Deu entrada no CD25A um conjunto muito rico de documentos fotográficos digitalizados (alguns vieram também com cópia em papel) datados do final dos anos de 1968/70. São cerca de 950 fotografias gravadas em 4 CDs. É mais uma incorporação de documentos que completam outras remessas que já nos foram enviadas/doadas pelo arquitecto Carlos Valente. Grande parte são obra sua e retratam o movimento estudantil em Coimbra, a actividade do grupo de teatro CITAC e uma Coimbra quase desconhecida: os bairros sociais da Relvinha e da Conchada em 1970. Outras, sobre a Crise de 1969, são obra colectiva da Secção Fotográfica da AAC. Destas últimas a maioria foi impressa em 69, circulou em duas exposições itinerantes e foi depois entregue à BGUC onde se encontram hoje depositadas.
O CD25A agardece publicamente ao senhor Arquitecto Carlos Valente mais esta valiosa doação.
Publicamos a Introdudção escrita pelo Arq. Carlos Valente, incluída no dossier, que contextulllza os documentos oferecidos.
INTRODUÇÃO
Frequentei a Universidade de Coimbra a partir de Outubro de 1967 e integrei desde essa altura a Secção Fotográfica da Associação Académica de Coimbra. No ano lectivo de 1968/69 passei a integrar a Direcção da referida Secção Fotográfica.
Esta Secção tinha uma vertente comercial, semelhante à das lojas de fotografia, com dois funcionários: um fotógrafo e uma senhora encarregada do expediente. Fazia todo o trabalho dito de amadores (venda e revelação de rolos, impressão de fotografias) mas também o profissional (fotografias tipo passe e de estúdio, reportagens em exclusivo das festas académicas, do futebol, etc.). Para além disto tinha uma vertente mais "artística", à semelhança dos foto-clubes então existentes, facultando aos chamados 'colaboradores' a aquisição dematerial fotográfico mais barato, acções de formação, acesso a um est˙dio e a dois laboratórios fotográficos devidamente equipados, organização de exposições, etc.
Em 1968 a Secção Fotográfica realizou a 1ªEIUFAC (Exposição Internacional Universitária de Fotografia da Academia de Coimbra), um grande salão de fotografia qua teve uma enorme adesão (nacional e não só) e foi visitada por inúmeras pessoas em geral, muito para além da comunidade universitária.
Foi em grande medida esta exposição que me chamou para a Secção Fotográfica que passei a integrar após esse evento.
Nessa altura a Associação Académica era dirigida por uma Comissão Administrativa nomeada pelas autoridades no entanto, na maioria das Secções e Organismos Autónomos, os dirigentes, saídos dos grupos de estudantes que aí militavam, em nada se identificavam com a ideologia vigente e constituíam mesmo polos de resistência ao regime. Assim acontecia com a Secção Fotográfica onde um grupo de estudantes de engenharia liderados por José Manuel Torres Miguéns tomou, em 1966 ou 67, a liderança da Fotográfica onde, sob o manto da arte, se procurava usar a fotografia como instrumento na divulgação e luta contra o fascismo.
A Secção tinha uma intensa dinâmica, não apenas na vertente formativa,
através de cursos de iniciação ao processo fotográfico desde a tomada de vistas até ao tratamento em laboratório, mas também pela organização de pequenas exposições temáticas, excursões e outras acções de incentivo à prática da fotografia.
Quando em 1969 se inicia a Crise Académica a Secção Fotográfica teve um
papel importante, não só pelo facto de dois dos seus dirigentes (José Miguéns e José Veloso) integrarem a lista candidata aos Corpos Gerentes da Associação que, nas eleições que se seguiram, saiu vencedora por uma esmagadora maioria, mas principalmente porque a partir da sua vertente comercial gerava receitas muito significativas para o equilíbrio financeiro da Associação.
