Cap 8 UM PLANO ASTUCIOSO
No dia seguinte, mal a hora da visita chegou, lá estavam os quatro à cabeceira do Dr. Barroso. Tinha melhorado muito desde a véspera e por isso puderam contar-lhe tudo o que se tinha passado em casa, na tarde anterior.
A mãe do Luís e da Ana ficou muito aflita por causa do susto que a tia Emília tinha apanhado, e quis saber com todos os pormenores o estado em que a casa tinha ficado depois do assalto. Só sossegou quando os filhos a convenceram de que nada tinha ficado estragado, a não ser o cofrezinho, que estava em cima da secretária do pai.
- Pobre tia Emília! - dizia a mãe. - Não deve ter ganho para o susto! Ainda por cima já com aquela idade!
- Deixa lá, mãe! - dizia o Luís, com um ar divertido. - Eu até acho que lhe fez bem! Desde ontem não parece a mesma!
- É verdade! - repetia a Ana. - É espantoso como ela mudou! Hoje de manhã, até me deu um beijo, antes de eu ir para as aulas!
- E ontem tivemos um jantar divertidíssimo em nossa casa! - dizia um dos gémeos. - Depois daquela complicação toda, ainda foi ela que fez a comida e não consentiu que a minha mãe a ajudasse!
- E a mãe toda aflita por não ter conseguido ir ao supermercado! Ela fez uns ovos maravilhosos recheados de quase nada!
- Ora essa! Era fiambre que eu fui buscar à pastelaria, meu cabeça de atum!
- É verdade, até lambemos os beiços!
- Eu bem vos dizia que ela tinha bom coração ... - repetia a mãe. - Ainda bem que no meio de tanta confusão aconteceu alguma coisa boa!
Depois da avalanche de conversa dos filhos e dos gémeos a quererem contar tudo ao mesmo tempo, o dr. Barroso começou a ficar preocupado:
- Ó Isabel! O que é que acha disto tudo? Tem alguma ideia?
- Eu?! Eu estou completamente às escuras. Aliás eles já contaram tudo ... Não há nada a acrescentar!
O Dr. Barroso coçou a cabeça e tossiu um pouco. Estava muito desanimado:
- Não compreendo nada. Primeiro, atacam-me e levam-me a cópia da investigação que eu tinha entregue aos franceses. Hoje assaltam-me a casa e levam ... nem sei o quê!
O Luís queria perceber melhor:
- Ó pai! Mas afinal que investigação era essa? E o que é que os franceses têm a ver com a investigação?
- É muito simples - respondeu o pai, sentando-se na cama, enquanto a mãe lhe compunha as almofadas. - Nós estamos a trabalhar com o C.E.A., que é o Comissariado Francês para a Energia Atómica. Eles mandam-nos os registos do funcionamento de uma central nuclear, em bandas magnéticas. São indicações sobre a temperatura, as vibrações, as radiações e outros valores medidos na central francesa. O nosso trabalho é estudar estes registos, em computadores, para descobrirmos defeitos de funcionamento que ainda estão no início, mas que podem tornar-se muito graves, se não forem corrigidos a tempo. O que os ladrões levaram foi o estudo que nós tínhamos acabado de fazer.
- Mas então o teu trabalho é muito importante! - interrompeu a Ana.
- É importante, é! - continuou o pai. - É até apaixonante saber-se que se está a trabalhar para prevenir grandes desastres! É claro que há uma grande competição internacional sobre estes assuntos e os americanos bem gostariam de saber como funcionam as centrais nucleares francesas, mas...
- E como é que são essas bandas magnéticas de que falaste? - perguntou o Luís muito interessado.
- São uma espécie de impressão digital do funcionamento da central nuclear: está lá tudo. É uma grande responsabilidade lidar com estes segredos todos. Foi por isso que eu nunca vos falei sobre este trabalho ... mas agora que está nas mãos dos ladrões ...
- Brrrrr!! Até estou toda arrepiada! - exclamou a Ana, encolhendo-se toda.
- Nós já sabíamos que os americanos estavam interessados - continuou o pai. - Até já tinham feito uma tentativa de aproximação. Claro que não conseguiram nada! Temos o contrato com os franceses e não os podíamos enganar. É um segredo de Estado!
- E se parasses agora um bocadinho, Luís? - acudiu a mãe. - O pai até está a ficar pálido, com tanta conversa!
Na verdade, o Dr. Barroso parecia cansadíssimo. A mulher ajudou-o a deitar-se e aconchegou-lhe de novo as almofadas. Os gémeos piscaram o olho à Ana e ao Luís:
- E se fôssemos ao bar comprar umas laranjadas e uns bolos? Podemos, mãe?
