ele se transformasse num figura indiscutível. Pretendíamos que os seus feitos no terreno tivessem obrigatoriamente forte repercussão na metrópole. E assim trabalhámos...
P. - ... os mesmos?
R. - ... mais ou menos os mesmos. Éramos até conhecidos pelos "Sete Magníficos"! Este grupo impulsiona assim uma quantidade de acções militares, que seguia em paralelo com as acções civis montadas por Spínola. Queríamos que o general ganhasse cada vez mais notoriedade para que o Governo de Lisboa o viesse a nomear para um lugar compatível. A partir daí, Spínola colocaria os seus homens em pontos chaves e faria um golpe palaciano...
P. - E então? É que mesmo sabendo o fim da história, temos ambos de fazer de conta que o ignoramos...
R. - Enquanto na Guiné tentávamos o bom êxito desta ideia, surge em Lisboa um outro projecto: o Sá Carneiro e a Ala Liberal convidam Spínola a candidatar-se à Presidência da República, em 1973. O general respondeu que ia estudar a questão. Julgo que a estratégia do Sá Carneiro era afastar de vez o Américo Thomaz, que na altura era o óbvio suporte de toda a direita radical. E nesse caso, se Thomaz fosse afastado, só restaria a Marcello candidatar-se ele próprio à Presidência da República. É de resto o próprio Sá Carneiro quem explica isto a Spínola, adiantando-lhe, inclusivamente, que, a dar-se este caso - Marcello avançar para a eleição presidencial -, Spínola teria que desistir para lhe deixar o caminho livre.
P. - Como reagiu o general Spínola?
R. - Ficou muito chocado. O general era um homem que não estava habituado a desistir a meio de coisa nenhuma, era um vencedor, um homem que ia sempre até ao fim.
P. - Entretanto, estamos a aproximar-nos da germinação do MFA?
R. - Havia o tal grupo de que já lhe falei que queria derrubar o governo... E então, começam a aparecer umas cartas - Spínola, por exemplo, recebeu duas delas -, apelando ao retorno à bandeira. Esse retorno era o regresso aos ideais do 28 de Maio. Tratava-se de um grupo de "ultras", desgostosíssimo com a fraqueza de Marcello, com o desagregar de todas as situações militares em África - à excepção de Angola -, e que apelava então a esses ideais. O nosso grupo passou imediatamente a estar atento àquilo. Surge logo a seguir o célebre Congresso dos Combatentes, o que nos leva a mobilizarmo-nos para o fazer abortar.
P. - Como?
R. - Através de um documento que conseguimos fazer sair no "Expresso", no "Diário de Lisboa" e no "República". O Congresso morreu, foi um nado-morto. E na recolha de assinaturas para impedir a sua realização, quem se distinguiu foi o Vasco Lourenço. Foi a primeira vez que ouvi falar no seu nome! Era de uma terra vizinha do Eanes que, a partir daí, ficou com ele debaixo de olho...
P. - Estamos em 73...
R. - Exactamente. É quando Eanes propõe que a gente criasse em Portugal uma associação, como a que existia em França, "A Associação dos antigos alunos da Academia de Saint Cyr"...
P. - Com que objectivo?
R. - Por um lado, pretendia-se que as famílias dos militares que estavam na metrópole fossem trocando informações, ajudando as famílias dos que se batiam no Ultramar. Por outro, era algo que poderia servir de capa para qualquer conspiração que se pudesse fazer... Tivemos então uma reunião em casa do Vasco Lourenço, no Estoril. Tinham acabado de sair os célebres decretos sobre a carreira militar, e o Vasco só falava neles. Até me aborreci: "Deixe lá os decretos, o que é preciso é arranjar uma maneira de derrubar o governo!" O Vasco puxa-me então por um braço, e explica-me que também ele estava interessado no derrube do governo e que justamente seriam os tais decretos a isca mobilizadora ou a semente, se quiser... Ele compreendeu isso muito bem...
