Entrevista com Manuel Lopes e José Soeiro - Sindicalismo pós 25 de Abril e Reforma Agrária

ERA UMA VEZ UM MILÉNIO

Entrevista com Manuel Lopes, José Soeiro e Fernando Rosas
“Em tempo de mudança, a História do Século XX”

Por Adelaide Marques, Henrique Soares, João Monteverde, Mário Pereira, Maria dos Anjos Pinheiro e Esmeralda Serrano.
 
 
[...]
O PREC social, os sindicatos, vai ser o tema de hoje. Como sempre contamos com a colaboração do professor Fernando Rosas.
Manuel Correia Lopes, profissional da indústria dos lanifícios, fundador da Intersindical em 1970. Actualmente, membro da Assembleia Geral dos Trabalhadores têxteis e membro da Comissão Executiva do Conselho Nacional da CGTP-IN.
Fernando Rosas - Manuel Lopes, dirigente sindical dos têxteis, desde antes do 25 de Abril, participou na fundação da Intersindical. Manuel o que eram os sindicatos quando se fundou a Intersindical em 1970. Quer dizer, o que é que era fazer trabalho sindical nas condições do regime marcelista?
Manuel Lopes - Olha, quando se fundaram os sindicatos, os sindicatos estavam todos eles nas mãos do poder, que controlava, que condicionava, que tinha que ver as listas. Só deixava entrar quem pôde. Mesmo o sindicato dos Bancários do Sul foi um daqueles que conseguiu um pouco furar o sistema, os tipos, por exemplo, não deixaram que o Ferreira Guedes entrasse para a direcção. Depois foi o Cabrita que agarrou naquilo e que andou.
Fernando Rosas - Mas no marcelismo houve um período em que eles começaram por abrir.
Manuel Lopes - É mais ou menos nessa altura e foi essa pequena abertura, onde eles aceitavam não fazer controlo às listas que permitiu, do ponto de vista legal, a entrada também no aparelho dos sindicatos corporativos e permitiu isso também porquê? Repare no caso, por exemplo, dos lanifícios sul, nós já vínhamos com o movimento, eu lembro-me que teria 17 ou 18 anos ou até menos quando me comecei a movimentar. Apanhando as falhas todas do regime na altura era proibido. Lembro-me que a primeira vez que chegámos, fui a uma assembleia geral, nem havia cadeiras na sala porque eles nunca tinham feito uma assembleia geral. É verdade, fui eu e mais sete pessoas lá da fábrica e eles tiveram que montar uma...
Fernando Rosas - Onde é que era a fábrica?
Manuel Lopes - Era em Cabo Ruivo.
Fernando Rosas - Cabo Ruivo. Era aqui em Lisboa?
Manuel Lopes - Aqui em Lisboa e o sindicato era aqui na Avenida da Liberdade, nº 73. Ficaram muito aflitos e tal. Só arranjaram cadeiras para nós nos sentarmos. Foi um caso, mas o caso fundamental foi mexer as pessoas. Eu acho que e penso. Isto é verdade que a CDE, por exemplo, teve um factor positivo, aquele movimento de sócio-profissionais, juntou muita gene que não se conhecia. Não terá tido tanta influência no meu sector porque o meu sector é um sector de gente pouco politizada ou nada politizada, gente que tinha vindo de zonas rurais.
Fernando Rosas - Um grande peso de mulheres também.
Manuel Lopes - Com um grande peso de mulheres, mas a propósito das mulheres eu tenho uma opinião um bocado diferente, acho que elas, no nosso caso concreto, foram determinantes.
Fernando Rosas - Tiveram um papel muito importante.
Manuel Lopes - Um papel muito importante, mas a cultura ia a este ponto. As dificuldades económicas eram tão grandes que havia gente que morava em Moscavide e nunca tinha ido ver o mar. Estavam cá há vinte anos em Lisboa. Isto dá uma ideia de qual era a situação. As pessoas viviam normalmente em quartos, em situação urbana. Nos restantes sectores isso permitiu um encontro de quem? De gente que vinha da Acção Católica Operária, de gente que vinha do PCP, do PS e doutros independentes e permitiu também a junção de uma coisa, um fenómeno e é por isso que vamos encontrar muitos [...] em serviços que eram as pessoas que estiveram ligadas ao movimento estudantil, nomeadamente, em 72 e depois em 79 que, pronto, por motivos quaisquer, não continuaram a prosseguir os estudos ou não os deixaram prosseguir.
Fernando Rosas - Aliás, desculpa, 62 e 69.
Manuel Lopes - 62 e 69, assim é que é. E que entravam para o trabalho. Para a banca, para a propaganda médica, para os seguros, mesmo para o comércio.
Fernando Rosas - E que vieram animar esse sector terciário
Manuel Lopes – E que ajudaram também a animar aquele sector terciário que tinham alguma experiência organizativa que não era vulgar efectivamente com os outros. Este conjunto de factores com a primavera marcelista, com aquela pequena abertura que durou um tempo, muito pouco tempo, permitiu e que os movimentos... É bom notar que nenhuma das direcções ganhou espaço, mesmo nestas condições, sem ter por trás um grande apoio já dos trabalhadores. Isto era verificado, foi o que durou mais tempo e pronto e depois a questão punha-se quando chegámos a 70, nós fomos os primeiros sindicatos a conseguir votar e ganhar à direcção corporativa que concorreu.
Fernando Rosas – Portanto, vocês ganharam contra uma direcção do regime...
Manuel Lopes - Contra uma direcção do regime. E isso fizemos imediatamente um conjunto de coisas que nós achávamos que deviam ser feitas que era levar o sindicato para o meio das pessoas onde trabalhavam. Tinha sido um dos nossos compromissos e era assim que pudéssemos iniciar uma negociação colectiva. Eu recordo-me, já agora a propósito, que desde 1959 que não se negociava nada, que os salários eram os mesmos e que eles pagavam à tabela. Dentro do sector, pagavam salários da ordem dos 29$00 o que era... Mas era isto.
Fernando Rosas – Ao terminar os anos 60, quer dizer...
Manuel Lopes - Já estávamos no início dos anos 70 quando isto aconteceu. Eu há bocado dizia que o papel das mulheres foi determinante porque dois meses ou três depois. Nós tomámos posse, só um apontamento, no 25 de Abril de 1970. Casualidade. [Fernando Rosas – Claro.] Mas, tomámos posse e dois ou três meses depois, aquilo tinha secções, secções femininas, realizámos eleições para a secção feminina. Estatutariamente, os estatutos mandavam, também com o compromisso de quando a secção feminina tivesse instituída, se nós ganhássemos as eleições, e pensámos que íamos ganhar, de acabar com ela e integrar mais mulheres a nível de corpo directivo. È interessante que nessas eleições aconteceu um facto como este. Há uma vitória retumbante da nossa lista. Ela foi tão escandalosa quanto isso. As listas tinham dez pessoas e embora todas as pessoas tivessem votado, mesmo os da outra lista, só sete pessoas das dez é que votaram na lista deles.
