Entrevista com Nuno Severiano Teixeira - Portugal,o marcelismo e a política externa

ERA UMA VEZ UM MILÉNIO

Entrevista com Nuno Severiano Teixeira e Fernando Rosas
“Em tempo de mudança, a História do Século XX”

Por João Monteverde, Maria dos Anjos Pinheiro e Esmeralda Serrano.
 
 
“Como é sabido no final da última guerra, o governo português, correspondendo a um pedido formulado pelo governo britânico ao abrigo dos tratados da aliança anglo-lusa, permitira a autorização pela aviação das nações coligadas contra o Eixo de uma base aérea nos Açores. Finda a guerra, a base continua a ser utilizada pela aviação americana nos termos de um tratado então celebrado entre Portugal e os Estados Unidos. Essa utilização foi sempre gratuita, isto é, não...”
(Discurso de Marcelo Caetano)
“Portugal, o marcelismo e a política externa” é tema de hoje. Como sempre contamos com a participação do professor Fernando Rosas e o convidado Nuno Severiano Teixeira.
Fernando Rosas – Muito boa tarde, muito boa tarde Severiano Teixeira. Vamos falar da política externa no marcelismo, mais em concreto e acho que a nossa conversa poderia começar pela pergunta. Há uma política externa do marcelismo relativamente à política externa do salazarismo?
Nuno Severiano Teixeira - Muito boa tarde antes do mais professor Fernando Rosas, muito boa tarde a todos. Se há uma política externa do marcelismo relativamente à política externa do salazarismo. Eu diria que não há, do meu ponto de vista, alterações de fundo, não há alterações estruturais. Quer dizer, não há uma mudança estratégica da orientação externa do Estado. O que há é alteração de políticas no sentido de alteração de pessoas e de estilos o que na política externa não é uma coisa despiciente.
Fernando Rosas - E a aproximação à Europa?
Nuno Severiano Teixeira - Para perceber a aproximação à Europa eu julgo que vale a pena perceber o contexto global da política externa do marcelismo. E o que eu penso é o seguinte. A política externa do marcelismo não difere do marcelismo na sua totalidade, ou seja das suas características ao nível da política interna e o que quero eu quer dizer com isto. Quero dizer que toda a política externa do marcelismo é atravessada por uma contradição que é a expectativa que se cria nos primeiros anos do marcelismo, de Maio de 68-69, até mesmo 70, início de 70, de uma renovação na continuidade. Com aquilo que vem de facto a acontecer em 72, 73, 74 que é a continuidade sem renovação. Quer dizer, a política externa não foge a esta característica geral do marcelismo. Qual é o problema central no caso da política externa? Quer da aproximação à Europa quer do reforço das relações dos Estados Unidos quer o que aparecia ou poderia aparecer como renovação relativamente aquilo que era a continuidade que era a presença forte e intransigente de Portugal em África. Quer dizer, se numa primeira fase pode parecer que de facto essa renovação veio alterar ou vem condicionar aquilo que era a estrutura fundamental, a linha de força fundamental que era a presença em África. No final do Regime o que vamos verificar o que é fundamental, o que continua a ser a base estruturante da política externa é a presença em África e as próprias relações com os Estados Unidos e a própria relação com a Europa acabam por ser condicionadas, eu ia dizer instrumentalizadas, mas se calhar é um bocado forte. Mas algumas situações há ideia da presença portuguesa em África.
Fernando Rosas - Há uma tentativa portanto de conciliar a presença portuguesa em África com uma política de aproximação à Europa. Pode-se falar disso?
Nuno Severiano Teixeira - Pode, pode-se falar disso. [Fernando Rosas - Há um acordo económico com a Europa. Há uma pressão dos meios económicos muito forte no sentido da Europa] Exacto, a questão é assim. Há uma diferença na postura, há uma diferença no estilo da política externa de Salazar em relação a Marcelo Caetano que se nota pela mudança também da personalidade de Franco Nogueira para Rui Patrício e esta questão e a mudança do estilo é a duma diplomacia digamos que durante o salazarismo e durante portanto o consulado do salazarismo e do Franco Nogueira é uma diplomacia fortemente ideológica, marcada, digamos, por uma ideologia intransigente. Isto é muito claro, por exemplo, na relação com os Estados Unidos. O período marcelista é marcado com o Rui Patrício, marcado por uma certa perda de ideologização da política externa que é atravessada por maior pragmatismo e portanto a aproximação à Europa, já agora, deixe-me só dizer, a aproximação à Europa do meu ponto de vista tem de ser encarada nesse pragmatismo. Portanto, não há alteração estrutural das linhas estratégicas da política externa, não há sequer adesão política ao projecto do modelo europeu, o que há, como dizes e bem, é interesses económicos, profundos alguns interesses económicos para a adesão, ou melhor para uma aproximação de Portugal à Europa.
