CRIAÇÃO DO SERVIÇO CÍVICO ESTUDANTIL
DECRETO-LEI N.° 270/75, DE 30 DE MAIO
Considerando a necessidade de reconstrução do País e a importância que o sector estudantil pode ter nesse esforço colectivo, através da realização de tarefas que se mostrem mais urgentes e que não possam ser realizadas mediante recurso do mercado de trabalho;
Considerando que a intervenção do sector estudantil se deve adaptar às necessidades da população, às possibilidades de colaboração das escolas, à capacidade de enquadramento nos serviços públicos e ao actual mercado de trabalho, sem que disso resulte um agravamento das actuais condições desse mercado, antes permitindo aumentar a oferta de postos de trabalho;
Considerando que os termos dessa intervenção não é um problema que apenas diga respeito às escolas, mas é um problema de âmbito nacional, sendo factor decisivo na compreensão da sociedade portuguesa e no enriquecimento do conteúdo do ensino:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 16.°, n.° 1, 3.°, da Lei Constitucional n.° 3/74, de 14 de Maio, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
ARTIGO 1.º
É instituído pelo presente diploma um serviço de âmbito nacional, a ser prestado por estudantes de ambos os sexos em regime de inscrição voluntária, denominado «Serviço Cívico Estudantil».
ARTIGO 2.º
O Serviço Cívico Estudantil tem em vista essencialmente os seguintes objectivos:
a) Assegurar aos estudantes uma mais adequada integração na sociedade portuguesa e um mais amplo contacto com os seus problemas, a par de melhor compreensão das necessidades e carências da população;
b) Garantir maior harmonização do conteúdo e prática do ensino com as situações concretas da vida nacional;
c) Contribuir para a combinação da educação pelo trabalho intelectual com a educação pelo trabalho manual e quebrar o isolamento da escola em relação à vida, da cidade em relação ao campo;
d) Possibilitar aos estudantes, em certa medida, uma avaliação das opções feitas eventualmente despertar-lhes vocação e interesse por vias profissionais de mais imediato proveito para a colectividade;
e) Contribuir para a reconversão do sistema de ensino, fomentar o espírito de trabalho colectivo, incentivar a cooperação entre os estudantes e o povo trabalhador, preparar e assegurar a participação dos estudantes nas tarefas da construção da democracia e do progresso do País;
f) Apoiar a criação de infra-estruturas sociais de que o País necessite;
g) Contribuir, na medida do possível, para melhorar as condições de vida das populações mais necessitadas, mediante a realização de tarefas urgentes que não possam ser garantidas pelo recurso ao mercado de trabalho.
ARTIGO 3.º
1. O Serviço Cívico Estudantil deverá, quanto à sua organização e funcionamento, inserir-se no programa global de reconstrução do País e atender às possibilidades de colaboração das escolas, associações de estudantes, sindicatos, cooperativas e demais organizações populares, à capacidade de enquadramento das estruturas militares e dos serviços da administração pública, tanto do Estado como das autarquias locais, e às condições reais do mercado de emprego.
2. A definição e a escolha dos postos e tarefas a ocupar serão sempre orientadas no sentido não só de evitar qualquer abaixamento na oferta de emprego, como ainda de incentivar através de uma dinâmica reprodutiva, a criação de novos postos no mercado de trabalho.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, a entidade que for incumbida de organizar e acompanhar a execução do Serviço Cívico Estudantil manterá adequada ligação com o Ministério do Trabalho e os representantes legais dos trabalhadores.
4. O Serviço Cívico Estudantil não poderá em caso algum ser utilizado contra os interesses dos trabalhadores, nomeadamente em situação de greve.
ARTIGO 4.º
1. A admissão ao Serviço Cívico Estudantil dependerá unicamente da inscrição voluntária dos candidatos, desde que se apresentem nos postos de trabalho na data que for determinada e cumpram as demais condições de validade do Serviço Cívico Estudantil.
2. Na distribuição individual dos postos e tarefas deverão considerar-se, tanto quanto possível e em conjugação com as necessidades e recursos disponíveis, as capacidades e preferências pessoais dos candidatos, a conexão com os ramos de estudo por estes escolhidos, a naturalidade e a residência familiar, bem como outros factores que façam pressupor fácil adaptação às tarefas e ao meio social que os vai integrar,
ARTIGO 5.º
1. O período de duração do Serviço Cívico Estudantil dependerá da natureza das tarefas a desempenhar, não podendo em caso algum exceder a data limite de 30 de Setembro do ano escolar correspondente.
2. No período mencionado no número antecedente inclui-se o destinado à preparação prévia dos admitidos, com vista a uma formação profissional para as tarefas respectivas e para conveniente adaptação ao meio social.