Fernando Rosas – Nem todos os deles votaram na lista deles.
Manuel Lopes - Não, não, não. Foi uma vitória retumbante, esmagadora. A partir daí calaram-se. Depois foi a continuidade do trabalho de massas reivindicativo, por um lado, e ao mesmo tempo com muita preocupação sem fazer, sem entrar em questões políticas mas em questões sociais de desenvolver um pouco, até culturalmente, as pessoas. Começámos a organizar uns passeios aos trabalhadores ao Domingo porque nós só tínhamos na alutra... Não havia... ao Sábado trabalhava-se e ao Domingo é que havia alguma disponibilidade.
Fernando Rosas – Sábado trabalhava-se o dia todo?
Manuel Lopes - Sim, sim, sim. No nosso caso era e levar as pessoas à praia, a zonas em que se pudesse conviver e abrimos às famílias para facilitar... e isso teve um grande efeito, as pessoas habituaram-se a cantar, a protestar. O Zeca, o Jorge Letria, o Macedo passaram por lá. Sempre quando eles apareciam e antes de aparecerem, quer dizer, nós sabíamos que a PIDE estava lá e sabíamos que a GNR que nos fazia um cerco. Era assim que as histórias se passaram. Nos outros sindicatos o processo... depois isto foi engrossando em termos de movimento que nós tínhamos grandes preocupações em engrossar dentro das empresas. Quando é que o Governo tentou travar este andamento? Nós tínhamos consciência que tínhamos que romper com o isolamento. Era proibido que os sindicatos mesmo aqui em Portugal se federassem uns com os outros mesmo do mesmo sector. Aqueles que estavam, estavam, eles não tiveram na altura... não conseguiram mexer, foi também o nosso caso en que eu era associado que era já um sindicato de características verticais e havia depois duas ou três federações que ainda federavam alguns sindicatos a nível ou regional ou nacional, mas a maioria deles não. Nós tínhamos consciência que era preciso romper com isso. Isto ia rompendo internamente, mas ao mesmo tempo pela formação que eu próprio fui adquirindo durante estes anos todos, e por outras situações, punha-se a questão, romper também internacionalmente. Na altura...
Fernando Rosas – Fazer contactos internacionais.
Manuel Lopes - Porque é que havia de ser proibida a federação internacional? Isto deve-se dar volta e a consciência de uma coisa que ou nós forçávamos a nota e nos organizávamos cá dentro, foi por isso que fomos logo... Repara, havia cinco ou seis direcções naquela altura, com garantias de democraticidade e com garantias de que não haveria grandes riscos de atingir, depois aquilo alargou...
Fernando Rosas – Só cinco ou seis?
Manuel Lopes - Não eram muito mais.
Fernando Rosas – Não eram muito mais.
Manuel Lopes - Aquilo começou [Fernando Rosas - Os Metalúrgicos de Lisboa, os Bancários do Sul...] Os Caixeiros [Fernando Rosas – Os Caixeiros, os Seguros.] Nós.
Manuel Lopes – Os Seguros... [Fernando Rosas – Ainda não?] Foi na segunda reunião. Não eles foram convidados para a primeira, já estiveram. O Comércio.
Fernando Rosas – Um grande peso dos serviços, realmente.
Manuel Lopes – Havia um peso muito grande e os Químicos também na altura [Fernando Rosas – Os Químicos do sul, exactamente.] entrando efectivamente naquilo e aquilo com uma reunião prévia, digamos assim, que meteu inclusivamente os jornalistas que na altura eram presididos por Silva Lopes e ele aceita ir a uma reunião.
Fernando Rosas - Como dirigente sindical também?
Manuel Lopes - Também presidente do sindicato dos jornalistas e da Propaganda, da Propaganda Médica [Fernando Rosas - Médica, exactamente] que era presidido por um indivíduo que se chamava Teodoro dos Santos que também foi a essa reunião, mas eles encolheram-se um bocadinho. Não quer dizer que não fosse gente, eles tinham muita gente no seio deles que inclusivamente pronta a alinhar. Veio a acontecer um bocado mais tarde logo desde o princípio, mas que houve ali uma série de hesitações. Nós perante o impasse decidimos então, juntámos aí uns quatro sindicatos, decidimos fazer convocatória, enviar a estes sindicatos todos, esteve quem esteve, e a mais alguns que tinham, gente daqui, gente de acolá e além. Aquilo foi alargando.
Fernando Rosas - Portanto, digamos, isso passa-se em Setembro de 1970, não é?
Manuel Lopes - Sim, sim, sim. [Fernando Rosas - As primeiras...] Que dá origem à reunião de 1 de Outubro. [Fernando Rosas - De Outubro, exactamente.] Não, a convocatória é que é datada de 1 de Outubro e a reunião é dia 11 e logo nessa altura, já estava o regime a apertar. [Fernando Rosas - Aí já estava, exactamente.] E a apertar com coisas que nós estávamos a fazer, com a censura às publicações sindicais e a apertar com as questões também do horário de trabalho.
Fernando Rosas - O que é que tu descreverias como o caderno reivindicativo desse embrião de Intersindical, quais eram as questões que estavam em cima da mesa do ponto de vista do movimento sindical.
Manuel Lopes - Era a liberdade sindical e a liberdade de negociação. Eram as duas grandes coisas, [Fernando Rosas - As grandes questões.] depois juntou-se uma terceira em determinado momento, mas isso lá mais para a frente que foi a questão da previdência porque eles queriam introduzir alterações que montaram para aí uma pseudo-reunião, convidaram sindicatos nossos para irem a essa reunião, mas não aceitaram um documento até, não aceitaram alterações, mas as questões que eles neste momento, eles começaram a apertar a seguir à primeira convocatória é interessante porque se formos ver hoje em dia são matérias que já aliviaram e voltaram novamente a estar em cima da mesa. Claro que havia uma discussão também grande na sociedade portuguesa. Havia gente a dizer que nós tínhamos entrado para corporativismo. Em determinado momento juntou-se, efectivamente, o que é que era, era aqueles que ficaram favoráveis a manter uma clandestinidade absoluta e outros a entrar e o problema que se punha é assim. Se nós fossemos para a clandestinidade seríamos sempre uma organização reduzida e o que era fundamental nesta terra era não reduzir as organizações para ganhar as pessoas. O trabalho realizado houve no meio disto tudo depois sindicatos onde as direcções foram suspensas, dirigentes presos. Caso dos Bancários, mais tarde, uns dias mais tarde, os Metalúrgicos, foram impedidos de fazer aquela grande reunião... [Fernando Rosas - Aquela célebre assembleia geral] Aquela célebre assembleia geral na Luz e substituídos pelos curadores que apareceram naquela altura ou por um indivíduo que geria o sindicato até serem feitas as novas eleições.