P. - A semente do MFA?
R. - Exactamente.
P. - E o general Spínola sempre com vocês de alma e coração?
R. - Sim, sempre. Eu ia frequentemente, ao serão, a sua casa, ele morava aqui perto, no Campo de Santana. Mas o general insistia em que nós, os "spinolistas", não nos evidenciássemos muito dentro do Movimento, para que ele pudesse "aparentemente" estar de fora da questão...
P. - Como foi exactamente o 16 de Março? Era um "spinolista", pode contar isso muito bem...
R. - Não vivi esse acontecimento. Mas as versões que me contaram depois eram contraditórias e até hoje ainda não apurei a verdade: tanto se dizia que eram "os spinolistas" que se queriam apropriar da liderança do Movimento dos Capitães como se sustentava que era um "golpe" para acabar com eles.
P. - Dá-se o 25 de Abril. Começam as clivagens, horas, ou dias depois...
R. - Eu isso das clivagens só conheço por histórias que vim a saber depois. No dia 28, o Nunes Barata e eu estamos dentro de um avião a caminho de França.
P. - Porquê de França?
R. - O Senghor, em 25 de Abril, estava em Paris, a caminho de uma visita à China. E pede então a Spínola que lhe envie um emissário falar com ele. escolhe o Nunes Barata porque o Senghor já o conhecia das reuniões no Senegal e a mim porque o general já estava nessa altura a querer enfiar-me para a questão da Guiné.
P. - E que lhes disse Senghor?
R. - Limitou-se a mandar dizer a Spínola que o projecto de há dois anos estava inviabilizado porque 82 países - entre os quais o seu - tinham já reconhecido a Guiné Bissau e que ele não voltaria atrás. Recomendou mesmo que o general reconhecesse a Republica da Guiné, pois seria um bom sinal dado à OUA. Ficamos uns dias em Paris, e vi, na televisão, o "1º de Maio" em casa do nosso cônsul. Falei para Lisboa a felicitar o general Spínola por aquela festa tão bonita e depois regressei a Lisboa. Mas o general não aceitou reconhecer a Republica da Guiné. Não quis fazer esse gesto.
P. - E aí, o coronel Fabião entrou em desacordo com ele?
R. - Naquela altura eu também não estava preparado para ter uma opinião, todos os acontecimentos surgiam com uma velocidade fantástica! O general Spínola ainda se convenceu de que se pudesse ir à Guiné... Mas a verdade é que, naquele momento, já não tinha prestígio. Os indivíduos que o tinham aplaudido passaram a assobiá-lo... Os pretos podem não ser cultos, mas não são parvos! E já tinham percebido que o "senhor" de Lisboa acabara com a chegada da revolução... Agora, o "senhor" chamava-se PAIGC.
P. - E quando o coronel Fabião lá chega, o que vê?
R. - Tive ocasião de verificar a "força" e a "fragilidade" do PAIGC. Mal cheguei a Bissau, quis falar com alguém importante do PAIGC e não havia... Apareceu depois um quadro médio, mas nem tomava decisões, nem falava... Tinha medo, visto não ser "ninguém" perante as cúpulas... Eu pensava que eram todos do PAIGC , mas afinal não eram. A gente, dantes, desconfiava que eram todos... mas, ao fim ao cabo, não eram. E eu, assim, também não estava em condições de dar qualquer informação ao general Spínola, porque deparei, à chegada, com problemas gravíssimos: cada remessa de jornais que chegavam da metrópole dava origem a greves iguais às que se faziam aqui. Os africanos sabiam que nós estávamos de partida e que a seguir viria o PAIGC, portanto, todos queriam ser promovidos, aumentados - para que o PAIGC ficasse com esse encargo aos ombros... - e faziam greves medonhas. O Senghor tinha razão: já não era possível viabilizar qualquer projecto como ele e Spínola, uns anos antes, tinham defendido. O Spínola ainda quis fazer lá um congresso, mas o PAIGC nunca quis que o general lá voltasse: recomeçaria a guerra imediatamente caso ele levasse por diante tal ideia.
