Coleções - Legislação - Aliança Povo-MFA (Decisão da Assembleia do MFA - 8/7/75)

ALIANÇA POVO - MFA

(DECISÃO DA ASSEMBLEIA DO MFA -8/7/75)

1. INTRODUÇÃO


A aliança Povo-MFA tem sido uma realidade constante do processo revolucionário até ao momento presente. A acção libertadora do 25 de Abril, continuada por todo um conjunto de atitudes do MFA e dos partidos políticos progressistas e pelas medidas de carácter político e económico postas em prática, tem permitido manter um nível suficiente de coesão Povo-MFA. No entanto, a manutenção e consolidação da aliança Povo-MFA passa, numa primeira análise, pela satisfação das aspirações mais profundas das classes exploradas. Neste aspecto, urge prosseguir a obra iniciada em 25 de Abril de 1974. É dentro do âmbito de uma revolução cultural, pela aplicação das potencialidades militares e civis, nos campos técnico, humano e material que se mobilizará decisivamente o Povo para a Revolução. A prática começa a demonstrar este raciocínio, aliás óbvio. Essa premissa «sine qua non» de consolidação da aliança está em desenvolvimento e criará as condições para que o binómio motor do processo revolucionário português se mantenha e consolide.
Por outro lado, e ainda numa intenção de mobilizar o Povo para a Revolução, é necessário que às massas trabalhadoras sejam asseguradas condições de participação activa, o que passa por formas de organização popular, numa prática democrática, independente e unitária.
Torna-se necessário aproveitar, concretamente, esta realidade fundamental, aliança Povo-MFA, estimulando-a e apoiando-a para a defesa e dinamização da Revolução em curso.
A defesa e dinamização da Revolução, na sua actual fase, passam pela realização das seguintes tarefas:
a) Fomentar a participação revolucionária das massas, no sentido de criarem e desenvolverem agrupamentos unitários, numa perspectiva de implantação de verdadeiros órgãos de poder popular;
b) Defender a Revolução dos ataques das forças reaccionárias, através de uma consciencialização profunda das exigências do processo e da criação de organismos de defesa;
c) Vencer a batalha da economia.
Enquanto a produção não for suficiente para as necessidades globais do País, será necessário um grande esforço das massas trabalhadoras. É fundamental, portanto, vencer-se a batalha da economia superando o fraco desenvolvimento das forças produtivas, ampliando e desenvolvendo o controlo operário alargando-se o campo do sector estatal e procurando-se a acumulação necessária à nossa independência económica.
Para assegurar o cumprimento dos pontos anteriormente indicados, terá de se cuidar:

1. No campo interno:

a) De criar e desenvolver um amplo sector estatal, que seja o reflexo do domínio da economia nacional por parte de um Estado democrático, em substituição de uma economia privada dominada pelo capital monopolista, que paralisa o desenvolvimento da produção;
b) De substituir uma estrutura agrária de profundas raízes feudais por uma outra que possibilite a expansão do progresso, objectivo claramente definido na Reforma Agrária, cuja aplicação deverá ser escrupulosamente controlada pelas massas trabalhadoras rurais organizadas;
c) Saneamento do aparelho de Estado, bem como sua descentralização com vista à construção de um novo aparelho do Estado, de base popular, de modo que, através de uma coordenação eficaz, se dinamizem as potencialidades das iniciativas dos órgãos populares locais, associadas a uma ampla autonomia de decisão e de capacidade de resposta, no domínio do poder financeiro, o que porá o produto do trabalho nacional ao efectivo serviço das massas trabalhadoras; 
d) De incentivar e apoiar as formas do controlo dos meios de produção pelos trabalhadores;
e) Definir uma política económica global onde se insiram os sectores prioritários de desenvolvimento;
f) De definir uma política económica em cada um desses sectores.