Fernando Rosas - O vosso sindicato não foi alvo de medidas administrativas?
Manuel Lopes - Não foi. Eu penso que isso tem a ver com movimentações. Nós tínhamos feito uma grande movimentação em 71 que teve uns dias largos de greve na fábrica Barros por aumentos salariais. Aquilo foi muito duro. Então eles patrulhavam a avenida desde... Traziam as pessoas quase desde casa até às fábricas que existiam naquele sítio, sempre atentos. O Cabo Ruivo passou a chamar-se o cabo Ruiz que eram polícias de quase vinte em vinte metros. Aqueles que eram visíveis porque depois havia os pides no meio daquilo e aquilo ainda durou, uns quinze dias ou mais naquele momento o que vem engrossar também as greves que vinham anteriormente, a greve da Mala, a greve de muitas empresas industriais importantes que iam sendo feitas. Mais tarde os Caixeiros ali, na altura na Assembleia Nacional, que foram corridos a cão e as pessoas também foram corridas e levaram pancada da... [Fernando Rosas – Da polícia de choque.] da polícia de choque e tudo isso e aquela greve foi um bocado determinante, por exemplo, para nós porque criou-se um movimento de solidariedade dum lado e doutro. Houve só 50 pessoas em 600 pessoas que furaram a greve.
Fernando Rosas – De facto um... e vocês podiam constituir piquetes e isso.
Manuel Lopes - Não, não, não. [Fernando Rosas - Nada disso, claro.] Tudo era feito como se o sindicato lá não estivesse. O sindicato aparecia de fora quase a apoiar [Fernando Rosas - Exactamente.] Pronto, mas não...
Fernando Rosas - Qualquer envolvimento do sindicato na greve era uma coisa suicidária, claro. Isso significa que chegamos ao fim...
Manuel Lopes - Depois aquilo chegou a um acordo, embora menos do que pedido, chegou a um acordo e portanto na altura que eram aumentos de 5$00 por dia algumas pessoas que é insignificante. Estávamos ainda então a negociar o primeiro contrato. Isto é 61 que nós tínhamos elaborado e aí houve alterações substanciais. O que é que aconteceu ali. Eles despediram 50 dos grevistas que consideraram os activistas e mantiveram... [Fernando Rosas - Despediram?] Despediram-nos, pura e simplesmente. [Fernando Rosas - Pura e simplesmente.] Pura e simplesmente, aquilo não havia processos disciplinares, mesmo que nós protestássemos e tal. E aquela solidariedade toda também lhes trazia problemas.
Fernando Rosas - E esses 50 despedidos não prejudicaram a continuação do sindicato e da luta...
Manuel Lopes - Sim, sim, sim. Sim, porque nestas coisas quando se perde e quando vem gente para a rua [Fernando Rosas – Claro, recua-se.] É.
Fernando Rosas - Tu foste despedido Manel, nessa altura?
Manuel Lopes – Não porque eu trabalhava noutro lado, eu trabalhava na fábrica de cimento. Na fábrica sim. Mas acompanhei aquilo desde, digamos, o princípio. Foi uma luta interessante, depois eram as movimentações todas que os sindicatos faziam. O que é que eles fizeram em determinado momento por causa do movimento interno? Proibiram nas assembleias gerais dos sindicatos tivessem pessoas doutros sindicatos. [Fernando Rosas – Claro.] Esta foi uma das proibições que eles fizeram. [Fernando Rosas – Eu lembro-me disso.]
Fernando Rosas - E começaram a homologar outra vez as direcções, voltou-se ao sistema antigo.
Manuel Lopes - Mas em qualquer dos casos eles nunca conseguiram controlar tudo.
Fernando Rosas - Claro. E às greves, havia na prática, a greve era proibida, mas dá-me a ideia que se começa a instalar assim uma espécie de, na prática havia um direito de greve em parte que eles acabavam por consentir, quer dizer, de alguma maneira. A greve, em parte, foi imposta, não?
Manuel Lopes - A greve foi imposta. Vamos ser claros com isso. Não encontro nunca legalidade para ela. Dependia muito dos trabalhadores ou não e dos movimentos que se organizavam. Já agora deixa-me contar aqui uma outra coisa que é interessante. Em determinado momento do processo, logo de início, nós pedimos uma entrevista ao Ministro das Corporações que era o Baltazar Rebelo de Sousa para falarmos da situação, ainda não havia aquela proibição que mais tarde veio a suceder sobre a Inter, ainda não tinham sido presos dirigentes e nós fomos lá para falar da legislação que eles queriam implementar no horário, na censura e em outros lados. Ele quase não nos deixa falar. Falou durante duas horas a dizer que sim senhora mais reivindicativos, mas dentro do sistema e de resto não conseguimos propriamente explanar, deixámos lá um documento e iam bastantes dirigentes sindicais. Como ele verificou que de facto... [Fernando Rosas - De vários sindicatos?] De vários sindicatos. Como ele verificou que aquilo não resolvia o problema começou então onde pôde a tocar-lhes. Caso dos Metalúrgicos, caso dos Bancários, mais tarde, inclusivamente, chegou a um sindicato que foi sempre um sindicato do regime, era o Sindicato dos Escritórios, onde eles chegaram a pôr um curador. Foi com estas evoluções todas que nós chegámos e que nos livrámos, mas sempre com movimentos. O último grande movimento e aqui mais uma vez destaco o papel das mulheres. Dentro daqueles passeios que nós fizemos, nós tínhamos pessoas em Arraiolos que eram as tapeteiras a quem tínhamos lançado um contrato colectivo. Sabe quanto é que elas ganhavam? Elas ganhavam, chegavam, o ordenado médio devia estar entre 7 e 8 escudos por dia e trabalhavam disparatadamente. Eles devem ter intimidado, intimidaram a vila toda de Arraiolos. Havia nomeadamente os oito autocarros que nós levávamos de solidariedade para apoiar os trabalhadores ali e tínhamos feito contactos, tudo isso de entrar na vila de Arraiolos. Bem, para entrar nós entrámos, fomos até ao castelo, estava cheio de GNR, pide, uma série de coisas e fizemos ali, digamos, não podíamos falar, mas pudemos cantar e tudo o que sabíamos do Zeca, do Adriano, a coisa ia saindo e ao mesmo tempo íamos alargando a roda e empurrando os tipos para trás. Os indivíduos deviam estar absolutamente desorientados e para baixo, diziam-me assim e para baixo, agora como é que vamos? Do mesmo modo que viemos para cima e quando viemos para baixo distribuímos uns panfletos que estavam assinados pelo sindicato, pela direcção do sindicato, por isso não havia nada que impedisse que fizéssemos. Pronto, ao mesmo tempo tentando que os trabalhadores ali de Arraiolos se movimentassem, solidários com eles e tal. Quando cá chegámos abaixo... Eu tinha perdido nessa tarde na ida para lá, tinha ido de carro, tinha perdido os meus documentos todos e disse assim, olha, agora para não haver problemas à saída, os tipos ainda me vão identificar o carro, eu vou com o miúdo, uma mulher e com a Julieta que tem carta ali esperar-vos na outra entrada que há do outro lado e vocês apanham as camionetes e eu apanho-vos ali, meto-me no meio das camionetes. Ficou combinado só que eu esperei, esperei, esperei e nada de camionetes. Digo eu assim, bem, vamos lá ver o que é que se passa. Então eles tinham detido sete pessoas, ou pagavam uma multa porque este era um sistema ou não saíam dali.