P. - E que fez como governador?
R. - Como disse, os indivíduos não eram parvos, aperceberam-se de que não iríamos continuar a guerra. E os que viviam sob a nossa bandeira passaram-se rapidamente para o outro lado.
P. - Foi um peso para si, ser o ultimo governador? Era um território onde combatera por diversas vezes, que conhecia bem, onde tinha seguido as pisadas, o projecto e a" fé" de um homem que admirara, o general Spínola... Como viveu isso? Essa última passagem não lhe deixou marcas?
R. - Houve de facto uma parte muito amarga e violenta, outra que o não foi. Custou muito - até escrevi uma carta ao general Spínola a dizer isso - o facto de estar a desfazer um império. Mesmo sabendo que alguém teria de o fazer, custava-me ser eu a fazê-lo. Era talvez egoísmo, mas teria preferido que fosse outro o responsável pela resolução daqueles problemas todos.
P. - Percebo tudo isso. Mas não haveria outra alternativa entre o projecto de Spínola, datado de três ou quatro anos antes, e o que se veio a verificar?
R. - Não havia. Aquilo estava prestes a cair por um desastre militar. E nesse sentido, até foi bom ter ocorrido o 25 de Abril, estava tudo mesmo a cair... Repare nisto: um batalhão tem 600 e tal homens e havia lá batalhões que só tinham três oficiais do quadro permanente, sendo o restante composto por milicianos. Ninguém percebia nada de nada, tecnicamente falando. E, além disso, ninguém estava, como sabe, disposto a morrer naquela guerra.
P. - Como oficial experimentado, com muita prática no terreno, considera que houve uma altura em que se esteve disposto a morrer e outra, mais adiante, em que ninguém já estava disposto a bater-se - e eventualmente a morrer - na guerra de África? É possível pôr as coisas assim?
R. - É completamente. Começou por haver gente disposta a morrer e depois não houve mais. Não digo que mesmo no final, no meu tempo de governador, não houvesse um ou outro... Sabe que depois de Maio de 68, começaram a aparecer indivíduos com outra mentalidade... Houve um que me disse na cara: "Eu estou aqui apenas a defender o meu direito de viver em Portugal!". Isto significa que, a partir daí, era outra gente que fazia a guerra, não era a gente de 61, de Angola, nem pouco mais ou menos... No final, os soldados iam para lá para tentar-se ver-se livres daquilo o mais depressa possível.
P. - Não foi consigo que se passou um episódio segundo o qual mandou desmobilizar diversos batalhões de negros que tinham combatido do nosso lado e que depois vieram a ser fuzilados pelo PAIGC?
R. - Foram fuzilados muitos meses depois.
P. - Mas foi ou não por sua iniciativa - e sua palavra - que eles depuseram as armas confiando que teriam outra sorte e foram depois mortos?
R. - A tropa, quando é licenciada, entrega as armas, entrega os equipamentos, entrega tudo. O PAIGC prometeu não lhes fazer nada.
P. - Julgo saber que foram fuzilados. Qual e a sua versão destes factos?
R. - Isso é uma coisa que não lhe posso dizer, não sei muito bem, os fuzilamentos foram feitos mais tarde.
P. - Já não estava na Guiné?
R. - Não. Mas gostava agora de lhe falar sobre a outra coisa que referi há pouco. Perguntou-me se eu não ficara marcado. Disse-lhe que sim e... que não. Já respondi sobre aquilo que me perturbou - o facto de ter recaído sobre mim o fim do Império na Guiné. Agora, vou dizer-lhe o que me deu maior satisfação: eu disse ao PAIGC que nós íamos fazendo a entrega, mas que nunca haveria nenhum soldado português debaixo da bandeira deles. E assim foi. Pegámos num calendário para a entrega das várias guarnições e combinou-se que apareceria o PAIGC, formavam as duas forças, uma diante da outra, tocava a sentido, tocava a cerimónia a mortos, baixava a bandeira portuguesa... Depois tocava a alvorada, subia a bandeira do PAIGC, as tropas davam meia volta, metiam-se nos carros e vinham-se embora.
