Ricardo Vergueira
Discrição e cumplicidade foram as “armas” usadas pelas mulheres
Os homens do Movimento das Forças Armadas foram os responsáveis diretos pelo 25 de abril. No entanto, a “Revolução do Cravos” também contou com a participação e o apoio incondicional das mulheres daqueles “capitães de abril”. Elas foram, sem dúvida alguma, testemunhas oculares de todo o processo.
Muitas, é bem verdade, sequer sabiam o que se passava na época. Mas aquelas que estavam à par do que acontecia na época, não se limitaram a rezar por seus maridos. Algumas chegaram até mesmo a “participar”, colhendo informações, transmitindo recados e, o mais importante, mantendo a discrição a respeito do Movimento e das constantes reuniões, em muitas ocasiões realizadas em suas próprias casas.
“É claro que eu também não sabia de tudo mas sabia que ia acontecer alguma coisa, que aquilo (a ditadura) não poderia continuar, com a guerra colonial e a cesura”, conta Natércia Maia.
Em quase todas as ocasiões, as mulheres desses oficiais foram as responsáveis por “manter as aparências”, fosse na vizinhança, em ambiente de trabalho ou qualquer evento público.
“Mesmo na manhã do 25 de abril, saí para dar aulas. É claro que não consegui trabalhar, havia muita agitação e muitos carros fechando as ruas próximas à Escola Prática de Cavalaria aqui em Santarém. À tarde também voltei à escola em que dava aula, sem dizer nada à ninguém, mas àquela altura o diretor já havia recebido uma ordem do Ministério da Educação que mandava fechar todas as escolas”, recorda Natércia.
Em um dos trechos de seu livro (leia matéria na pág. __ ), o coronel Correia Bernardo conta que a esposa de um outro “capitão de abril”, Garcia Correia, teria sido “encarregada” de contatar o Regimento das Caldas, que àquela altura dos acontecimentos saíra do quartel para desencadear a primeira tentativa de golpe, no dia 16 de março de 1974.
Nesse caso, o envolvimento da mulher se deu porque o número de contato com o RI 5 era o da casa de Garcia Correia (ele morava ao lado do capitão Maia) e, além disso, ela havia sido colega de Liceu do capitão Luís Faria, o interlocutor do MFA naquele Regimento. Portanto, a manobra tinha o objetivo de facilitar o contato e ao mesmo tempo não despertar suspeitas em caso de controle de chamadas telefônicas por parte do RI 5.
No dia da Revolução, dos fundos de sua casa, através dos buracos dos estores (espécie de persiana), Natércia observava a coluna militar comandada por seu marido passar pela avenida. “Antes, porém, muitos oficiais chegaram a ligar para casa querendo saber de mim porque que a coluna não tinha saído.”
Quanto ao medo de se ver envolvida numa conspiração que visava derrubar o governo, ela garante que “naquele entusiasmo não dava para pensar em qualquer mal e que havia necessidade de acreditar que tudo daria certo”.
“Meu marido me disse para eu fazer a minha vida normal e acompanhar as músicas (sinais de que o golpe estava em andamento) que passariam na Rádio. No 25 de abril eu estive acordada, estive atenta, ouvi as músicas e passei a noite à espreitar pelos tais buraquinhos (dos estores), esperando pela passagem da coluna, por volta das três da manhã.”
Um dos maiores orgulhos dos “capitães de abril” era o fato de haverem comandado uma revolução sem “banhos de sangue”. E sob este aspecto, os cravos, símbolo da liberdade portuguesa, nada mais foram senão a personificação de uma força “serena e silenciosa” contida sob o peito de cada cidadão português... tão “serena e silenciosa” quanto o foi Natércia Maia.