Fernando Rosas - Uma multa porquê?
Manuel Lopes - Por terem distribuído papéis porque aquilo fazia parte das sanções, sancionamento para quem distribuísse propaganda que eles consideravam Estava a polícia, estava a GNR e no fim estava a pide. Eu comecei pela polícia a perguntar quem era e tal. Eles iam pedindo a identificação e eu dizia, eu sou presidente do sindicato, sou responsável por isto tudo, então o melhor é ir falar com aqueles e fui empurrado até chegar à pide. Eles fizeram-me as mesmas perguntas e eu perguntei porque é que eles estavam e eles dizem-me assim: Então venha ali ao outro lado da rua. Não, não, não vou nada, o que você me quer dizer, fala aqui à frente das pessoas e quando eu digo isto. Ah você não quer ir? Então venha já para o carro e agarraram-me nos braços para me meter dentro de um Volkswagen, o que era tradicional deles, para me levar. Eu não cheguei a entrar no carro porque a movimentação só de mulheres foi tão importante quanto isso. Começaram aos murros ao carro e aos indivíduos que eles tiveram que me largar, eu não sei como é que cheguei ao autocarro, mas passado um bocado estava no autocarro e depois passado vinte minutos os tipos receberam uma ordem para nos deixar sair e que não havia multas. Saímos dali todos a cantar ‘Canta, canta amigo canta’ que era o que as pessoas sabiam todas do António Macedo e viemos por ali fora. No dia seguinte, as fábricas estavam em polvorosa, não é. Nós marcámos uma assembleia para o fim do trabalho e lembro-me quando estava a casa cheia, uma das grandes fábricas ali do sítio que havia lá quatro fábricas só em Lisboa e aquilo tinha sido um dia de grande tensão porque a pide instalou-se noutras fábricas, não impediu o trabalho, mas sentia aquela tensão. Estava assim para começar, chamaram-me ao telefone. Senhor Manuel Lopes, veja lá, se houver problemas nós fazemos e acontecemos. Isso depende de vocês.
Fernando Rosas - Quem é que era o interlocutor?
Manuel Lopes - Era o assistente corporativo.
Fernando Rosas - O assistente corporativo, exactamente, do INTP.
Manuel Lopes - Mais tarde soube que ele estava no gabinete do Secretário de Estado e que estava ali a cumprir directamente a ordem. Não foi tanto da iniciativa dele. Mas eu disse foi o seguinte: Vocês, se vocês prenderem um único dirigente sindical ou um trabalhador, já sabem o que é que acontece. As pessoas, eu não as seguro. Se vocês tiverem juizinho e não mexerem em ninguém possivelmente isto vai-se manter calmo, melhor do que nos outros dias até vocês terem juízo. E pronto, isto já foi muito perto porque creio que foi no dia 1 ou 2 de Abril que isto aconteceu. Pronto e chegámos ao 25 de Abril.
Nesta sua primeira participação, Manuel Lopes fez um pouco da história do sindicalismo em Portugal antes do 25 de Abril. Na próxima semana vamos ficar com o sindicalismo depois do 25 de Abril de 1974. A conversa vai ser conduzida, como habitualmente, por Fernando Rosas.
Fizeram este programa Esmeralda Serrano, Maria dos Anjos Pinheiro e Adelaide Marques.

(Programa gravado da Antena 2 no dia 7 de Maio de 1999)
 

2ª Parte
Manuel Lopes - [...] acho que se eles não tivessem feito o alvo que fizeram, tinha isto mudado mais uns tempos nas mãos do presidente. Não tenho dúvidas nenhumas, mesmo programa. Agora quem dá a vida ao programa é de facto, um bocado, logo as movimentações populares que há desde o próprio dia 25 e acho que é determinante aquele 1º de Maio. Foi uma aposta um pouco cega, mesmo junto àquele grupo mais a parte spinolista assustou-se e tanto que se assustou que nos convidou para o sítio onde é hoje os Altos Estudos, ali na Cova da Moura, Militares onde fez uma reunião com os dirigentes [Fernando Rosas – Sindicais] ameaçou-nos de que...
Fernando Rosas - Quem é que apareceu pelo lado da Junta?
Manuel Lopes - Foi o Spínola mesmo.
Fernando Rosas - O próprio Spínola.
Manuel Lopes - Falou, falou, falou a tentar-nos convencer que não era o melhor processo e tal. A verdade é que eles tiveram que decretar, viram as movimentações a 28, o 1º de Maio como forma de descomprimir e a verdade é que o 1º de Maio, não vale a pena falar disso, é a explosão que é nessa altura.
Fernando Rosas - Como é que tu explicas a imensa explosão popular e social que em todos os sectores arranca logo a seguir. Quer dizer, há o trabalho acumulado anterior, há a última fase do marcelismo é já marcada por um crescendo da agitação social, mas dá-se um grande salto, há uma grande explosão. Como é que tu viveste como sindicalista, como trabalhador, como é que tu podes transmitir o espírito desse tempo.
Manuel Lopes - Eu acho que aquilo foi possível porque a ânsia de libertação das pessoas, as pessoas sentiram que tinham ali uma possibilidade de movimento e acho que aquilo foi possível porque de facto a Intersindical saía da clandestinidade altamente prestigiada, altamente prestigiada. É talvez esse factor que depois leva a haver as movimentações que houve, mas a maioria delas foram espontâneas, outras mais organizadas, mas a maioria delas foram espontâneas mesmo quando os trabalhadores entraram nos sindicatos mantiveram força e mantiveram movimento, substituíram as direcções anteriores e entraram. Era de facto uma vontade muito grande. Este conduziu a muita coisa. Liberdade sindical, o direito de greve.
Fernando Rosas - A maioria desses direitos, liberdade sindical, direito de greve e mesmo de reivindicações são conquistadas no movimento sindical muito antes de serem legisladas 
Manuel Lopes - Na prática, na prática. Isso levou a ter que legislar. Eu penso que havia mais coisas que se podiam ter legislado naquele período, mas aquilo estava tudo em evolução.
Fernando Rosas - Naqueles meses que vão de Maio, Junho, aquele verão, primavera/verão de 74 se tu quisesses sintetizar quais são aquilo que foram as conquistas realmente históricas do movimento sindical nesses meses.