Fernando Rosas - E no entanto é aparentemente a causa da defesa das colónias parece até beneficiar de alguma alteração no contexto internacional positivo, ou seja nós temos uma administração Nixon que aparentemente recomeça a interessar-se por África e tem uma postura razoavelmente benevolente em relação, nomeadamente, aos fornecimentos militares. Nós temos uma Alemanha e até uma França pós gaulista já com o Pompidou que também mantém uma certa atitude de benevolência. Como é que é. Quer dizer. Internacionalmente a vida fica mais fácil para o marcelismo no que toca à questão africana?
Nuno Severiano Teixeira - Era o que eu estava a dizer há bocadinho. Quer dizer dum ponto de vista português parecia que no início poderia ter parecido que a Europa e a relação com os Estados Unidos era uma alternativa à África o que se veio a verificar é que muito pelo contrário, quer dizer a África mantém-se como um eixo fundamental e as aproximações que se fazem quer à França quer à Alemanha quer aos Estados Unidos acabam por ser condicionadas e servir como base de apoio internacional quer, em certa medida, dar alguma legitimidade à política quer sobretudo de apoios militares, no caso da França e da Alemanha, e até mesmo do Nixon, mas portanto em que essa aproximação diplomática quer aos Estados Unidos quer a alguns países europeus é para continuar a manter a presença em África. Agora, é mais fácil ou não é mais fácil a vida do marcelismo nesse ponto de vista relativamente ao período anterior? É mais fácil e é mais fácil do meu ponto de vista porque tanto do ponto de vista português como do ponto de vista de outros países e os Estados Unidos, a esse nível eu acho que é um exemplo muito claro, a alteração de estilo da política externa veio favorecer isto. O que é que quero dizer? Já falei no caso de Portugal essa diplomacia menos ideológica e mais pragmática que facilita, digamos assim, relativamente à intransigência anterior o relacionamento com maiores facilidades, mais cedências. 
Fernando Rosas – Desculpe só interromper. Menos ideológica quer dizer, para vender África aos americanos e aos alemães. África era só um projecto ideológico, não era mais nada!
Nuno Severiano Teixeira - Sim, mas quer dizer, esta perspectiva mais pragmática leva a política externa do marcelismo a ter alguma transigência, coisa que durante o período de Franco Nogueira era absolutamente impossível. Um caso concreto é a questão dos Açores. Quando se renegoceia o problema dos Açores em 71 em relação aquilo que vinha de trás que era uma absoluta intransigência ideológica, o pedido de garantias formais aos Estados Unidos, digamos dum ponto de vista político, coisa que eles jamais poderiam dar quando se dá com o marcelismo isso desaparece. Desaparece esse tipo de intransigência na negociação, não se pedem garantias, ou seja, não se pede aquilo que os Estados Unidos não podem dar, negoceia-se na base do possível. Mais, não se pede apoio em termos militares que era aquilo que tinha sido a base desde 48 do acordo, do primeiro acordo das Lages em 48, conscientes de que Portugal está sob embargo, com a política externa do marcelismo não procura alterar o embargo, procura retirar algumas contrapartidas disto. É assim, não podemos ter contrapartidas ao nível militar, vamos pedi-las ao nível económico e financeiro. Ajudas ao desenvolvimento. É neste sentido que eu digo que é um pouco mais pragmático.
Fernando Rosas – E vamos dar facilidades militares nos Açores, a guerra do Yon Kipur e a maneira escandalosa do ponto de vista da dignidade nacional com que o Kissinger impõe a passagem dos aviões americanos nos Açores.