Nos dias imediatamente anteriores ao 17 de Abril mobilizou-se a Secção
Fotográfica para a jornada de luta que se sabia ir acontecer. Sentiu-se a
necessidade imperiosa de registar em fotografia as movimentações estudantis que iriam ocorrer junto ao Edifício das Matemáticas no momento da sua inauguração porque dessa forma se poderia divulgar a luta académica que, era sabido, seria abafada pelos diversos órgãos do regime.
Na Secção Fotográfica havia, para além da Direcção, um grupo de 'colaboradores' devidamente habilitados para o trabalho que era previsto fazer e, pela primeira vez na história das Crises Académicas, constituiu-se um corpo de fotógrafos devidamente organizado para efectuar uma eficaz cobertura dos acontecimentos. Eram não mais do que uma dúzia de pessoas reunidas nos dias anteriores à acção, sendo que na madrugada de 17 de Abril nos encontramos na casa do José Miguéns e José Veloso para delinear a estratégia da cobertura, de forma a distribuir os vários elementos pelos locais de interesse. Coube-me fotografar livremente na Praça D. Dinis e logo que estivesse para chegar Américo Tomás, dirigir-me ao Hospital da Universidade (o velho Hospital) onde, numa varanda (perfeitamente coberto por um friso de enfermeiras), iria registar a entrada do Edifício das Matemáticas e as movimentações gerais. Não recordo já a localização dos restantes elementos mas, com a entrada mais ou menos desordenada no local onde decorria a cerimónia, houve algumas alterações. Sei no entanto que o José Míguéns esteve no interior da sala e o José Veloso na entrada da mesma.
Nessa noite foram revelados os rolos fotográficos batidos durante o dia e
estava na câmara escura quando recebi a notícia da prisão pela PIDE de Alberto Martins. Ainda me desloquei ao local mas não havia condições de luz que permitissem qualquer registo. Note-se, já agora, que, de toda a Crise, apenas existem fotografias dos acontecimentos diurnos. O que não significa a não existência de actividade nocturna mas apenas a incapacidade com os meios fotográficos da época em obter essas imagens.
A partir daqui manteve-se esta rotina: durante o dia fotografava-se e à
noite fazia-se o trabalho laboratorial.
Todas as imagens eram assumidas pelo colectivo e portanto a sua autoria
só pode ser atribuída à Secção Fotográfica da Associação Académica. Desde o início havia a intenção de divulgar através de exposições, em Associações e outras colectividades, os acontecimentos de Coimbra. Foram por isso realizadas duas exposições de fotografias no formato de 30x40 cm, para além de uma ou outra maior, que circularam pelo país. O último local onde estiveram expostas foi na Cooperativa Árvore do Porto onde se foram buscar em Julho de 1969. Perante as condições problemáticas que resultavam das investidas policiais e mais particularmente da PIDE, temendo o seu confisco ou destruição, à chegada a Coimbra, depositaram-se directamente na Biblioteca Geral da Universidade, onde ainda hoje podem ser consultadas.
Para além da actividade relacionada com a Secção Fotográfica sempre
desenvolvi, em paralelo, a recolha independente de imagens, com material
pessoal e com finalidades de outra natureza. Enquanto as primeiras se
destinavam a documentar as acções de luta que entendíamos ter a obrigação de divulgar, as segundas resultavam apenas dos meus interesses particulares ou de actividades em que estava envolvido e que não se relacionavam directamente com a Crise Académica. Permaneceram por isso no meu arquivo pessoal e são, em grande parte, inéditas. É essa colecção que aqui se apresenta (em Julho de 2015).
FOTOGRAFIAS
Álbum "Crise de Coimbra"
Fotografias A e B - Duas imagens de Coimbra (Maio de 1968) que, quando recém chegado, me surpreenderam: O comboio a circular na rua rodeado de
automóveis e a fachada de uma República [Ai-ó-línda).