Manuel Lopes - Liberdade e democracia. Há uma importância muito grande, a descolonização a que só Timor ficou pendurado, o resto conseguiu de facto descolonizar-se. mal ou bem, mas sabem que num período destes, depois já de doze anos de guerra era muito difícil, não havia ninguém que pusesse a mão naquilo. Por um lado, os próprios naturais, por outro lado, as próprias forças armadas que estavam a ver onde havia muitos milicianos a viver aquele espírito do 25 de Abril. Para eles era importante de facto encontrar uma solução e isso 
Fernando Rosas - E do ponto de vista especificamente sindical.
Manuel Lopes - Do ponto de vista especificamente sindical, a liberdade sindical.
Fernando Rosas - A liberdade sindical vem à luz do dia praticamente a seguir ao 25 de Abril.
Manuel Lopes - Sim, logo a seguir ao 25 de Abril.
Fernando Rosas - Nessa reunião com o Spínola é já uma reunião com a Intersindical.
Manuel Lopes - É, é. Como toda a gente, ficamos a aderir, a envolver-se. Havia os plenários, tudo isso, nós discutíamos os problemas existentes. A liberdade sindical era uma questão central para nós do ponto de vista sindical como é o direito de greve, como é o direito de contratação geral colectiva. Nesse ano fomos já os representantes na assembleia anual da OIT. Pronto e as coisas...
Fernando Rosas - E do ponto de vista reivindicativo.
Manuel Lopes - É um movimento interessante, por exemplo, o salário mínimo nacional. Os têxteis quando chegaram, logo ali no princípio, lançam uma reivindicação da passagem do salário mínimo nacional para 3500$00. Nós nunca acreditámos nisso. [Fernando Rosas - Houve pedidos bem superiores que eu me lembro.] Nunca acreditámos na possibilidade. Era impossível com salários da ordem dos dois contos e qualquer coisa passar para seis. Era um pouco utópico. Portanto era o salário mínimo. E movimentámo-nos, os lanifícios conseguiram mesmo os três contos e quinhentos porque eram os mais organizados, fizeram por isso e mantiveram ali as coisas. Na altura numa discussão com o Governo, depois conseguiu-se que aquilo passasse para três contos e trezentos. Era um número muito aproximado e que abrangeu, eu diria, talvez mais de um milhão de trabalhadores em Portugal naquela altura. [Fernando Rosas - Sim, sim, sim.] O que era significativo.
Fernando Rosas - A luta pelo salário mínimo.
Manuel Lopes - A luta pelo salário mínimo.
Fernando Rosas - E os movimentos, por exemplo, de saneamento de patrões ou de responsáveis ligados ao antigo regime, isso verificou-se também nessa altura nas empresas?
Manuel Lopes - Foi-se fazendo e foram muito, eles foram espontâneos, a maioria deles foram espontâneos.
Fernando Rosas – Os primeiro foram os TLP, os CTT, foram até aquelas grandes companhias que houve aqueles cercos à administração.
Manuel Lopes - O que se dizia na altura e era verdade que havia fuga de capitais. E havia fuga de capitais e muito dinheiro saiu. Eles não foram para o Brasil com as mãos a abanar. Nem para o Brasil, nem para Espanha, nem para outro lado, mas pronto estes movimentos eram um bocado...
Fernando Rosas – E houve uma descapitalização das empresas. Quer dizer, como é que o patronato reagiu. Gostava de saber o teu ponto de vista como sindicalista.
Manuel Lopes - Houve empresas que descapitalizaram e houve empresas que queriam o abandono pura e simplesmente. Claro que nestas empresas de abandono havia que tomar uma posição. Os trabalhadores ficavam completamente na rua. Foi quando se entrou um bocado na organização dos trabalhadores e aí os sindicatos entravam para que a empresa não se desmantelasse e apoiar o que era possível para ver se ela voltava a viver. Umas viveram, outras não.
Fernando Rosas – Outras não. E do ponto de vista, portanto, dizes que estão na mesa, as grandes reivindicações são a liberdade de associação, o direito à greve, a contratação, o salário mínimo e as questões relativas à segurança social?
Manuel Lopes - Essas também estavam. Tentei sintetizar, digamos, aquelas que eram assim mais políticas.
Fernando Rosas - Sim, as mais generalizadas.
Manuel Lopes – Porque uma das questões que os sindicatos não perderam nessa altura foi a reivindicação de facto das aspirações das pessoas [Fernando Rosas - Claro.] Foram-se formando ideias sobre isso e muitos contratos são negociados em 75. Nas férias. A maioria das pessoas não tinham um mês de férias. Não, nem pensar.
Fernando Rosas – Quando é que isso se obtém, as férias pagas.
Manuel Lopes - Depende muito da contratação. Mais tarde a lei [Fernando Rosas - Generalizou.] generalizou.
Fernando Rosas - Mas a lei é só de 75.
Manuel Lopes - É, pois e os salários tinham então que ser revistos de acordo com os sectores. Eram as questões contratuais, aqueles direitos mais pequenos e manter a segurança social.
Fernando Rosas – Claro e a obrigatoriedade de o patronato negociar, não é. Que era uma coisa...
Manuel Lopes - Não havia obrigatoriedade.
Fernando Rosas - Mas quer dizer, é introduzida nessa altura?
Manuel Lopes - Nunca chegou a ser introduzida.
Fernando Rosas - Ainda hoje não há?
Manuel Lopes - Não.
Fernando Rosas - O patronato hoje não é obrigado a negociar com os sindicatos.
Manuel Lopes - Não, não, não. Negoceia se quiser.
Fernando Rosas - Negoceia se quiser, quando é obrigado a isso.
Manuel Lopes - Naquele tempo havia era uma maior intervenção do Ministério nas conciliações que deixou, efectivamente, quase de existir. Hoje ir ao Ministério ou não ir acontece é que depois aquilo não tem depois uma continuidade, não está assegurada nenhuma continuidade. Pode-se entrar lá de mãos vazias e sair de lá de mãos vazias. [Fernando Rosas - Claro.] Naquele tempo não. Apesar de tudo, o Ministério sentia-se obrigado a ter que fazer alguma coisa.
Fernando Rosas - Oh Manuel, há duas coisas que eu também gostava de te perguntar. Nessa altura, nesses meses de Maio, Junho dir-se-ia que o próprio movimento sindical, em certos aspectos, quer ir mais além do que os sindicatos. É altura em que na Intersindical há alguns comunicados a falar de greves provocatórias, de greves que fazem o jogo objectivo da reacção. Como é que tu hoje vês essa questão?