Nuno Severiano Teixeira - Mas aí, digamos, é, do meu ponto de vista, já um segundo passo. Passo em que se passa mesmo digamos, face a essa forma, digamos, a essa cedência. Enfim, se Portugal não tivesse cedido, como é conhecido [Fernando Rosas - Dispensava na mesma] Dispensava na mesma e a nota diplomática é muito clara a esse nível. Quer dizer, o pedido é feito, mas se não for aceite teremos que utilizar de alguns meios que não gostaríamos, uma coisa deste género e portanto aí é uma solução, é um salto porque aí, digamos aí e face a essa cedência que era estrategicamente absolutamente indispensável para a condução da guerra do Yon Kipur e para o reforço rápido da situação em Israel, essa ponte aérea que passa, isso melhora, de certa maneira, estamos a falar dum ponto de vista pragmático, da posição da política externa portuguesa, melhora as relações com Portugal e permite, inclusivamente, uma coisa que era, enfim, impensável poucos anos atrás. Era que alguns pedidos de armamento, nomeadamente, mísseis terra – ar. Isto tem a ver com a evolução do teatro de guerra na Guiné onde havia a possibilidade do emprego [Fernando Rosas - Mísseis guineenses] aos mísseis guineenses e inclusivamente a uma possibilidade que existia de poderem ser utilizados Migs russos pelo PAIGC e portanto esse armamento era indispensável para a condução da guerra na Guiné e mercê dessa situação houve uma forma, aliás o embaixador Altmir conta isso nas memórias dele. “In envious way”, uma forma, digamos, transviada de para que esses mísseis pudessem chegar a Portugal via Alemanha justamente, República Federal Alemã. Isto nunca chega a acontecer, de resto, por que se dá o 25 de Abril.
Fernando Rosas - Significa isso que os americanos, aparentemente, retomam alguma atenção por África a partir dessa altura. Há uma aposta americana. Acha que se pode falar de uma aposta americana mo regime marcelista para defender duma ameaça contrária aos desígnios estratégicos do Estados Unidos.
Nuno Severiano Teixeira – Há do ponto de vista da relação dos Estados Unidos com África e, em particular, digamos da Secretaria de Estado Norte-americana em relação a África fases relativamente diferentes o que tem reflexos naturalmente sobre Portugal porque, no final dos anos 50, há uma política claramente benevolente no tempo de Dean Asten para com as potências coloniais e, em particular, para com Portugal, depois há o período de Kennedy em que de facto há o grande intervencionismo norte-americano e a grande pressão norte-americana sobre Portugal no sentido de, enfim, fazer inflectir a política colonial portuguesa. A terceira fase. Depois há um período que é um período que eu diria que é de transição que não é muito [Fernando Rosas - Do Vietname] Exactamente. Período do Vietname, o do Johnston tem um relativo afastamento [Fernando Rosas - A África é secundária] A África é claramente secundária e com o Nixon há um retomar de algum interesse por África, matizado entre estas duas posições extremas de apoio digamos à política dos países coloniais, enfim, nomeadamente a Portugal de tempo digamos de Dean Asten e o período posterior de Kennedy e isso é materializado num célebre memorando 39 em que se davam, digamos, as grandes orientações relativas à posição dos Estados Unidos perante a questão africana e para sintetizar a ideia fundamental era que estávamos no contexto da guerra fria e portanto naturalmente a política dos Estados Unidos relativamente a África era a de procurar afastar tudo o que fosse a influência soviética e chinesa no continente africano, mas devagar. Quer dizer, colocando isso num grau de prioridade baixo e apoiando duma forma discreta, portanto nunca oficial, a posição oficial dos Estados Unidos nas Nações Unidas continua a ser sempre a da condenação do colonialismo e do favorecimento digamos da independência e autodeterminação dos países, mas duma forma discreta de apoio a regimes como o regime português e a partir de uma certa altura muito importante na África do Sul. É claro que isso tem também tradução ao nível, digamos, da relação de Portugal e da política externa portuguesa o que facilita as coisas.
Fernando Rosas - Agora repare. Portugal tem uma relação privilegiada com as potências brancas da África austral, Portugal beneficia dessa mudança americana de atenção relativamente a África. Portugal tem uma certa compreensão por parte da França e da Alemanha. É um mito o isolamento internacional do governo português nesta altura. Está de acordo?
Nuno Severiano Teixeira - Estou parcialmente de acordo ou seja do ponto de vista formal, do ponto de vista político internacional, a condenação do Regime é unânime e digamos o isolamento verifica-se. Agora o que há é obviamente e aí essa é a parte com a qual eu estou de acordo o que há é uma política, embora discreta, de alguns países europeus relativamente a Portugal em matéria colonial e, dentro desses países europeus, naturalmente, isto é uma grande mudança na política externa portuguesa do meu ponto de vista é que não é a Inglaterra, a velha e tradicional aliada que se separa, digamos, que marca as suas diferenças desde a questão da Índia e portanto Portugal vê-se obrigado a um golpe de cintura, passo a expressão, diplomático que é o de continuar a manter tal relação privilegiada com a Inglaterra, mas na realidade os pontos de apoio fundamentais são a França e a Alemanha, particularmente, a República Federal Alemã. Com a República Federal Alemã há, inclusivamente, acordos quer de natureza política, quer de natureza comercial, quer de natureza militar [Fernando Rosas - Com a França também, como sabe, a França do De Gaulle.] Exacto, mas com os alemães eu julgo que se vai ainda um bocadinho mais longe, é mais aberto, é mais aberto que vai ao ponto da cedência, digamos, duma base em Beja. Como aliás os franceses nos Açores, não é. 