P. - Já que me conta tudo isso, tenho que insistir: que impressão é que essas cerimónias lhe foram deixando... justamente tratando-se de si?
R. - A primeira vez, não me fez muita impressão. Mas a segunda ou a terceira, fez. Era uma guarnição onde eu tinha estado, uma guarnição muito dura, e que me ficou ligada por aquilo que nela sofri. Essa, custou-me muito... Ainda tenho essa bandeira, ali , atrás da minha cama... Aliás, tenho guardadas três bandeiras: essa de que lhe acabo de falar; a segunda, de uma outra guarnição onde também tinha estado. E a terceira, a última bandeira, do último governador... Ainda a propósito de tudo isto: sabe que eu tive sempre a sensação de que era muito perigoso ficarem lá determinados indivíduos... Perigoso para eles, entenda-se. O primeiro foi o Marcelino da Mata, com quem falei assim que lá cheguei, convenci-o e ele veio-se logo embora. Depois, na véspera do dia em que eu próprio me vinha embora, reuni-me no Palácio com todos os outros comandantes - negros -, e disse-lhes para virem comigo porque receava que aquilo desse para o torto...
P. - E eles?
R. - Eles disseram-me que não, que era a terra deles, a história deles, queriam ficar. E ficaram.
P. - E depois?
R. - Mataram-nos. Não a todos, porque já encontrei aqui em Portugal dois ou três. Sabe que ainda hoje penso que no PAIGC devem ter aproveitado a altura do 11 de Março... para começar a arranjar um pretexto para proceder a esses fuzilamentos...
P. - Como assim?
R. - No próprio dia 11 de Março, estava eu já em Lisboa e telefona-me de Bissau um dos dirigentes do PAIGC a comunicar-me que o 11 de Março tinha raízes na Guiné, que tinham até prendido uma série de pessoas. Perguntei como era isso, o que significava, etc., ele disse-me apenas que estavam a fazer averiguações... Entretanto, mete-se o "Verão quente" e eu, dado estar aqui envolvido em muita confusão, não dei tanta atenção à Guiné como devia... E soube mais tarde que eles tinham fuzilado uns quantos... Claro que não os mataram a todos... Só milícias eram cerca de nove mil.
P. - Regressa então a Portugal em que data?
R. - Em Outubro. Entretanto, fora eleito chefe do Estado-Maior do Exército. Eles cá até queriam que eu tivesse vindo mais cedo, mas avisei logo que só sairia da Guiné com as ultimas tropas. Para depois entrar na guerra de cá.
P. - Justamente, proponho-lhe que entremos agora na "guerra de cá"...
R. - Quando cheguei, a impressão que tive foi que tinham tirado a rolha a uma garrafa de champanhe... Já não era possível voltar a pôr a rolha em sítio nenhum! Era tudo demasiado folclórico. Veio gente de toda a parte, de todos os feitios, armaram aqui um grande arraial... faziam-se comícios em todos os lados, a todas as horas!
P. - Tenho de voltar um pouco atrás: o coronel Carlos Fabião era um "spinolista". Em 28 de Setembro, o general Spínola sai de cena. Apesar de estar, nessa data, na Guiné, acompanhou certamente isso. Que pensou? Ainda estava com ele nessa altura?
R. - Eu zanguei-me muito com ele, precisamente nessa altura. Fez-me muita impressão aquele estado de indisciplina... A minha ideia era a de que o general devia ter agarrado o leme do barco e segurá-lo com firmeza. Quando eu soube das "barricadas" - e aí percebi que estava tudo perdido! -, fiquei muito aborrecido por o general não ter controlado as coisas! Tinha capacidade, era um homem habituado a mandar, a ser obedecido.