- E não se vão perder por esses corredores fora? Isto aqui dentro é um mundo, até eu já me perdi várias vezes! - disse a mãe do Luís e da Ana, passando uma nota para as mãos do filho. - Ao menos não se afastem uns dos outros! - recomendou ainda, vendo-os sair do quarto.
- Temos um plano diabólico! - começou o Nuno a dizer, mal dobraram o corredor.
- Se é diabólico, o melhor é guardá-lo para vocês! Estamos um bocado fartos de planos mirabolantes! - respondeu o Luís.
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- Vamos mas é comer, que estou cheia de fome de bolinhos com creme! - disse a Ana.
- Esperem só um minuto - tornou o Nuno, teimosamente, sentando-se num banco a meio do corredor. O irmão apoiou-o logo:
- Deixem-no falar, caramba! Lembramo-nos de uma coisa ... Já ontem, quando assaltaram a vossa casa ...
- Já falamos nisso tudo - interrompeu o Luís. - Mas primeiro, vamos lanchar! Estou a morrer por uma laranjada fresquinha!
Os gémeos não tiveram outro remédio senão seguir os amigos até ao bar. A atmosfera era irrespirável, porque o bar era muito pequenino, e havia uma grande confusão de visitantes a comprarem coisas para os seus familiares internados no Hospital, misturados com grupos de médicos de bata branca e capa de flanela azul escura, à conversa. Quando, por fim, conseguiram os bolos e os refrigerantes, trouxeram tudo cá para fora e vieram banquetear-se, muito bem instalados, num banco do átrio.
- O que é que vocês pensam desta história toda, afinal? - continuou o Nuno, mal se instalaram.
- Qual história? - perguntou a Ana, de boca cheia, encantada com o movimento intenso à sua volta.
- Esta história dos ladrões! Já ontem à noite nos fartámos de falar nisto. Os pais são tão parvos! Vocês acham que os tais americanos vão desistir dos planos?
- Que remédio têm eles! - o Luís, distraído, olhava o fundo da sua garrafinha de refrigerante. - Caramba, acaba sempre depressa demais! Continuo cheio de sede!
- Agora quem está a ser cabeça de atum és tu! - atirou-lhe o Nuno, muito excitado. - Ouçam com atenção: Estivemos os dois a falar sobre isto. Espanta-nos é como é que os nossos pais dão o assunto por encerrado!
- É, é, às vezes os adultos são mesmo parvos - disse a Ana de nariz no ar, já mais interessada.
- Vocês acham que eles vão continuar a procurar?! - perguntou o Luís.
- Claro! Mas acho que eles já perceberam que o que procuram não está na vossa casa - o Nuno falava como se pensasse em voz alta.
- Ora essa! E porque não? - perguntou o Luís, de repente muito atento. Mas o Nuno continuou, como se não tivesse ouvido o que o Luís tinha dito:
- Das duas uma: ou os americanos estão interessados na investigação do teu pai ou então estão interessados nos registos de funcionamento da central francesa. Eles roubaram a investigação do teu pai e no dia seguinte assaltaram a vossa casa ...
- Por isso o que eles queriam era os registos da central francesa! - e o Luís, maquinalmente, completou o raciocínio do Nuno.
- Ora aí está! E como agora já sabem que não estão em vossa casa vão procurá-los no único sítio onde podem estar! Não te lembras que os da Polícia falaram em roubar a Central francesa aqui em Sacavém?!
- E os planos da Central francesa estão neste momento em Sacavém! Para nós, é claro como água! Vocês ainda não perceberam?!
- Céus! Quer dizer que eles vão assaltar o Laboratório!
- Aliás estes ladrões não são nada espertos. Para trabalhar nos tais registos, só naqueles computadores gigantes do Laboratório. Para que é que o pai ia trazer aquilo para casa?
- E agora? Vocês acham que eles se vão atrever a ir lá?
- Não conseguem entrar! Tem um guarda todo artilhado à entrada do portão!
- E um vigilante!
- Aquilo está controlado dia e noite! E tem alarmes por todo o lado! Acham que os americanos se atreviam a assaltar o Laboratório? - perguntou a Ana, com os olhos já a brilhar.
- Bom, possível, é! A certeza, não a temos, claro - disse o Filipe.
- Para termos a certeza ... não há nada como irmos lá esta noite, espiar! - acrescentou o irmão, excitadíssimo.
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