3. Sem prejuízo do disposto na primeira parte do n.° 1 do presente artigo, deverá, tanto quanto possível, estabelecer-se idêntico período de duração para todos os admitidos.
ARTIGO 6.º
1. Os participantes no Serviço Cívico Estudantil ficarão em situação correspondente à dos estudantes do ensino superior, nomeadamente para manutenção do direito ao abono de família.
2. Sem prejuízo do cumprimento das obrigações específicas da prestação de serviço cívico, serão fomentadas formas de ligação dos participantes às escolas, através de contactos com os professores e estudantes, os quais, em regime de voluntariado e sempre que possível, visitarão as localidades de trabalho, com prévio conhecimento e em colaboração com os órgãos de gestão do Serviço Cívico.
3. Será, na medida do possível, promovida a organização de cursos de reciclagem das matérias leccionadas no ensino secundário e de introdução às matérias a professar no ensino superior.
ARTIGO 7.°
1. Aos estudantes admitidos no Serviço Cívico será assegurada, em termos a definir regularmente, a satisfação das necessidades fundamentais de alimentação, alojamento e transportes, desde que, por virtude do afastamento em relação ao meio familiar, situação económica ou outro motivo atendível, não lhes seja possível ocorrer pessoalmente a tais despesas,
2. Será também garantida a utilização dos serviços de saúde escolar e outros que irão integrar o Serviço Nacional de Saúde, bem como a aplicação, sem pagamento de qualquer prémio, de adequado esquema de seguro contra acidentes.
ARTIGO 8.º
1. Durante a prestação do serviço cívico e no que respeita ao enquadramento no trabalho, os estudantes ficarão sujeitos às disposições funcionais de serviço que vigorarem para o departamento ou entidade através dos quais sejam enquadrados.
2. Atendendo à natureza do Serviço Cívico Estudantil, a sua dependência disciplinar será definida por um estatuto específico.
3. A averiguação de infracções disciplinares e o exercício da acção disciplinar consequente são da competência dos órgãos de gestão do Serviço Cívico Estudantil, cabendo recurso das suas decisões, no prazo de dez dias, para a entidade responsável pelo Serviço Cívico.
ARTIGO 9.°
O Serviço Cívico Estudantil gozará de autonomia administrativa.
ARTIGO 10.º
A gestão administrativa e financeira do Serviço Cívico Estudantil caberá a um conselho administrativo, composto por três membros nomeados pela entidade superior responsável, a quem competirá definir a competência, organização e funcionamento do conselho administrativo.
ARTIGO 11.º
1. A entidade superior responsável pelo Serviço Cívico Estudantil criará, por diploma especial, os órgãos necessários à execução deste decreto-lei e decidirá quanto ao pessoal, estrutura e actividades do Serviço Cívico Estudantil.
2. Cada Ministro deverá, por despacho, mediante proposta da entidade responsável, destacar para o Serviço Cívico Estudantil funcionários dos serviços centrais ou organismos dependentes do seu Ministério, qualquer que seja a sua forma de provimento, mantendo os direitos adquiridos no lugar de origem por onde serão pagas as suas remunerações.
ARTIGO 12.º
No ano escolar em curso, a faculdade de inscrição no Serviço Cívico Estudantil será limitada aos candidatos à frequência do 1.° ano das escolas oficiais do ensino superior, nos termos determinados pelas normas que regulam o acesso ao ensino superior.
ARTIGO 13.°
Serão definidos em diploma especial os termos em que a prestação do Serviço Cívico Estudantil será tida em conta para efeitos de cumprimento de obrigações militares.
ARTIGO 14.º
1. A prestação do serviço cívico constitui um importante factor a considerar no acesso às escolas de ensino superior dependentes do Ministério da Educação e Cultura, de acordo com o que vier a ser estabelecido no diploma que regulará os termos da futura admissão àquele grau de ensino.
2. É equiparada à de prestação efectiva do serviço cívico, para os efeitos do disposto no número anterior, a condição dos trabalhadores-estudantes, quer no sector público, quer no sector privado, desde que se inscrevam nos termos do artigo 4.°, n.° 1, e comprovem o desempenho real das suas funções.
3. Da mesma equiparação beneficiarão os estudantes que estejam em condições de vir a ser subsidiados pelo Fundo de Desemprego.
ARTIGO 15.º
As dúvidas suscitadas pela aplicação deste diploma serão resolvidas por despacho da entidade superior responsável pelo Serviço Cívico Estudantil,
ARTIGO 16.º
Para o ano em curso, a entidade superior responsável pelo Serviço Cívico Estudantil é o Ministério da Educação e Cultura.
ARTIGO 17.º
Este diploma entra imediatamente em vigor.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco dos Santos Gonçalves - José Emílio da Silva.
Promulgado em 22 de Maio de 1975.
Publique-se.
O Presidente da República, Francisco da Costa Gomes.