P. - Ainda há pouco me dizia que ele era um "vencedor"...
R. - Sabe que o general Spínola tinha uma grande admiração pelo De Gaulle... Deve ter imaginado que o iriam buscar depois, ou alguma coisa assim... É a única explicação que encontro para o procedimento dele! Porque se ele tem, apesar de tudo - com barulhos ou sem barulhos -, continuado no governo, teria conseguido atravessar aquele mar.
P. - Mas precisamente a facção que ele - e os "spinolistas" - representavam estava em perda total. O MFA encontrava-se dividido e praticamente dominado por uma facção que queria arredar quanto antes o general Spínola!
R. - É verdade. Quando cheguei da Guiné, o Otelo disse-me: " É pá, o Partido Comunista anda para aí a fazer batota ao jogo, temos de ver como isto é... " Comecei então a ter determinados cuidados. Houve até um dia em que apanhei um grande susto..
P. - Só um? Qual foi?
R. - Foi em Janeiro de 75. Uma parte da minha tropa fora para o Algarve, fazer a guarda aos Acordos de Alvor, a outra estava para o Norte, a fazer uns exercícios no Nordeste. De repente, há uma manifestação no Ministério do Trabalho, pensei que a cidade se iria encher de gente, e eu sem tropa nenhuma! Receei até que se lembrassem de tomar conta disto... O meu medo era que me barricassem as estradas, que me apanhassem as transmissões e que eu ficasse sem possibilidade de comandar o que quer que fosse... Chamei então um oficial meu, de toda a confiança, o Ornelas Monteiro - muito ligado ao PSD, admirador de Sá Carneiro -, mandei-o ir dormir para fora de Lisboa, ele tinha uma irmã em Torres Vedras, mandei-o para casa dela. Afinal não houve nada, ele dormiu descansado e voltou no dia seguinte.
P. - Qual era a sua ideia, se as coisas tivessem corrido como receava?
R. - A minha ideia era que, em caso de azar, o Ornelas rumaria ao Norte, buscar o Jaime Neves. E a ordem que eu lhes dei foi a seguinte: "Vocês não param, é a varrer!". Mas não foi preciso... E depois explicaram-me que eu podia estar descansado, o Partido Comunista não tinha envergadura para tomar conta de uma nação.
P. - Entretanto, via o general Spínola? Disse-lhe alguma vez a sua desilusão por ele não ter estancado as "barricadas"?
R. - Isso não me lembro, embora tenha conversado muito com ele, até ao fim de 74.
P. - Qual foi a sua reacção aos acontecimentos do 11 de Março?
R. - Eu não sabia o que se estava a passar - estava no meu gabinete a falar com o Lemos Pires, que viera cá tratar dos assuntos de Timor. De repente, entram no meu gabinete o Mendes Dias e o Lemos Ferreira dizem-me que o general Spínola estava em Tancos e pedia para eu lá ir. Respondi que não iria e disse ao Mendes Dias - na altura chefe do Estado-Maior da Força Aérea - que ele também não deveria ir. Mas os nossos dois chefes de gabinete foram.
P. - Achou que não deveria ir. Porquê?
R. - Repare nisto: o general Spínola, fechado numa base, manda chamar o chefe do Estado-Maior do Exército, ou seja eu próprio. Ora eu, naquele momento, não estava em condições de me meter numa coisa sem saber o que se passava. Mandei ver o que era, disseram-me que o general Spínola me queria ao seu lado quando entrasse em Lisboa. Fui então perguntar ao Costa Gomes o que se passava e optei por ficar na dependência dele.
P. - Permita-me então que lhe pergunte: nesse momento troca objectivamente o general Spínola pelo general Costa Gomes? Ou tratava-se simplesmente de um problema de disciplina militar?