Fernando Rosas – Exactamente. De qualquer forma acha que há alguma relação entre essa cumplicidade, chamemo-lhe assim, em torno da questão africana e do Regime de alguma maneira e a aparente desatenção ou a aparente surpresa com que as principais potências do ocidente assistem ao 25 de Abril.
Nuno Severiano Teixeira - Não sei se há, digamos, se há. Não havia e essa é um pouco a ideia.
Fernando Rosas – Nuno falo nisto pelo seguinte. Hoje conhecem-se os despachos da antena local da CIA e eles estão a milhas do 25 de Abril. Os serviços secretos franceses tinham uma influência enorme junto da nossa polícia política. Como sabes, os principais dirigentes da polícia conseguem fugir serão muitos anos albergados e pagos pelos serviços secretos franceses. Já não falo dos alemães. O que é que se passa. Quer dizer, será que essa benevolência, essa crença de que o Regime vai durar muito mais tempo os desarma do ponto de vista dos serviços de informações acerca da realidade portuguesa?
Nuno Severiano Teixeira - Eu acho que há duas coisas. Esse elemento é verdade. Quer dizer há essa crença na longevidade do Regime e portanto isso é um factor importante, mas também há outro factor importante. É que apesar de tudo, quer dizer, os anos 70 são anos com alguns acontecimentos políticos internacionais de grande peso e isso desvia em grande medida o interesse das grandes potências e em particular dos Estados Unidos, e em particular dos Estados Unidos da realidade portuguesa completamente secundária. [Fernando Rosas - Claro, claro] Completamente secundária e isso é tanto mais verdade quanto nem é o problema da surpresa das opiniões públicas ou dos dirigentes políticos é que, por exemplo, a própria administração norte-americana, como hoje é conhecido, sobretudo a partir da publicação daqueles documentos que o José Freire Antunes fez e das memórias do embaixador Altmir mostram é como, de facto, a administração norte-americana no 25 de Abril não tinha contactos ou tinha contactos reduzidíssimos com os vários meios da oposição em Portugal e portanto não sabe qual é o interlocutor com quem tem de falar a seguir ao 25 de Abril. Isso é que para mim espantoso.
Locutora - Em 1970 o Ministro dos Negócios Estrangeiros Rui Patrício falava assim sobre a invasão da Guiné-Conacri por tropas portuguesas.
“Em 22 de Novembro findo, o governo português tomou conhecimento, com a maior surpresa, de que o governo da República da Guiné lhe atribui a autoria de uma grave alteração da ordem pública que acabava de se registar naquele país. Queixava-se o governo de Conacri de que o seu território havia sido invadido pelas forças portuguesas provenientes da nossa província da Guiné e não tardava aquele governo em pedir uma reunião urgente do Conselho de Segurança, solicitando o envio imediato de tropas aero-transportadas das Nações Unidas. Efectivamente, o Conselho de Segurança reuniu-se na mesma noite...”
Fernando Rosas - Há uma outra dimensão deste problema que eu gostava de lhe dizer. O marcelismo aparece com uma intenção de aproximação económico-finaceira à Europa. Temos que admitir que nalgum momento a ideia de uma África federalizada através dos projectos marcelistas ocorreu? O Ministério dos Negócios Estrangeiros, e o Rui Patrício era um homem do Ministério, era um corpo capaz de interpretar uma nova política para África?