2. No campo externo

a) Garantir, até às últimas consequências, o cumprimento do processo de descolonização em África porque, numa perspectiva histórica, lúcida e desapaixonada, o futuro independente de Portugal terá que assentar numa base de fraternas relações com as nossas ex-colónias, no domínio das relações políticas, sociais e económicas;
b) Evitar qualquer tipo de hegemonia ideológica, política ou económica, sobre o processo revolucionário português;
c) Garantir a manutenção de relações cordiais com todos os povos do Globo; e consolidar um poder económico que garanta a independência nacional.
Não se pretende, nem ignorar os partidos devotados à construção do socialismo, nem militarizar o Povo.
Pretende-se criar uma organização de massas que, no momento actual, dentro de uma perspectiva correcta de luta de classes, congregue, unitariamente, os trabalhadores e chame a si as tarefas concretas de defesa da Revolução, atrás descritas.
Esclarece-se que a Revolução se defende com a consolidação das conquistas alcatifadas, através de organização, vigilância, trabalho, disciplina e autoridade e com o avanço efectivo para a implantação do poder das massas trabalhadoras.
Esta organização de massas, promovendo, pela sua formação e prática, a unidade das massas trabalhadoras, criará condições para que os partidos políticos interessados na construção do socialismo encontrem formas de cooperação e entendimento que levem à unificação dos seus esforços para a correcta consolidação da vanguarda política do processo revolucionário.
Estes objectivos passam pelo cumprimento do Programa de Acção Política apresentado pelo Conselho da Revolução, por uma prática unitária do Governo Provisório, por uma política de informação ao serviço do processo revolucionário e por uma prática do MFA de exemplar unidade, austeridade, autoridade e disciplina. Este último ponto entende a prática revolucionária da crítica e autocrítica no seio do MFA.
Em face do que fica exposto sugere-se a seguinte estrutura de aliança Povo-MFA:
2.1 Explicação orgânica

2.1.1 A estrutura da Aliança Povo-MFA terá três linhas fundamentais: a do MFA, a Popular e a Governamental.
Dentro desta fase de transição, o aparelho de Estado deverá ser saneado e progressivamente substituído, descentralizando os seus poderes (administrativo e financeiro), permitindo a iniciativa local sob o controlo, fiscalização e progressiva tomada do poder pelos organismos populares.
2.1.2 As Comissões de Moradores, Comissões de Trabalhadores e outras organizações de base popular formarão Assembleias Populares Locais, de Freguesia ou por área a definir.
2.1.3 Destas Assembleias Locais se formam as Assembleias Municipais e assim sucessivamente até à Assembleia Popular Nacional.
2.1.4 A participação física do MFA começa nas Assembleias Municipais e Distritais pelas ADU'S, nas Regionais pelas ADR'S e na Nacional pelo AMFA. Entenda-se que as ADU'S são assembleias de unidades do Exército, Marinha e Força Aérea e Forças de Segurança.
2.1.5 O Conselho da Revolução é o órgão máximo da soberania nacional.
2.1.6 As Assembleias Populares são apoiadas pelo MFA e órgãos do aparelho de Estado, exercendo sobre estes controlo da gestão pública na qual participam.
2.2 Lançamento das organizações populares

2.2.1 Numa primeira fase as ADU'S incentivarão, através de sessões de esclarecimento e informação, o lançamento das Comissões de Moradores e Trabalhadores nos locais onde ainda não existem.
Nos locais onde já existem estruturas desta natureza haverá igualmente sessões de esclarecimento e informação sobre os verdadeiros objectivos do MFA.
Posteriormente, em contacto com estas organizações de base, colher-se-á a experiência da sua prática, recolhendo ensinamentos que serão divulgados no sentido de melhorar os procedimentos e alcançar resultados.
Após a apreciação pelo MFA proceder-se-á ao reconhecimento das organizações.
2.2.2 Numa segunda fase, a curto prazo, incentivar-se-á a formação das Assembleias Populares Locais e Municipais.
2.2.3 Numa terceira fase, a médio prazo, incentivar-se-á a formação das Assembleias Populares Distritais.
2.2.4 Numa quarta fase, a longo prazo, incentivar-se-á a formação das Assembleias Populares Regionais.
2.2.5 A Assembleia Popular Nacional, órgão superior de participação popular, será a última e distante etapa desta estrutura.

3. NORMAS ESTATUTÁRIAS 

3.1 Generalidades

A organização popular proposta assenta, fundamentalmente, nas comissões de trabalhadores e nas comissões de moradores. Consideram-se também organismos de base os conselhos de aldeia, as cooperativas, as ligas de pequenos e médios agricultores, as colectividades e outras associações de base popular.
Estruturas em vias de lançamento sob iniciativas várias devem ligar-se aos organismos de base definidos, CM e CT, os quais ampliarão a sua constituição, a fim de absorver e disciplinar intenções de consolidação e garante do processo revolucionário, no que se refere às tarefas das organizações de base referidas em 3.2.2.
Em conclusão, as CM e CT e outras organizações de base, chamarão a si as tarefas de defesa da Revolução.
As presentes normas estatutárias respeitam as já existentes nas diversas organizações, devendo estas ser ampliadas, a fim de incluir os objectivos aqui definidos.