Pasta 1- Eleições para os corpos gerentes da Associação Académica de Coimbra (44 Fotografias): Propaganda das duas listas concorrentes- CR (Conselho das Repúblicas) e MRR (Movimento Renovação e Reforma); Filas para a votação e mesas de voto.
Pasta 2 - Dia 17 de Abril (13 Fotografias): Entrada do Edifício das Matemáticas e desfile militar; Convívio durante a tarde nos jardins da AAC.
Pasta 3 - Assembleia Magna que decretou o luto académico (12 Fotografias).
Pasta 4 - Convívio no Teatro da Faculdade de Letras (32 Fotografias).
Pasta 5 - Assembleia Magna que decretou a greve aos exames (25 Fotografias).
Pasta 6 - Início da Operação Balão e Final da Taça de Portugal (12 Fotografias).
Pasta 7 - Assembleia Magna no Teatro Académico de Gil Vicente - 1970 (12
Fotografias) .
Pasta 8 - Comemoração em 1970, no dia 17 de Abril, do início da Crise (6
Fotografias).
Pasta 9 - Assembleia Magna - 12ABR1970 (23 Fotografias).
Álbum "CITAC"
Tendo pertencido ao CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de
Coimbra) nos anos 1968/69 e 1969/70 fotografei de forma mais ou menos
regular as actividades do grupo.
Em 1969, com Ricard Salvat, a fotografia surgiu naturalmente devido ao meu interesse pessoal. Todavia, no caso da peça "Alfonso Castelao e a sua época", proibida de apresentação pública, houve a preocupação de realizar um Ensaio Geral para ser fotografado.
No ano seguinte (1969/70), com Juan Carlos Oviedo, a fotografia era usada como método de trabalho. Isso conduziu a que me dedicasse exclusivamente ao registo da actividade do grupo nomeadamente durante os ensaios. Essas fotografias eram analisadas no ensaio seguinte pelo encenador que delas retirava as conclusões que muito bem entendia.
Pasta Ricardo Salvat (1969):
Pasta O - Em casa de Salvat (28 Fotografias);
Pasta 1 - Brecht + Brecht (32 Fotografias);
Pasta 2 - Curso de teatro e Conferência de Xesus Alonso Montero (24
Fotografias) ;
Pasta 3 - Alfonso Castelao e a sua época - ensaio geral (66 Fotografias).
Pasta Juan Carlos Uviedo (1970):
Pasta 1 - Ensaios no Teatro de Bolso do CITAC (322 Fotografias);
Pasta 2 - Espectáculo no Teatro de Bolso do CITAC (70 Fotografias);
Pasta 3 - Espectáculo no Teatro Avenida, Coimbra (30 Fotografias);
Pasta 4 - Viagem a Itália (34 Fotografias).
Álbum "Coimbra Incógnita" (1970)
Em Setembro de 1969 a Secção Fotográfica encontrava-se numa situação
relativamente precária. Da direcção apenas restavam dois elementes (eu próprio e José Manuel Antunes) porque os restantes ou estavam presos ou tinham saído de Coimbra (como estudantes de engenharia tinham de ir para outra cidade concluir os cursos pois a Universidade de Coimbra apenas facultava a frequência dos três primeiros anos).
Foi por isso eleita uma direcção constituída por nós dois (que transitávamos da anterior) e mais três elementos novos, um dos quais, Martinho Martins de
Almeida Cruz, estudante de Direito, assumiu a presidência. Assim, tendo havido um contacto por parte de alunas do Instituto de Serviço Social no sentido de ser apoiada uma exposição sobre a habitação operária em Coimbra concluiu-se que a Secção não tinha meios para dar apoio. Como considerei importante fazer esse trabalho decidi, a título pessoal, realiza-lo.
São as fotografias que se apresentam nas duas pastas que se seguem.
Pasta 1 - Conchada (70 Fotografias);
Pasta 2 - Relvinha (93 Fotografias).
CARLOS VALENTE
Coimbra, 25 de Julho de 2015