Manuel Lopes - Nós fizemos coisas boas, mas também não fizemos tudo bem. Eu penso que houve algumas coisas que passavam efectivamente que não iam longe. Já estava tudo tão radicalizado em termos da sociedade portuguesa que tentar radicalizar mais naquele momento tinha possivelmente que pôr-se a perder mais cedo, essa a razão nomeadamente   e tentar efectivamente agarrar as questões essenciais.    Nós continuávamos a pôr também a questão da organização da economia. Claro que havia depois em Portugal entretanto com o 25 de Abril havia este princípio partidário e é um período também de crescimento dos partidos e essa luta partidária naquele momento hoje não teria tanta importância mas cada partido tentou organizar o seu grupo  e isso vai dar problemas como trouxe mais tarde em 76 com o 1º de Maio, há umas roturas com efeitos na sociedade, com efeitos até na revisão, na revisão não, na feitura da Constituição que foi votada em 76, depois do 25 de Novembro e com outro tipo de efeitos.
Fernando Rosas - E como é que os sindicatos encararam essa grande explosão de Comissões de Trabalhadores nas empresas. Com alguma desconfiança, com apoio?
Manuel Lopes - Alguns com desconfiança, outros apoiaram. Portanto, dentro da própria Inter houve sempre uma discussão muito grande quanto a isso. Agora, eu pessoalmente naquele momento, embora defenda as Comissões de Trabalhadores, achava que o devia ter sido contido, não podia ser uma organização à parte. Porquê? Porque o patronato descobriu que aquilo era um processo também de que se utilizava para combater os próprios sindicatos. Depois há aqui um problema de fundo, que é este. Se nós deixarmos que a organização de trabalhadores se feche sobre a sua empresa é capaz, aparentemente, de ser bom para eles, mas se eles perdem o espírito colectivo, eles, tarde ou cedo, vão pelo ar porque há uma situação de fecho, há uma...
Fernando Rosas - Mas as Comissões de Trabalhadores também procuraram organizar-se sectorialmente...
Manuel Lopes - Mais tarde, mais tarde. Foram-se organizando já aí um bocado no acordo com os sindicatos. Deu origem nomeadamente aquilo que são hoje as Comissões de Trabalhadores do trabalho independente, os delegados sindicais também. As OMT que é uma junção, há depois um comité normalmente entre os delegados sindicais e as Comissões de Trabalhadores para questões contraditórias porque aquilo que estava a surgir era às tantas a utilização das Comissões de Trabalhadores como formas de as pôr contra os sindicatos e eu creio que aí os erros cometidos não foram muitos. Havia gente, muita gente também que era apologista pura e simplesmente de que aquilo andasse, a todos os níveis, a todos os sectores e todos os partidos. Houve quem não fosse...
Fernando Rosas - Queria fazer-te uma última pergunta que é esta. Mais quase trinta anos depois, como é que tu hoje te pronunciarias acerca da grande polémica sobre a unicidade sindical. Eu sei qual foi a tua posição na altura, mas, com a serenidade que dá o tempo, achas que foi um erro político impor a unicidade sindical, achas que não. Como é que tu hoje à distância vês esse grande debate de 75.
Manuel Lopes – Exacto. Eu sempre pensei que a unidade que era uma questão, que quando problema se pôs extremamente importante para os trabalhadores. Claro que na altura, hoje não tenho dúvidas, isto devia ter sido feito de forma mais aberta, sem chegar efectivamente ao problema legislativo, mas toda a gente acreditou que a forma de às tantas não deixar criar divisão estavam convencidos de que era legislar. Bem, hoje, a prazo, volto a dizer que é um erro, mas também agitar isto como às vezes se agita, isto é um problema há muito ultrapassado dentro do movimento sindical.
Fernando Rosas - Claro, estou a falar, estou a convidar-te a ser um pouco historiador.
Manuel Lopes - Na época, na época isto tinha de facto, teve o peso que teve. Eu penso que podia ter sido de outro modo. Não sei se evitaria aquilo que se evitou, a visão sindical naquele momento. Factores de ordem política e até exteriores ao próprio movimento sindical porque poder-se-ia ter tentado dum outro modo. Aliás, não é caso único, quer dizer, esta situação. Se nós formos ver os países nórdicos viveram durante muitos anos opondo-se à criação doutras organizações, só muito recentemente é que pressões daqui e pressões de acolá, pressões normalmente do empresariado é que levaram, de facto, à criação de outras centrais que não têm expressão ou pelo menos ficam cá muito longe. Aqui em Portugal claro que eles cometeram a questão de dizer legisla-se, mas toda a gente sabe que este problema é importante. Eu penso que é difícil quando não se quer fazer qualquer coisa que..., mas penso que todos são necessários. Eu acho que a divisão não ajudou, mesmo no plano salarial e tudo, a forma como se chegou, desfavoreceu os trabalhadores mesmo em termos salariais, a distâncias hoje do salário real são cada vez maiores, cada vez maiores. Contrariamente ao que se diz que nós nos estamos a aproximar, não importa a percentagem, importa, por exemplo, é que este ano, este ano mesmo na negociação colectiva na Alemanha que tem uma situação de inflação zero, os metalúrgicos conseguiram 4,3 e o próprio Estado negociou com a Função Pública 3,1. Aqui em Portugal, com 3% de inflação, o Estado e o poder negociaram 2,9. Quer dizer, e agora temos de ter outra coisa, os alemães já ganham cinco vezes, em média, mais do que os portugueses. O que é que isto quer dizer? Em termos práticos não há cá percentagens, há dinheiro com que se compram as coisas e dá para as pessoas viver. Eu não digo com isto que a sociedade portuguesa viva pior do que vivia, quer dizer, houve algumas evoluções, só que a distribuição da riqueza aqui nesta terra continua a ser a mais grave, mas a grande distância da distribuição do rendimento e da riqueza dos restantes países da Comunidade e isto é um número indestrutível. As distâncias são tão grandes que isto não pode continuar a acontecer, tem que aqui haver uma reviravolta.
Fernando Rosas - Quais são e com esta vou mesmo terminar, do teu ponto de vista, e de uma forma sintética, feito o balanço deste longo período, destes trinta anos do movimento sindical, quais são os desafios do momento presente, quais são os riscos, quais são os perigos.