3.2 Princípios orientadores da organização popular 

3.2.1 Objectivo

O objectivo fundamental e último ê o da construção da sociedade socialista definida no Plano de Acção Política do Conselho da Revolução.
Como este objectivo só se consegue em unidade, todos os níveis da organização popular devem, pois, ser unitários.
Este conceito de UNIDADE define-se da forma seguinte:
- Independência de vinculação partidária.
- Representatividade democrática a partir de sectores populacionais ou unidades de produção.
- Associação para resolução de problemas concretos.
A melhor garantia para se obter este objectivo é ser o MFA, movimento suprapartidário, a acompanhar e incentivar este processo, apoiando-o, integrando-o e reconhecendo as organizações que, pela prática, o justificarem.

3.2.2 Tarefas das organizações de base

As Comissões de Trabalhadores, Comissões de Moradores, etc., deverão, além das suas funções específicas, promover, de acordo com as suas características, as seguintes actividades:
- Trabalho político, através de informação e esclarecimento nos sectores profissionais ou populacionais.
- Acção social, nos campos da saúde e assistência, cultura e desportos, alfabetização, habitação e urbanização, transportes, etc.
- Acção económica, pela batalha da economia, controlo sobre os meios de produção dos sectores nacionalizados e privados, abastecimento e preços, etc.
- Vigilância, pela defesa das instalações e zonas urbanas, através de permanência física, por turnos, controlo de entradas, canalização de informações para os órgãos oficiais competentes, etc.
Esta actividade, em casos especiais (pontos estratégicos da economia nacional) por iniciativa do próprio MFA e sob o seu controlo e enquadramento, pode traduzir-se em tarefas de autodefesa.
- Reforço da aliança Povo-MFA, como actividade sempre presente destas organizações.

3.2.3 Tarefas das Assembleias Populares

As Assembleias Populares terão as seguintes missões fundamentais:
- Transmissão até ao nível próprio da decisão das aspirações, opiniões e exigências das populações.
- Intervenção no planeamento local, regional e nacional através dos órgãos competentes, actuando como mandatários das populações.
- Fiscalização e controlo da actividade dos órgãos da administração e da sua capacidade e tempo de resposta às necessidades das populações.
- Constituição junto dos órgãos de poder popular local de um tribunal popular para resolução de problemas não criminais.
3.3 Processo de formação

3.3.1 A direcção das organizações populares é eleita em plenário, por votação de braço no ar.
3.3.2 Nas organizações de base os membros eleitos são revogáveis pelo mesmo Plenário que os elegeu.
3.3.3 Nas Assembleias Populares os membros eleitos são revogáveis pelas próprias Assembleias.

3.4 Constituição

3.4.1 DAS ORGANIZAÇÕES DE BASE (CM, CT, etc.): terão a sua actual constituição, ampliada por forma a satisfazer as tarefas definidas.
3.4.2 DAS ASSEMBLEIAS POPULARES LOCAIS: delegados das organizações de base; delegados das autarquias locais.
3.4.3 DAS ASSEMBLEIAS POPULARES MUNICIPAIS: delegados das ADU'S; delegados das APL'S; delegados das Autarquias e Órgãos Governamentais.
3.4.4 DAS ASSEMBLEIAS POPULARES DISTRITAIS: delegados das ADU'S (incluem comandante da Unidade); delegações das APM'S; delegados das Autarquias e Órgãos Governamentais; delegados dos Organismos Sindicais.
3.4.5 DAS ASSEMBLEIAS POPULARES REGIONAIS: delegados da ADR (incluem comandante da RM); delegados da APD'S; delegados das Autarquias e Órgãos Governamentais; delegados dos Organismos Sindicais.
3.4.6 DA ASSEMBLEIA POPULAR NACIONAL: a definir.

3.5 Funcionamento

3.5.1 As decisões em todas estas organizações são tomadas por votação de braço no ar.
3.5.2 Os representantes das Autarquias Locais, Órgãos Governamentais (Gabinetes Regionais de Planeamento, IRA, etc.) e delegados dos organismos sindicais têm igual direito à apresentação de propostas, votação e expressão.
3.5.3 As decisões tomadas em Assembleias vinculam todas as estruturas ao seu cumprimento.
4. Disposições Finais

4.1 As presentes normas não têm carácter rígido e a sua aplicação atenderá às características específicas locais e aos condicionalismos determinados pela dinâmica do processo.
4.2 O presente projecto deve ser considerado como um documento-guia da acção prática das unidades militares e organismos populares. A estrutura que corresponde ao actual desenvolvimento da organização popular vai até às Assembleias Populares Locais.
Esta fase necessita ser devidamente consolidada, sendo através da própria dinâmica do processo que se verificará a viabilidade do avanço para formas de organização superior.