Nuno Severiano Teixeira - Eu julgo que há. Quer dizer a aproximação à Europa, no meu ponto de vista, não é inicialmente, dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros, alguma coisa que tivesse na cultura diplomática do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Salvo raras e honrosas excepções que eu vou já dizer. Quer dizer, a cultura dominante, a cultura diplomática dominante ainda é a herança do embaixador Teixeira de Sampaio que o embaixador Franco Nogueira prolonga até tarde. [Fernando Rosas - E o Rui Patrício?] E em certa medida o Rui Patrício. Agora o que há é dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros alguns homens, uns menos jovens, outros jovens diplomatas que, pela sua passagem em algumas organizações internacionais, nomeadamente, na EFTA ganham alguma sensibilidade à questão europeia, por um lado, e ganham alguma sensibilidade à importância das questões económicas na diplomacia. É o caso do embaixador Teixeira Guerra, como sabes. É o caso do embaixador Calvet de Magalhães que se rodeiam duma plêiade de técnicos entre os quais hoje nós conhecemos muitos, o engenheiro João Cravinho e o doutor Silva Lopes, enfim estou-me agora a lembrar de cabeça. Outros importantes digamos técnicos na altura e que são quem vai ser no fundo o mecanismo dinamizador da aproximação à integração europeia, mas para além, digamos, desse elemento dinamizador no interior do Ministério e desse grupo de técnicos, eu julgo que as condições internacionais favoreceram essa aproximação à Comunidade Europeia. Favorecem no seguinte. Eu julgo que a falência de dois projectos de natureza económica que vinham dos anos cinquenta, anos sessenta favorecem a aproximação de Portugal à Comunidade Europeia, ou seja, a falência ou a ineficácia do chamado espaço económico português que eu julgo que era isso que estava a referir e, por outro lado, a própria falência da EFTA. No que diz respeito ao espaço económico português, alguns estudos que melhor do que eu conheces demonstram que entre 61 e 74 essa tentativa de criar um mercado único europeu não só não tinha funcionado como pelo contrário, quer dizer, a densidade das relações económicas era menor em 74 do que em 61, entre a Metróple e as colónias.
Fernando Rosas - E a dívida e as transferências cada vez maiores.
Nuno Severiano Teixeira - A dívida e as transferências. Politicamente era um fracasso enorme e portanto há esta conjuntura de fracasso do espaço económico português, mas por outro lado, há também a consciência e a partir claramente de 69 com o pedido de adesão da Inglaterra à Comunidade Europeia. A consciência clara de que a EFTA também é um projecto acabado. Acabado porque, em primeiro lugar, não tinha nada a ver com aquilo que era o Mercado Comum, eram países geograficamente descontínuos, eram países assimétricos no seu desenvolvimento económico e portanto EFTA que no início a Grã Bretanha pensava que podia ser uma alternativa económica ao Mercado Comum revelou-se completamente ineficaz. Portanto, eu julgo que o fracasso destes dois projectos económicos favorece justamente essa hipótese política que é a aproximação à Comunidade Económica Europeia.
Fernando Rosas – Achas que se pode dizer, e esta é a última questão que te queria colocar, há aqui um factor de bloqueio que parece ser o mesmo do ponto interno e externo, ou seja, ou o Regime resolve a guerra e se liberaliza ou não resolve a guerra, não se liberaliza e cai num impasse. Ou o Regime resolve a guerra e se integra internacionalmente ou não o faz e mantém-se isolado ou pelo menos mantém-se relativamente marginalizado. É verdade esta... Concordas com este ponto de vista?
Nuno Severiano Teixeira - Concordo perfeitamente. Quer dizer, a questão africana era o eixo central quer da resolução dos problemas internos, portanto da liberalização política do Regime, quer a sua integração na, digamos, na comunidade internacional. Portanto, isso eu estou completamente de acordo.
Fernando Rosas - Muito bem. Parece que ficou no ar uma questão que devemos desenvolver, mais lá para diante, que é esta. É que, como é que este corpo diplomático herdado de Teixeira Sampaio vai viver a revolução e fazê-la do ponto de vista da mudança da política externa. Acho que isso é muito interessante, um tema interessante até porque não houve tantas mudanças diplomáticas assim do ponto de vista do corpo diplomático e esse é um assunto que parece que penso que mereceria atenção vermos a política externa por intermédio dos seus agentes. Ficas já convidado para esse programa.
Nuno Severiano Teixeira - Muito obrigado.
“Não são vulgares cerimónias públicas semelhantes nesta Secretaria de Estado, mas o acto de posse do nosso Secretário Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros é um acontecimento que merece, certamente, ser assinalado. Trata-se de lugar cimeiro na carreira diplomática portuguesa e não só meramente representativas as funções que lhe correspondem, mas antes vastas, importantes e concretas nos termos da lei e segundo a tradição exigências do serviço actual. Recordarei, em primeiro lugar, que foi este cargo exercido nos últimos anos pelo senhor embaixador José Luís Archer, figura distinta de diplomata, agora atingido pelo limite de idade e cujos serviços prestados ao Estado...”
(Palavras de Rui Patrício)
Locutora - “Portugal, o marcelismo e a política externa” contou com as colaborações dos professores Fernando Rosas e Nuno Severiano Teixeira. Na próxima semana o tema vai ser “O marcelismo e a questão colonial”. O convidado o marechal Costa Gomes.
Fizeram este programa João Monteverde, Maria dos Anjos Pinheiro e Esmeralda Serrano.

(Programa gravado da Antena 2 no dia 20 de Março de 1998)
Transcrição: Ireneu Batista