Manuel Lopes - Eu pessoalmente acho que uma das questões que se pôs hoje em dia foi a seguinte. Há muita tecnocracia na Europa. As funções não se mexe, há a questão dum monetarismo muito grande e dum liberalismo muito grande e ou se muda isto e o campo social passa a contar como se previa e há mudanças mesmo, aproveitando melhor a macroeconomia, o desenvolvimento dentro dos países. Não contar que isso é feito consumo, é preciso desenvolver-se, mas na base do poder de compra, não é na base fictícia dos cartões, dos bancos, disto e daquilo. Ou nós podemos passar períodos complicados em termos da sociedade. Eu não acredito que isto fique como está e acredito que dum modo ou doutro as coisas vão mexer. Repara, também tentaram mudar a segurança social em França e aquilo deu uma queda de um governo que tinha uma maioria e que pensava que nunca mais de lá saía. Saiu por causa disso, por causa dessas e doutras, claro, mas essa foi fundamental e isso em todo o lado sente-se que há reacção da parte dos trabalhadores. Depois em Portugal há outros factores que é preciso pôr termo, a precaridade excessiva com que isto está a cair. Eu não conheço nenhum lado onde a precaridade seja efectivamente tão grande como é aqui. Não são só os contratos a prazo, são os chamados recibos ‘verdes’, é gente que trabalha hoje nas empresas quase sem contrato nenhum. Esta gente é difícil sindicalmente sindicalizar. Nós só podemos fazer sobre ela uma situação de esclarecimento. Apesar de se dizer que nós temos um desemprego baixo, estatisticamente temos, mas eu creio que há ali muita engenharia estatística nestes números. Agora nós temos, e isso não se consegue travar de facto, desempregados de longa duração, a percentagem maior, mesmo assim, de todos os países europeus, de todos os países europeus e aqui estas coisas são muito sustentadas pela formação e é a grande aposta do governo que eles têm equilibrado com o chamado trabalho social, por exemplo, os POC, cada vez são mais e pela formação profissional. Tanto que as alterações, mesmo em termos orçamentais do Instituto do Emprego ainda agora feitas num suplemento são todas destinadas, a maioria é destinada ao PNE [Fernando Rosas - Plano Nacional de Emprego.] e o resto funciona muito mal, mas há de facto um esforço neste sítio, mas não é, os empregos que se têm criado em Portugal são de baixíssima qualidade e são quase todos precários e isto assim não vai longe, não vai longe para pessoas desqualificadas. Portugal tem cada vez mais e bem pessoas a saírem das universidades e precisa mesmo aí de fazer muito com a juventude. Eu acho que em termos da juventude era preciso haver um plano específico porque só até aos 25 anos há mais de 200 000 pessoas neste momento que não completaram o nono ano de escolaridade. Pergunto. O que é que vai ser dessa gente daqui a dez anos? Isto tem efeitos. Eles agora arranjam emprego desqualificado, depois terão, quanto muito, um emprego, continuam a ter um emprego desqualificado e muitos vão para o desemprego porque não têm alternativa. Anda-se sempre a falar, de facto, de competências base, mas isso é preciso que o ensino também mude. Hoje em dia toda a gente fala dos computadores que as escolas têm... É verdade que têm, mas mais de metade dos jovens portugueses, muito mais, saem das escolas sem terem mexido num computador, nem têm em casa. Então se a escola não der noções mínimas, eles vão trabalhar e amanhã que competências base é que têm? Mais, e se não souberem uma língua estrangeira o que é que eles vão fazer? Podem ir trabalhar para a indústria, mas amanhã querem mudar para o comércio e mesmo na indústria é preciso para ler as coisas que lhes chegam, conforme as máquinas e as especificações que têm. Se amanhã vão trabalhar para o comércio, o comércio diz que não quer. O comércio precisa, pelo menos que hoje um vendedor que atenda público, a partir daí que saiba mais uma língua que o português. Então, como é que é? E depois o desenvolvimento de outro tipo de situações. Até pelas questões sociais devia haver ali alguma coisa que ensinasse as pessoas desde miúdo o que são os órgãos em Portugal, quais são as questões mais importantes, o que é que foi isto, a situação social, conhecessem o meio, os levasse às empresas e aos serviços para que eles amanhã quando entram no trabalho que não seja uma coisa absolutamente desconhecida para eles, mas sem alguma noção. Eles hoje saem das escolas, salvo raras excepções, isso é iniciativa dos professores, de facto, sem saberem. É certo que, por exemplo, é importante a medida da tomada sobre os jovens de começar mais cedo, a escola é importante. Isso dá ajuda, mas não resolve tudo, não há competências base e uma pessoa que não tenha competências base, não me venham cá com histórias que é depois em adulto que as vai fazer. Tem que haver uma articulação. É a mesma coisa, quer dizer, eles oferecem, digamos, mais formação, mas eles começaram na escola por não ter esse incentivo. Daqui a dez anos estamos a discutir as mesmas coisas se até lá não se der a volta nisto. É preciso dar muitas voltas ainda.
Terminamos assim a participação de Manuel Lopes a quem agradecemos a disponibilidade com que colaborou neste programa. Na próxima semana Fernando Rosas irá falar com outro convidado, o tema é economia, nomeadamente a agricultura e a reforma agrária.
Fizeram este programa Esmeralda Serrano, Maria dos Anjos Pinheiro e Henrique Soares.

(Programa gravado da Antena 2 no dia 14 de Maio de 1999)
 
 
3ª Parte da entrevista a Manuel Lopes e 1ª Parte da entrevista de José Soeiro
No anterior programa transmitimos a última parte da conversa de Manuel Lopes com Fernando Rosas. Manuel Lopes já não ouviu esse programa. O estado de saúde agravou-se e nessa madrugada faleceu. A entrevista que nos deu foi a última. Foi com emoção que estivemos com ele, que nos apercebemos do estado físico, do cansaço, mas também da força, da coragem e da lucidez com que respondeu às perguntas. Para Manuel Lopes vai a nossa sentida homenagem e recordamos a última parte da entrevista.
Fernando Rosas - Quais são e com esta vou mesmo terminar, do teu ponto de vista, e de uma forma sintética, feito o balanço deste longo período, destes trinta anos do movimento sindical, quais são os desafios do momento presente, quais são os riscos, quais são os perigos.