R. - Mantive-me dentro da minha linha hierárquica.
P. - E com quem pensa que estava o general Costa Gomes?
R. - Na minha opinião, ele tentou sempre - e nisso foi brilhante - impedir uma guerra civil. Costa Gomes normalmente esteve sempre com o mais forte. A cadeira do Presidente tem muito peso. Quando se começavam a desenvolver aquelas lutas, ele ficava pura e simplesmente quieto. Quando, de repente, uma dessas forças começava a subir, ele dava-lhe apoio. Jogou sempre assim. E bem, porque evitou cenas do arco da velha. Mas, voltando à questão das várias quedas: as linhas do MFA fragmentaram-se, foram sendo derrubadas uma a uma: primeiro, os spinolistas; depois os gonçalvistas; depois os otelistas. E por fim, constitucionalmente, o Grupo dos Nove.
P. - Visto que esteve mais perto dos spinolistas, como viu essa queda?
R. - Essa queda não é simultânea. Quando cheguei ainda havia muitos spinolistas colocados. Penso sinceramente que, se não tem havido o 28 de Setembro, talvez tivesse sido possível uma transição diferente. Mas, por outro lado, também pergunto: teria sido possível não haver o 28 de Setembro?
P. - E o que foi o 28 de Setembro?
R. - Foi a primeira confrontação entre o Partido Comunista e o general Spínola. Foi onde residiu o primeiro tomar de pulso, o primeiro perigo... O que penso é que essa confrontação deveria ter sido evitada a todo o transe.
P. - Nunca mais viu Spínola?
R. - Depois de Tancos, só voltei a vê-lo há dias.
P. - Só o viu uma única vez?
R. - É a vida.
P. - Bem, vamos andar para a frente. E agora sou eu que lhe vou contar um episódio. Um dia de Agosto de 75, vou a casa do então capitão Vasco Lourenço. Era ainda muito cedo, ele abre-me a porta desgrenhado e em pijama e diz apenas: "O Fabião borregou". Referia-se a um governo, para substituir o de Vasco Gonçalves, que seria supostamente liderado por si. Porque "borregou"?
R. - É muito simples. Um dia o Costa Gomes chamou-me a Belém, e pediu-me para formar governo, com o argumento de que não haveria outra possibilidade, já que o Vasco Gonçalves era contestadíssimo. Disse-lhe que não, era chefe do Estado-Maior do Exército, não me queria meter em políticas. Ele insistiu, eu disse que não, despedimo-nos assim. Fui para casa com a certeza de que não seria. Depois aparece o Vasco Lourenço, dizendo que os "Nove" - surgira já o "Documento dos Nove" - confiavam em mim e queriam que eu formasse governo. Pedi-lhe para me mandar o Melo Antunes, com quem me encontrei e a quem pedi para fazer as diligências, já que eu não queria andar a exibir-me. Eu nem conhecia os políticos!
P. - Pertencia ao grupo dos Nove?
R. - Não propriamente. Deixara de ser spinolista, estava perto dos melo-antunistas. Repare que eu é que tinha trazido o Melo Antunes para o nosso Movimento, conhecia-o bem. Sendo uma pessoa que se isola, um pessimista, reservado, é uma pessoa extraordinária. A gente conversa com ele um dia inteiro e fica satisfeita. A partir de certa altura, antes do 25 de Abril, andei sempre com ele, não fazia nada politicamente sem lhe perguntar. Por tudo isto, não podia deixar de o escolher para me ajudar nestas diligências.