Manuel Lopes - Eu pessoalmente acho que uma das questões que se pôs hoje em dia foi a seguinte. Há muita tecnocracia na Europa. Nas funções não se mexe, há a questão dum monetarismo muito grande e dum liberalismo muito grande e ou se muda isto e o campo social passa a contar como se previa e há mudanças mesmo, aproveitando melhor a macroeconomia, o desenvolvimento dentro dos países. Não contar que isso é feito consumo, é preciso desenvolver-se, mas na base do poder de compra, não é na base fictícia dos cartões, dos bancos, disto e daquilo. Ou nós podemos passar períodos complicados em termos da sociedade. Eu não acredito que isto fique como está e acredito que, dum modo ou doutro, as coisas se vão mexer. Repara, também tentaram mudar a segurança social em França e aquilo deu uma queda de um governo que tinha uma maioria e que pensava que nunca mais de lá saía. Saiu por causa disso, por causa dessas e doutras, claro, mas essa foi fundamental e isso em todo o lado sente-se que há reacção da parte dos trabalhadores. Depois em Portugal há outros factores que é preciso pôr termo, a precaridade excessiva com que isto está a cair. Eu não conheço nenhum lado onde a precaridade seja efectivamente tão grande como é aqui. Não são só os contratos a prazo, são os chamados recibos ‘verdes’, é gente que trabalha hoje nas empresas quase sem contrato nenhum. Esta gente é difícil sindicalmente sindicalizar. Nós só podemos fazer sobre ela uma situação de esclarecimento. Apesar de se dizer que nós temos um desemprego baixo, estatisticamente temos, mas eu creio que há ali muita engenharia estatística nestes números. Agora nós temos, e isso não se consegue travar de facto, desempregados de longa duração, a percentagem maior, mesmo assim, de todos os países europeus, de todos os países europeus e aqui estas coisas são muito sustentadas pela formação e é a grande aposta do governo que eles têm equilibrado com o chamado trabalho social, por exemplo, os POC, cada vez são mais e pela formação profissional. Tanto que as alterações, mesmo em termos orçamentais do Instituto do Emprego ainda agora feitas num suplemento são todas destinadas, a maioria é destinada ao PNE [Fernando Rosas - Plano Nacional de Emprego.] e o resto funciona muito mal, mas há de facto um esforço neste sítio, mas não é, os empregos que se têm criado em Portugal são de baixíssima qualidade e são quase todos precários e isto assim não vai longe, não vai longe para pessoas desqualificadas. Portugal tem cada vez mais e bem pessoas a saírem das universidades e precisa mesmo aí de fazer muito com a juventude. Eu acho que em termos da juventude era preciso haver um plano específico porque só até aos 25 anos há mais de 200 000 pessoas neste momento que não completaram sequer o nono ano de escolaridade. Pergunto. O que é que vai ser dessa gente daqui a dez anos? Isto tem efeitos. Eles agora arranjam emprego desqualificado, depois terão, quanto muito, um emprego, continuarão a ter um emprego desqualificado e muitos vão para o desemprego porque não têm alternativa. Anda-se sempre a falar, de facto, de competências base, mas isso é preciso que o ensino também mude. Hoje em dia toda a gente fala dos computadores que as escolas têm... É verdade que têm, mas mais de metade dos jovens portugueses, muito mais, saem das escolas sem terem mexido num computador, nem têm em casa. Então se a escola não der noções mínimas, eles vão trabalhar e amanhã que competências base é que têm? Mais, e se não souberem uma língua estrangeira o que é que eles vão fazer? Podem ir trabalhar para a indústria, mas amanhã querem mudar para o comércio e mesmo na indústria é preciso hoje para ler as coisas que lhes chegam, conforme as máquinas e as especializações que têm. Se amanhã vão trabalhar para o comércio, o comércio diz que não quer. O comércio precisa, pelo menos que hoje um vendedor que atenda público, a partir daí que saiba mais uma língua que o português. Então, como é que é? E depois o desenvolvimento de outro tipo de situações. Até das questões sociais devia haver ali alguma coisa que ensinasse as pessoas desde miúdo o que são os órgãos de poder em Portugal, quais são as questões mais importantes, o que é que foi isto, a situação social, conhecessem o meio, os levasse às empresas e aos serviços para que eles amanhã quando entram no trabalho que não seja uma coisa absolutamente desconhecida para eles, mas sem alguma noção. Eles hoje saem das escolas, salvo raras excepções, isso são iniciativas dos professores, de facto, sem saberem. É certo que, por exemplo, é importante a medida da tomada sobre os jovens de começarem mais cedo a escola, é importante. Isso dá ajuda, mas não resolve tudo, não há competências base e uma pessoa que não tenha competências base, não me venham cá com histórias que é depois em adulto que as vai fazer. Tem que haver uma articulação. É a mesma coisa, quer dizer, eles oferecem, digamos, mais formação, mas eles começaram na escola por não ter esse incentivo. Mas ouve lá, daqui a dez anos estamos a discutir as mesmas coisas se até lá não se der a volta nisto.[Fernando Rosas - Claro.] É preciso dar muitas voltas ainda. Nós temos um caminho ainda longo para andar porque em questões de desenvolvimento nós ficámos, de facto, um pouco cá para trás e mesmo o regime na situação política como foi construída uma democracia pois corre riscos, isto não está completo. Então e a participação das pessoas? É só uma democracia de representação ou é uma democracia participativa? Isto tem que, hoje em dia, as sociedades exigem que os cidadãos para serem cidadãos necessitam ter também formas de participação e de poderem exprimir, não é só de quatro em quatro anos ou quando há eleições, a sua própria vontade e não é só através das organizações cívicas que se criam aqui, acolá e além ou sejam elas quais forem ou dos sindicados que eles vão adquirir isso. Podem melhorar mas não é suficiente.
Fernando Rosas - Qual é o papel dos sindicatos, vão desaparecer?
Manuel Lopes – Não. Se quer um exemplo muito grande é assim. Nós CGTP nos últimos anos não podemos entrar gente, mas isso não é significativo. Para mim o que é significativo é que as empresas agora formam-se e [...] à desindicalização. Não foi tanto o desinteresse, mas se olharmos para o tecido industrial e para o tecido empresarial nós vemos que há uma mudança. O que eram empresas com anos, muitas delas despediram centenas de trabalhadores, algumas encerraram e foram, entretanto, criadas outras. Ora não se cria, nunca se criou de geração espontânea uma organização dentro das empresas. O que é que acontece, muitas vezes como a própria sindicalização é nenhuma, o primeiro problema que haja, as pessoas sabem qual o caminho do sindicato. Isso quer dizer que, mesmo em situações especiais, eles continuam a acreditar que o sindicato ainda é a única coisa que funciona bem. [Fernando Rosas – Claro.] que lhes pode dar algum apoio. Se se metem na inspecção do trabalho aquilo nunca mais anda e esta é a situação real, mas não vejo nos próximos anos, para já, isto possa ter grandes alterações. Pelo contrário o movimento sindical tem também que fazer por isso. Eu hoje penso que os direitos sociais que são uma parte integrante muito grande dos direitos humanos que criam ou perdem expressão, porque há pressões muito grandes para acabar com eles, é neste espaço da Porta de Magdburgo até ao Atlântico. Porquê? Embora haja hoje uma recuperação do movimento sindical nos Estados Unidos que tem muitos anos na mão das mafias. Ainda hoje há sindicatos que estão, embora a nível da direcção central eu reconheço que há de facto alterações com as leis de [...] A América do Sul tem alguns direitos, mas eles têm uma relação de forças ali levada da breca. [Fernando Rosas – Muito complicada, claro.] Muita dificuldade em actuar. Para o lado de Magdburgo pronto aquilo vai levar anos a reconstituir. O Sueste asiático, os grandes tigres, embora haja movimentações que eu saúdo e que são positivas estão longe a ter não só tradição, mas de ter uma organização a essa dimensão, mas que nestes aspectos eles são muito recentes e que ainda há ali muita ligação entre o campo e a cidade. Só daqui a uns anos é que eles vão tomando consciência maior da situação e África quase não tem desenvolvimento industrial ou comercial para ter grandes organizações. Tem é quase uma manutenção visível, pelo menos não das organizações sindicais. Mas hoje na Europa aquilo que é preciso é que os sindicatos se congreguem para além das suas diferenças, se saibam unir e que a CES funcionasse não só como um ‘lobby’ com o tem funcionado, mas que fosse, j&a