P. - E depois?
R. - No dia seguinte, o Costa Gomes chama-me de novo a Belém. Está o Vasco Gonçalves, muito chateado, sentado numa cadeira, a quem Costa Gomes diz que eu estou ali para o substituir na chefia do governo e que o melhor era combinarmos os dois esse novo elenco. Vasco Gonçalves insiste que o governo tem de ser o mesmo, apenas com a troca dos primeiros-ministros. Eu recuso, alegando que não conseguiria conciliar as coisas. Mas convenço-me de que ele tem de sair a qualquer preço, antes que começassem a surgir incidentes de rua, etc. Mas aí, é com surpresa que ouço o general Costa Gomes dizer que essa troca tem de esperar, porque, devido a uma campanha que o então ministro dos Negócios Estrangeiros - Mário Ruivo - lançara a propósito de Timor, o primeiro-ministro teria de permanecer em funções mais uma semana. Naquela noite reuni-me com os Nove em S. Julião da Barra e Melo Antunes aceita então aguardar uma semana, continuando as suas "démarches" para um novo governo.
P. - Quem eram esses nomes?
R. - Já não me lembro bem... E quando volto a Belém, dias depois, lá está o Vasco Gonçalves, enterrado numa cadeira, que me atira: "Você tem andado para aí a trair-me, o Melo Antunes anda em seu nome a fazer um novo governo... Você tinha-se comprometido comigo... " Para resumir, virei-me para o Costa Gomes e disse-lhe que não formava governo porque não era capaz de fazer conciliação nenhuma! Foi por isso que se diz que "borreguei" !
P. - Esteve quase para ser primeiro-ministro. Não o foi. Se pudesse voltar atrás, mudaria de opinião ou de vontade?
R. - Nunca tive ambições. Deveria era ter mantido o meu "não" logo de entrada. As lutas de bastidor são muito pesadas, eu não conhecia nada nem ninguém aqui. Passava a vida em reuniões, não dormia, estava a viver num regime que me perturbava, em que não era eu próprio... Com a experiência que hoje tenho, sei que teria sido um militar bruto, a dar murros na mesa. Mas naquela altura andava com a mania das conciliações... Mas há ainda outra coisa...
P. - Qual?
R. - Eu, para fazer governo, precisava de um apoio total: os "gonçalvistas" não mo iriam dar. Os "otelistas" - apesar das promessas de Otelo - também não. Quanto aos Nove, iria ter apoio de alguns moderados e de outros tantos reaccionários, só que a força deles nessa altura era quase só conspiratória...
P. - Que papel teve no 25 de Novembro?
R. - Nenhum. Apesar de ser chefe do Estado-Maior do Exercito... Só quando cheguei ao gabinete é que soube que houvera uma espécie de revolução. Fui para o pé do Costa Gomes e pedi a minha demissão.
P. - Porquê?
R. - Estava desgostoso com muitas coisas.
P. - E depois?
R. - Entrei de férias, engordei 18 quilos. Ainda voltei ao serviço até 83, depois pedi a passagem à reserva e agora estou reformado.
P. - Quando passou à reserva passou a ter uma ocupação profissional?
R. - Trabalhei numa publicação chamada "O Guia do Terceiro Mundo". Desde 1986, esse guia esteve suspenso, só neste ano voltou a sair de novo.
P. - Passaram-se 20 anos. Que diz hoje?
R. - Tenho 63 anos. Com esta idade, olho para isto hoje, e sinto que não há comparação entre o Portugal de 1974 e o de hoje: poucos países têm a liberdade que temos, podemos escolher quem queremos para nos governar, o país vai-se aproximando gradualmente dos outros, com modelos mais desenvolvidos. Acho que foi tudo extraordinário.
P. - Não lhe acontece ter saudades de rever o general Spínola?
R. - Tenho muitas saudades dele. Sobretudo, do amigo, era um amigo muito interessante. Aliás, numa cerimónia recente tive o prazer de o abraçar, o que, como já lhe referi, não acontecia há muitos anos.
P. - De todas as figuras que protagonizaram a revolução - civis e militares - qual apreciou mais?
R. - A que mais admiro, porque salvou o país de uma grande desgraça, é o marechal Costa Gomes.